Quânticas

Por Marcelo Lapola

Marcelo Lapola é doutor em Astrofísica e Cosmologia pelo ITA e professor do Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto.

Uma regra básica de um texto jornalístico nos diz que devemos evitar iniciá-lo com a palavra “não”. Mas tempos sombrios de desinformação para todos os lados exigem muitas vezes que a negação possa estar logo no início de um artigo.

Não, ao contrário do que o ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou no início de junho, não há óxido de grafeno na composição das vacinas contra a Covid-19. Sim, a informação falsa já foi desmentida, inclusive pela própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e depois num esfarrapado pedido de desculpas do ex-mandatário.

Mas aí está uma boa oportunidade para saber mais sobre esse material tão incrível, promissor e com múltiplas possibilidades de uso. No campo da ciência dos materiais, por exemplo, poucas substâncias dominaram tanto a imaginação coletiva quanto o grafeno.

Esse notável material bidimensional, composto por uma única camada de átomos de carbono arranjados em uma estrutura que lembra a de uma colmeia de abelhas, emergiu como um verdadeiro revolucionário.

Com suas propriedades sem precedentes e aplicações potenciais, o grafeno tem atraído a atenção de cientistas, engenheiros e visionários, antecipando uma nova era de inovação e avanços tecnológicos.

Sem-fim de predicados

À primeira vista, o grafeno pode parecer simples — uma mera folha de átomos, tão fina que é quase transparente. No entanto, por trás de sua aparência modesta, estão uma infinidade de atributos impressionantes.

Uma das características mais marcantes é sua resistência. Por peso, essa estrutura de uma única camada é mais resistente que o aço, tornando-a excepcionalmente durável e resistente a danos. Imagine uma folha de material capaz de suportar imensa pressão, ao mesmo tempo que é flexível e leve. Um sonho realizado para engenheiros e designers em busca de revolucionar diversas indústrias.

Mas as maravilhas do grafeno não param por aí. Sua condutividade elétrica é nada menos que extraordinária. Os elétrons — aqueles minúsculos portadores de carga elétrica negativa — percorrem o grafeno em velocidades incríveis, praticamente sem ser afetados pela estrutura atômica da camada.

Essa condutividade sem precedentes promete uma nova geração de eletrônicos ultrarrápidos e eficientes em termos de energia. Imagine computadores supervelozes, transferência de dados inimaginavelmente rápida e dispositivos econômicos que nos mantenham conectados sem esgotar as baterias.

Além disso, a condutividade térmica do grafeno o diferencia de qualquer outro material. O calor se propaga através dessa estrutura atômica com facilidade, tornando-o um candidato ideal para o gerenciamento térmico em eletrônicos e aplicações de energia.

Imagine um futuro em que laptops, smartphones e baterias de veículos elétricos superaquecidos sejam relíquias do passado — um mundo em que o grafeno dissipa ativamente o calor, garantindo desempenho e longevidade ideais.

Onde se aplica

As aplicações potenciais do grafeno abrangem uma variedade de setores. No campo da medicina, pesquisadores estão explorando sua capacidade de criar sensores ultrassensíveis capazes de detectar doenças em estágios iniciais.

Com sua finura, flexibilidade e compatibilidade com sistemas biológicos, o grafeno tem um enorme potencial para revolucionar a área de diagnósticos e medicina personalizada.

O setor de energia também está ansioso para aproveitar todo esse poder. Como um material transparente e condutor, ele tem pode revolucionar painéis solares, tornando-os mais eficientes, flexíveis e acessíveis.

Além disso, baterias baseadas em grafeno poderiam transformar o armazenamento de energia, fornecendo fontes energéticas de longa duração para um mundo cada vez mais eletrificado.

Calma lá

No entanto, a produção em larga escala do grafeno ainda é um obstáculo, assim como sua integração perfeita aos processos de fabricação existentes. Cientistas estão trabalhando diligentemente para superar esses obstáculos e desbloquear todo o potencial desse material notável.

Há vários processos para a obtenção do grafeno (veja abaixo). Mas sua produção em larga escala ainda esbarra no controle da qualidade, custos de produção e escalabilidade.

Como se faz grafeno?

A produção de grafeno envolve diferentes métodos, cada um com suas próprias vantagens e complexidades. Veja alguns dos principais métodos utilizados na fabricação:

1. Exfoliação Mecânica

Esse método foi o primeiro a ser utilizado para isolar o grafeno e rendeu o Prêmio Nobel de Física em 2010 aos pesquisadores que o desenvolveram.

Consiste em usar fita adesiva para retirar camadas finas de grafeno de um material de grafite. Repetindo esse processo várias vezes, é possível obter uma folha de grafeno com apenas uma camada de átomos.

2. Crescimento por Deposição de Vapor Químico (CVD)

Essa técnica é amplamente utilizada na produção de grafeno de alta qualidade em larga escala. Envolve o aquecimento de um substrato (como cobre ou silício) a altas temperaturas e, em seguida, introduzir gases contendo carbono, como metano, na câmara de reação. O carbono se deposita na superfície do substrato, formando uma camada de grafeno.

3. Epitaxia de Feixe Molecular (MBE)

Usa-se um feixe de átomos de carbono em um ambiente de vácuo para fazer crescer camadas de grafeno em um substrato. O MBE permite um controle preciso da espessura e da qualidade do grafeno produzido, mas é um processo mais complexo e caro.

4. Redução química

Envolve a redução de óxidos de grafeno (GO) para obter grafeno, de fato. O óxido de grafeno é produzido a partir de grafite por meio de um processo químico e, em seguida, é reduzido usando agentes químicos ou tratamento térmico para remover os grupos funcionais e recuperar as propriedades do grafeno.

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