Mulheres das Estrelas

Por Mulheres das Estrelas

Textos das astrônomas Ana Posses (@astroposses) e Duilia de Mello (@dudemello) sobre o fascinante mundo da astronomia

Aos nossos olhos, o céu noturno parece ser feito apenas de estrelas e regiões vazias. Se estivermos em um local bem distante da iluminação das cidades, conseguimos até ver uma luz difusa ao longo da Via Láctea. Na coluna deste mês, investigaremos se de fato há algo entre as estrelas e do que esse algo é composto.

Estrelas nascem de nuvens moleculares, que são grandes complexos formados majoritariamente de moléculas de hidrogênio (quando dois átomos de hidrogênio estão ligados), com tamanhos que chegam a centenas de anos-luz. Como comparação, a estrela mais próxima do Sol está a 4,3 anos-luz da Terra. Os Pilares da Criação e a nuvem com formato de cavalo na Nebulosa de Cavalo são exemplos de nuvens moleculares.

Via Láctea no céu noturno — Foto: ESO/B. Tafreshi
Via Láctea no céu noturno — Foto: ESO/B. Tafreshi

Essas nuvens se localizam no disco da Via Láctea e têm as condições necessárias para formar estrelas. Elas chegam a temperaturas de -260ºC, uma das menores que observamos na natureza, e são bem densas: em um centímetro cúbico existem de 100 a 10 mil moléculas de hidrogênio. Bem denso para o meio interestelar, já que, a nível do mar, contamos na nossa atmosfera em média 10¹⁹ partículas nesse mesmo volume.

Quando ondas de choque provenientes de processos como explosões de supernova passam por uma nuvem, elas podem provocar seu colapso, o que dará início ao nascimento de estrelas. O gás e a poeira cósmica compõem o meio interestelar, que basicamente é formado por todo material e energia que há entre as estrelas.

O verde representa o gás e os pontos azuis mostram estrelas que se formaram. A dispersão do gás, uma vez que o feedback estelar entra em ação, pode ser claramente vista na terceira imagem — Foto: Reprodução/"On The Nature of Variations in the Measured Star Formation Efficiency of Molecular Clouds"
O verde representa o gás e os pontos azuis mostram estrelas que se formaram. A dispersão do gás, uma vez que o feedback estelar entra em ação, pode ser claramente vista na terceira imagem — Foto: Reprodução/"On The Nature of Variations in the Measured Star Formation Efficiency of Molecular Clouds"

Além das nuvens moleculares, existem as nuvens de hidrogênio atômico neutro (átomos de hidrogênio são formados pela união de um próton, um nêutron e um elétron) e ionizado (quando esse átomo perde um elétron), que também podem estar intimamente ligadas ao nascimento de estrelas.

A culpa é das estrelas

Como vimos, as estrelas nascem do material de nuvens moleculares, porém a formação estelar é bem ineficiente: apenas 10% da nuvem é usada para formar uma geração de estrelas. As estrelas jovens e, principalmente, as mais massivas, emitem com bastante intensidade radiação ultravioleta, o que aquece o gás ao redor delas.

Nas proximidades desses objetos, as temperaturas chegam a 10.000 ºC e o hidrogênio, que antes era molecular, torna-se ionizado, pois a luz das estrelas quebra a molécula de hidrogênio em dois átomos e cada um perde um elétron.

Já ao se afastar de uma estrela, essa radiação ultravioleta ionizante não consegue penetrar com tanta intensidade, e as temperaturas caem para cerca de 5.000 ºC. Essa região então é tomada por átomos de hidrogênio não ionizado — 40% do meio interestelar é dominado por esse tipo de gás mais quente. Essas regiões do gás que interagem com as estrelas são o que vemos nas nebulosas de Orion e Carina.

Apelidada de “penhascos cósmicos”, a região a 7,6 mil anos-luz é a borda de um aglomerado estelar na nebulosa Carina — Foto: : NASA, ESA, CSA, STSc
Apelidada de “penhascos cósmicos”, a região a 7,6 mil anos-luz é a borda de um aglomerado estelar na nebulosa Carina — Foto: : NASA, ESA, CSA, STSc

Os gases atômico e ionizado também podem estar espalhados pela nossa galáxia, distante dessas estrelas. No caso do gás atômico neutro afastado dessas regiões, sendo menos de 1% do meio interestelar, ele pode chegar a temperaturas tão baixas quanto -173 ºC.

O gás ainda é mais rarefeito do que as nuvens moleculares: vemos 30 partículas por centímetro cúbico. Já o gás ionizado pode chegar a temperaturas altíssimas de 10 milhões de ºC, ao ser aquecido por explosões de supernova. Isso permeia toda nossa galáxia, acima e abaixo do disco.

Mapa do hidrogenio atomico na Via Láctea — Foto: Benjamin Winkel/HI4PI Collaboration
Mapa do hidrogenio atomico na Via Láctea — Foto: Benjamin Winkel/HI4PI Collaboration

Por fim, um outro componente importante é a poeira interestelar, feita de partículas microscópicas formadas principalmente de silicatos ou carbonatos. Elas estão em todas as fases do gás que comentamos, mas são bem evidentes em nuvens moleculares.

Quando você vê uma imagem na luz visível de uma nuvem molecular, ela parece escura. O que acontece é que a poeira absorve principalmente a luz azul das estrelas e a reemite no infravermelho. A luz das estrelas que estão atrás dessa nuvem molecular são então completamente espalhadas.

Entre galáxias

E como as galáxias conseguem o gás? Existem dois processos: fusões galácticas e acresção externa. As galáxias nasceram há cerca de 13 bilhões de anos, bem pequenas e pouco massivas, como as galáxias anãs que orbitam a Via Láctea: a Pequena e a Grande Nuvem de Magalhães.

Imagem microscópica da poeira interestelar. — Foto: Donald E. Brownlee, University of Washington, Seattle; Elmar Jessberger, Institut für Planetologie, Münster, Germany
Imagem microscópica da poeira interestelar. — Foto: Donald E. Brownlee, University of Washington, Seattle; Elmar Jessberger, Institut für Planetologie, Münster, Germany

Ao longo dos bilhões de anos, elas interagem com galáxias vizinhas e vez ou outra se fundem. Estimamos que a nossa galáxia, por exemplo, sofreu cinco fusões no passado e a próxima acontecerá com a galáxia massiva Andrômeda, em cerca de 4 bilhões de anos. Essas fusões fazem com o que os gases das duas galáxias se unam e formem uma galáxia final. Durante essa interação, o gás é comprimido, o que engatilha a formação de novas estrelas.

Resumindo, o meio interestelar e o meio intergaláctico não são vazios — pelo contrário, são permeados de gás, que por sua vez é o responsável pela formação e evolução das estrelas e das galáxias.

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