Quânticas

Por Marcelo Lapola

Marcelo Lapola é doutor em Astrofísica e Cosmologia pelo ITA e professor do Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto.

O sonho da supercondutividade em temperatura ambiente mais uma vez colocou a Física do Estado Sólido entre os assuntos mais comentados das redes sociais. Coisa rara de acontecer.

Tudo porque um grupo de pesquisadores da Coreia do Sul anunciou, em 22 de julho, que haviam descoberto um “supercondutor em temperatura ambiente”. O material foi batizado de LK99. Eles publicaram dois artigos preliminares, isto é, ainda não revisados por pares, na plataforma ArXiv.

Desde então, o entusiasmo inicial foi dando lugar ao ceticismo. Os primeiros experimentos realizados com o material em laboratórios independentes têm mostrado que a tal supercondutividade do material simplesmente não acontece em temperaturas ambientes.

Em uma série de tweets postados duas semanas após a publicação dos artigos, o Centro de Teoria da Matéria Condensada (CMTC) da Universidade de Maryland, nos EUA, refutou que o LK99 seja supercondutor em temperatura ambiente.

Da mesma forma, o Centro Internacional de Materiais Quânticos (ICQM), da China, relata que o LK-99 experimenta o que é conhecido como “ferromagnetismo”, e não a supercondutividade.

A difícil busca por um supercondutor a temperatura ambiente remonta ao início do século passado, e sua história é cheia de percalços e algumas falsificações por parte de alguns ditos cientistas.

Afinal, o que é um supercondutor?

A responsável pela energia elétrica é a corrente elétrica, que é um fluxo ordenado de elétrons (que têm carga negativa) por um fio, por exemplo. Mas, normalmente, esses elétrons encontram obstáculos pelo caminho, impostos pela presença e agitação dos átomos de que os fios são feitos. Assim, em todo material capaz de conduzir eletricidade existe também uma resistência associada. Com ela, parte da energia elétrica se perde, em forma de calor. Chamamos isso de efeito Joule.

As perdas por efeito Joule acontecem porque os cabos de transmissão têm resistência elétrica. Quando uma corrente elétrica flui através deles, parte da energia é convertida em calor devido a essa resistência, em vez de ser entregue ao destino.

No Brasil, as perdas de transmissão e distribuição de energia elétrica variam de região para região e ao longo do tempo. Historicamente, o país sempre teve uma taxa de perdas em torno de 15% a 20% do total de energia gerada. No entanto, a melhoria das tecnologias de transmissão e distribuição, juntamente com investimentos em infraestrutura, podem ajudar a reduzir essas perdas.

A dança dos elétrons

Então, um supercondutor é para a eletricidade o que uma superfície sem atrito é para um bloquinho que desliza sobre ela. Diferentemente dos condutores e semicondutores, dos quais os dispositivos elétricos são feitos atualmente, um supercondutor não oferece resistência a uma corrente elétrica que flui através dele.

É o mundo ideal para se desenvolver microchips ainda mais rápidos, motores infinitamente melhores e, principalmente, transmitir eletricidade a longas distâncias sem perdas! As possibilidades são muitas.

Trata-se de um dos fenômenos mais impressionantes da natureza: a supercondutividade. É um mundo onde a eletricidade flui sem obstáculos nem perdas, numa espécie de baile de gala em que os elétrons são as grandes estrelas e a resistência nem aparece. Mas o grande problema é que esse fenômeno só aparece em materiais a temperaturas baixíssimas.

Tudo começou lá no início do século 20. Pesquisadores da física do estado sólido perceberam que, ao resfriar materiais a temperaturas muito baixas, algo surpreendente acontecia: a resistência elétrica simplesmente desaparecia.

Mas como isso acontece? Imagine os elétrons (as partículas minúsculas com carga negativa) como dançarinos frenéticos em uma pista de dança. Em materiais normais, eles colidem com átomos e outras partículas, criando atrito e resistência ao fluxo de eletricidade. É como tentar dançar em um lugar muito lotado.

Quando esses materiais são resfriados a temperaturas criogênicas, algo incrível acontece: os elétrons transformam-se em uma espécie de “boy band” ultrassincronizada, que desliza suavemente pela pista de dança sem esbarrar em ninguém. Essa harmonia perfeita é a chave da supercondutividade.

Um dos pioneiros da supercondutividade, o holandês Heike Kamerlingh Onnes, descobriu isso em 1911, quando esfriou mercúrio a temperaturas próximas do zero absoluto. O mercúrio, subitamente, deixou de lado sua resistência elétrica.

Parece mágica

A supercondutividade não é apenas um truque legal da física. Ela tem aplicações práticas que fazem até os engenheiros esfregarem as mãos de emoção — de trens magnéticos que flutuam silenciosamente acima dos trilhos à ressonância magnética nuclear (RNM), que permite que médicos espiem nosso corpo com mais detalhes.

E aqui está a cereja no topo do bolo (congelado): quando os elétrons dançam em harmonia, eles formam "pares" chamados pares de Cooper. Essas duplas têm um vínculo tão forte que até obstáculos microscópicos não conseguem desmanchá-los. E é assim que a eletricidade flui sem obstáculos.

Esse é o mundo maravilhoso da supercondutividade. Daí a busca frenética por um material que possa ter essa propriedade em temperaturas maiores. Dos pioneiros corajosos que enfrentaram o frio intenso até os elétrons que resolveram dançar uma valsa de resistência zero, a jornada elétrica até aqui é realmente espetacular.

E, se um dia alguém descobrir onde está esse “santo Graal”, o Prêmio Nobel será apenas uma formalidade. Celebraremos um salto sem precedentes na história. Por enquanto, seguimos procurando essa agulha num palheiro científico enorme, e cheio de armadilhas. Que os jogos continuem!

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