Ana Posses

Por Ana Posses

Ana Carolina Posses (@astroposses) é astrônoma e estuda galáxias no início do Universo

Se tem algo que eu gostaria de ver na vida é a aurora boreal (no hemisfério norte) ou austral (quando é no hemisfério sul). Vez ou outra, aparecem fotos nas redes sociais desse fenômeno que enchem nossos olhos, algumas inclusive acontecendo durante voos noturnos. Infelizmente, como vivemos próximos ao Equador, as auroras não são vistas no Brasil. Para observá-las, nós precisamos ir até regiões de altas latitudes, ou seja, aquelas próximas aos polos como na Islândia e Canadá.

Mas algo surpreendente aconteceu nas primeiras semanas deste mês de maio: vimos o fenômeno em regiões onde nunca imaginaríamos que fosse possível, como no Uruguai, e em países europeus em baixas latitudes, como o Reino Unido. Infelizmente, as fortes chuvas que estão acometendo o Rio Grande do Sul dificultaram ainda mais a visibilidade das auroras no nosso país, embora elas já não sejam esperadas por aqui.

Aurora austral em Punta del Diablo, Uruguai — Foto: @Estacion_bcp/Twitter (X)/Reprodução
Aurora austral em Punta del Diablo, Uruguai — Foto: @Estacion_bcp/Twitter (X)/Reprodução

Vamos entender nesta coluna porque as intensas auroras boreais e austrais aconteceram e como essas lindas cores nos lembram da grande capacidade do nosso planeta de nos proteger do ambiente inóspito espacial.

Aurora austral em Punta Arenas, no Chile — Foto: @cesar_quezada/Twitter (X)/Reprodução
Aurora austral em Punta Arenas, no Chile — Foto: @cesar_quezada/Twitter (X)/Reprodução

A origem: ventos solares

O nosso Sol tem uma superfície bem ativa. Nelas são comuns o que chamamos de explosões solares, que são a ejeção de grandes quantidades de energia e partículas sub-atômicas como prótons e elétrons livres. Em geral, elas acontecem nas manchas solares, regiões na superfície que podem ter tamanhos de até 12 vezes o tamanho da Terra.

O Sol tem um período de atividade magnética que alterna mínimos e máximos a cada 11 anos. Nós estamos caminhando de um período de mínimo que aconteceu em 2019 para o pico de atividade magnética, o que é esperado para a metade do próximo ano, em 2025. Mas, apesar das intensas auroras que vimos, este ciclo estava sendo esperado como um ciclo não tao intenso pelo Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos (National Weather Service, NWS).

Representação de uma explosão solar — Foto: Nasa

Ou seja, com o aumento da atividade solar, nós esperamos mais manchas solares e que as explosões fiquem cada vez mais frequentes e intensas. Essas explosões liberam uma quantidade de partículas gigantesca, podendo chegar a velocidades de 2000 km/s. Isso significa atravessar em somente 2 segundos o Brasil, do Oiapoque ao Chui (no extremo norte do Amapá até o Rio Grande do Sul).

Os astrônomos classificam as explosões em 5 categorias representadas por letras, da menos para a mais intensa: A, B, C, M e X. As explosões de classe A a C são fracas e causam nenhuma consequência para a Terra. Já as tipo C a X são as mais poderosas e podem causar problemas nas redes de telecomunicação terrestres. São essas também que são conectadas ao aparecimento de auroras.

Erupção solar maior que a Terra em imagem ilustrativa comparativa — Foto: SOHO (ESA e NASA)
Erupção solar maior que a Terra em imagem ilustrativa comparativa — Foto: SOHO (ESA e NASA)

Então, o que aconteceu nesse último evento foram duas excepcionalidades: estamos em um período de alta atividade solar, e as explosões solares foram de tipo X — a mais intensa de todas.

O que nos protege: campo magnéticos

Até uma simples explosão solar pode esterilizar a vida na Terra. Esse é o momento em que você precisa agradecer ao campo magnético terrestre por nos proteger.

Se você já esteve em contato com um ímã, você já viu o efeito magnético que ele pode causar em atrair metais. A Terra funciona como um grande ímã, por conta do movimento de ferro fundido no núcleo de nosso planeta.

Os ventos solares, ao se aproximarem da Terra, são barrados pelos campos magnéticos. Uma fração dessas partículas interage com o campo mais externo e espirala em direção aos polos magnéticos terrestres. É por essa via que as partículas carregadas do Sol adentram a nossa atmosfera.

Campos magnéticos também são presentes em outros planetas, sendo até mais intensos nos planetas gigantes gasosos. As auroras não são exclusivas do nosso planeta, portanto, sendo observadas em Júpiter e Saturno.

Hubble registra auroras vívidas na atmosfera de Júpiter — Foto: NASA, ESA, and J. Nichols (University of Leicester)
Hubble registra auroras vívidas na atmosfera de Júpiter — Foto: NASA, ESA, and J. Nichols (University of Leicester)

Resultado: auroras boreais e austrais

As auroras boreais são o resultado da colisão entre essas partículas advindas do Sol que estão em altas velocidades com átomos na nossa atmosfera. A dança das cores nos mostram que essas interações estão acontecendo naquele exato momento, e cada cor indica tanto o elemento químico que está sendo atingido quanto a altitude que o fenômeno está acontecendo.

Aurora boreal vista em 10 de maio de 2024 nos Estados Unidos — Foto: Damien Walmsley/Flickr
Aurora boreal vista em 10 de maio de 2024 nos Estados Unidos — Foto: Damien Walmsley/Flickr

As auroras acontecem nas partes finais da nossa atmosfera, acima de 120 km de altitude. Isso fica na termosfera, distando centenas de km da camada de ozônio e de onde estão localizadas as nuvens de chuva.

Os átomos de oxigênio emitem cores verdes (as mais comuns das auroras) e vermelhas. A cor vermelha indica a atividade acima de 150 km de altitude e é apenas visível em atividades solares muito intensas. Já as cores verdes são emitidas a até 240 km de altitude, onde o oxigênio é mais concentrado.

As cores violeta e azul acontecem em altitudes diferentes, indicam a interação dos ventos solares com moléculas de nitrogênio. Essas cores são emitidas em altitudes mais baixas que 97 km, onde o oxigênio não é tao concentrado e também só acontecem em atividades solares muito intensas.

Em resumo, as explosões de massa coronal que liberaram uma grande quantidade de matéria e energia foram tão intensas que não se restringiram aos polos e foram vistas em baixas latitudes, como nas cordilheiras dos Andes.

A palavra “Aurora” nos remete à deusa romana do amanhecer. Como dito anteriormente, infelizmente, devido as fortes chuvas no Rio Grande do Sul, não foi possível observar esse fenômeno do Brasil. Gostaria de finalizar essa coluna pedindo que você dedique um pouco a sua atenção ao que está acontecendo lá e, se possível, ajude de maneira voluntária ou fazendo alguma doação para um ponto de refúgio de pessoas e animais.

Aurora boreal ao longo do Lago Superior em Wisconsin, Estados Unidos, no dia 11 de maio de 2024 — Foto: briandjan607/Flickr
Aurora boreal ao longo do Lago Superior em Wisconsin, Estados Unidos, no dia 11 de maio de 2024 — Foto: briandjan607/Flickr
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