Ciência

Por Arthur Almeida, com supervisão e edição de Luiza Monteiro

À sombra dos primeiros dinossauros que habitaram o planeta, durante o Período Triássico, viviam os cinodontes. Esses pequenos animais, hoje extintos, são parentes ancestrais dos mamíferos modernos e o estudo de seus fósseis ajuda a preencher lacunas existentes sobre as transformações dos processos evolutivos.

Uma pesquisa publicada no último dia 30 de janeiro no Journal of Mammalian Evolution descreve um novo exemplar do cinodonte Prozostrodon brasiliensis, que viveu há cerca de 233 milhões no território brasileiro, mais especificamente no Rio Grande do Sul.

Segundo o estudo — conduzido a partir da tese de doutorado da paleontóloga Micheli Stefanello na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) —, o fóssil é o quarto da espécie a ser catalogado e apresenta como diferencial um bom estado de preservação.

Para Leonardo Kerber, orientador da investigação e professor da UFSM, o crânio do espécime é o melhor já encontrado para exemplares dessa idade. Isso permitiu aos paleontólogos investigarem de forma mais complexa tanto a relação filogenética do cinodonte com os mamíferos quanto suas características próprias, como tamanho, dieta e hábitos.

"Para o estudo de qualquer animal, a parte posterior do crânio é muito importante, porque é ali que ficam alojadas as principais estruturas sensoriais e nervosas, como o cérebro", explica Kerber, em entrevista à GALILEU. "Assim, a partir de um espécime desses, a gente consegue reconstruir essas características também."

"Tataravô"

A fim de analisar suas descobertas, paleontólogos utilizam definições filogenéticas. Segundo o docente da UFSM, segui-las traz um tipo de “estabilidade taxonômica”. Dessa forma, apenas são considerados mamíferos os membros de três grupos mais recentes: prototérios (ou monotremados), metatérios (ou marsupiais) e eutérios (ou placentários).

No caso do fóssil recém-descoberto, apesar de ser popularmente chamado de "tataravô" dos mamíferos, o Prozostrodon brasiliensis existiu milhões de anos antes desse grupo surgir. De acordo com Kerber, o animal é classificado como um cinodonte derivado.

Fóssil bem preservado de ancestral dos mamíferos, que conviveu com os dinossauros, é encontrado no RS — Foto: Divulgação/Leonardo Kerber
Fóssil bem preservado de ancestral dos mamíferos, que conviveu com os dinossauros, é encontrado no RS — Foto: Divulgação/Leonardo Kerber

Essa linhagem representa a primeira radiação adaptativa que antecedeu a evolução das características de mamíferos. Daí, a importância de estudar esses seres antigos. “Quando a gente olha para os animais atuais, claramente conseguimos identificar aqueles que são mamíferos, pois eles apresentam características comuns, como pelos, glândulas mamárias e endotermia", ilustra Kerber. "Mas, quando se trata do registro fóssil, chega um momento em que há dificuldade para se entender, sob o ponto de vista anatômico, o que é exatamente um membro desse grupo."

Ao que se sabe até o momento, o Prozostrodon brasiliensis era caracterizado por uma média corporal pequena (pesando pouco mais de 1 quilo e com aproximadamente 40 centímetros de comprimento na idade adulta).

Análises da dentição indicam que ele tinha uma dieta predominantemente carnívora/insectívora. Também é possível que apresentasse hábitos noturnos e fosse caçado por predadores maiores, como dinossauros — possivelmente até aqueles junto aos quais os ossos foram encontrados.

Trabalho em equipe

O fóssil "gaúcho" estava localizado no Geoparque Quarta Colônia Aspirante UNESCO, no município de São João do Polêsine (RS). A princípio, o cinodonte não havia sido identificado, pois estava dentro de um grande bloco rochoso escavado em 2014, com aproximadamente 1 tonelada.

No mesmo local, estavam o esqueleto quase completo de um dinossauro Gnathovorax cabreirai e espécimes de rincossauros. Com conhecimento restrito aos materiais fósseis dessas espécies, foi apenas em 2017 que o exemplar do Prozostrodon brasiliensis foi, de fato, encontrado.

Para surpresa da equipe, o esqueleto contava com as estruturas do crânio e das mandíbulas bem preservadas. Até então, os paleontólogos só haviam encontrado amostras incompletas da espécie.

O primeiro material fóssil data da década de 1980. Descoberto na cidade de Santa Maria (RS), apresentava a metade anterior do crânio, mandíbulas com dentição e partes do esqueleto pós-craniano.

A segunda identificação da espécie foi descrita em 2017 e se refere a uma mandíbula direita descoberta também no município gaúcho de São João do Polêsine. Por fim, o terceiro espécime foi encontrado em 2020, na mesma localidade fossilífera do holótipo, e correspondia à parte anterior do crânio e a um fragmento da mandíbula.

Em comparação, o tamanho do crânio do Prozostrodon brasiliensis e de moedas — Foto: Divulgação/Leonardo Kerber
Em comparação, o tamanho do crânio do Prozostrodon brasiliensis e de moedas — Foto: Divulgação/Leonardo Kerber

O projeto de identificação e análise do fóssil contou com a colaboração da equipe de cientistas do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (CAPPA) da UFSM e do Museu Argentino de Ciências Naturais “Bernardino Rivadavia”. “Foram muitas horas de trabalho analisando as características para montar uma matriz de dados e analisar as relações filogenéticas do material. Pessoas de diferentes especialidades estavam envolvidas colaborando com o estudo”, relata Kerber.

O objetivo inicial da investigação era identificar a filogenia da espécie e medir seu impacto no processo evolutivo. Os estudiosos usaram tomografias computadorizadas e softwares de modelagem virtual para reconstituir o crânio do animal. Dessa forma, a equipe obteve informações anatômicas adicionais importantes, promovendo uma maior compreensão das principais transformações cranianas ocorridas.

Tantos achados instigam os pesequisadores a seguirem estudando a espécie, sobretudo em relação a aspectos comportamentais. "A paleontologia funciona assim: quando acham um fóssil, o primeiro estudo é identificar quem é e onde se posiciona na filogenia e, depois, outros estudos vão surgindo para tentar refinar as características e fazer inferências", observa Leonardo Kerber.

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