Quânticas

Por Marcelo Lapola

Marcelo Lapola é doutor em Astrofísica e Cosmologia pelo ITA e professor do Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto.

Fazer ciência de fronteira, aquela no limite do desconhecido, muitas vezes é como tatear no escuro. Mas a física teórica propõe modelos com base nas leis da natureza e nas regras matemáticas mais avançadas. Partindo igualmente de uma hipótese, de postulados, nasce uma teoria física.

A prova de fogo para a validação de uma teoria é a observação experimental. Por conta de inúmeras observações e medidas feitas pelos telescópios mais potentes, entre outros experimentos, podemos afirmar que o Modelo Padrão da Cosmologia não é mais uma mera teoria.

Mas isso não significa que seja a teoria definitiva. Mais conhecida como Teoria do Big Bang, ela é o que temos de melhor na cosmologia quando se trata de descrever a origem e evolução do Universo. Isso graças a observações da expansão acelerada do cosmos, da formação de estruturas a partir de flutuações quânticas de densidade e temperatura medidas na radiação cósmica de fundo, da formação estelar, entre outros aspectos.

Mas há “defeitos” tão importantes nesse modelo que, para alguns cientistas, o Modelo Padrão da Cosmologia passa por uma crise. A mais atual diz respeito a recentes observações feitas pelo Telescópio Espacial James Webb, da Nasa. É que, com ele, pesquisadores detectaram galáxias muito mais distantes (e, portanto, muito mais antigas) do que o Modelo Padrão da Cosmologia prevê. E essas são provas muito convincentes de que ele precisa ser atualizado.

De olho nas galáxias

Galáxias são os blocos de construção fundamentais da matéria em escalas cósmicas. Por isso, nós, cosmólogos, as estudamos mais do que qualquer outro corpo celeste. Estrelas e planetas são objetos de estudos da astrofísica, uma “irmã” da cosmologia, ambas “filhas” da Relatividade Geral.

Uma galáxia é uma coleção de bilhões e bilhões de estrelas, ligadas gravitacionalmente entre si, e podemos estudá-las para entender e descrever a evolução do próprio espaço-tempo cósmico.

Mas as galáxias sofrem de uma espécie de problema de idade. É o que chamamos de relação idade-desvio para o vermelho. O Modelo Padrão diz que a matéria começou a se formar aproximadamente 400 mil anos após o Big Bang. Nessa época do Universo primordial, elétrons e prótons se atraíam e formavam os primeiros átomos de hidrogênio.

Antes disso, eles eram partículas livres compartilhando o espaço-tempo com fótons, partículas fundamentais da radiação eletromagnética que mais tarde se tornariam a radiação cósmica de fundo em micro-ondas.

A partir da recombinação em hidrogênio, o Universo passou a ser composto por um gás muito tênue desses átomos, além de alguma dose de hélio, e pela radiação de fundo remanescente. Depois, com a força da gravidade que age nas perturbações e a partir das nuvens de gás primordiais, se formaram as primeiras estrelas, de hidrogênio e hélio. E por meio da fusão nuclear desses elementos, começaram a se formar todos os outros elementos químicos que conhecemos.

Essas estrelas de primeira geração, após esgotarem seus processos de fusão, explodem em supernova lançando esses elementos no espaço ao seu redor. Depois que o Universo passou por algumas gerações de estrelas, havia elementos pesados e radiação UV suficientes para alimentar a formação de galáxias. Estrelas e grandes quantidades de gás colapsaram em entidades gravitacionalmente ligadas para unir essas primeiras galáxias.

E o desvio para o vermelho?

Bem, o Modelo Padrão da Cosmologia nos dá uma maneira de vincular as distâncias observadas dos objetos celestes com sua idade relativa ao Big Bang. O desvio para o vermelho leva em conta a expansão do Universo e, consequentemente, o afastamento entre as galáxias. As distâncias são medidas pela observação e não podem ser alteradas.

A idade, por outro lado, surge do modelo teórico. A partir do nosso modelo de um Universo em expansão, guiados pela Relatividade Geral de Einstein, inserimos neles nossa compreensão da matéria, tal como expressa no modelo padrão da física de partículas. Juntos, eles nos dizem como a distância, ou desvio para o vermelho, se correlaciona com uma idade desde o Big Bang.

E qual é a crise, afinal? O problema surgiu quando o Telescópio James Webb, logo nas primeiras observações, encontrou galáxias com desvios para o vermelho maiores que o previsto e, portanto, com idades muito maiores do que a Teoria do Big Bang pressupõe.

Antes do James Webb, o Telescópio Espacial Hubble já havia encontrado indícios dessas galáxias mais antigas, porém as observações iam no limite do telescópio. Com as novas imagens, porém, estamos olhando para um passado muito, muito distante. E o que vemos é que galáxias muito bem formadas estão aparecendo cedo demais na evolução cósmica.

Assim, o modelo do Big Bang precisa ser atualizado, melhorado e adaptado para explicar essas observações. E a grande questão é: quanta atualização será necessária? Houve um período de rápida formação de galáxias primordiais seguido por outro em que novas galáxias levaram mais tempo para se formar? Houve um período de criação de matéria a mais? Enfim, muitas perguntas.

As respostas podem estar nas chamadas Teorias Alternativas de Gravidade. São modelos teóricos que complementam a Relatividade Geral e mostram modelos cosmológicos que permitem, por exemplo, supor a existência de épocas intermediárias na evolução do Universo.

Sim, o Modelo Padrão da Cosmologia explica muito bem a origem e evolução do Universo. Mas, como diz o físico Marcelo Gleiser em seu livro O Caldeirão Azul, “nenhuma teoria criada pelo homem é perfeita”. A realidade é sempre um pouco mais complexa.

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