Quânticas

Por Marcelo Lapola

Marcelo Lapola é doutor em Astrofísica e Cosmologia pelo ITA e professor do Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto.

“A ciência sem a religião é imperfeita, a religião sem a ciência é cega”, escreveu certa vez Albert Einstein em uma de suas correspondências, nas tantas vezes em que foi questionado sobre o assunto. A devoção do autor da Teoria da Relatividade era de fato pela ciência, fundamentada na razão, mas que dialogava com algo ainda maior que as religiões estabelecidas: uma consciência cósmica.

Um dos mitos que circundam o mundo científico é o de que todo físico é ateu. Essa falsa ideia de físico que se preza não acredita em Deus soa estranha quando vamos de fato atrás da opinião de grandes e famosos cientistas da área.

Comece por Galileu Galilei (1564-1642) e depois siga em direção a Isaac Newton (1643-1727). O primeiro, que negou suas descobertas diante do tribunal da Inquisição, para não morrer, dizia: "Não consigo acreditar que o mesmo Deus que nos deu inteligência, razão e bom senso nos proíba de usá-los.” De Newton é conhecida sua castidade e toda dedicação que tinha à sua religiosidade, com muitos estudos teológicos, além da alquimia.

A ideia de que físicos acreditam na existência de Deus parece contraditória numa primeira análise, pois as leis da física contam uma história diferente sobre como o mundo funciona de fato. Quando perguntam ao famoso astrofísico Neil DeGrasse Tyson se ele acredita em Deus, imediatamente ele responde com outra pergunta: "Qual Deus, o Deus do Cristianismo, do Judaísmo, do Islã, os Deuses do Hinduísmo?"

Conclusões e sentimentos a respeito de uma transcendência são coisas muito pessoais, sempre a serem respeitadas. Crer ou não crer jamais impediu cientistas notáveis de avançarem em suas descobertas científicas. Abaixo alguns deles:

1. Planck

O alemão Max Planck (1858-1947) é um dos físicos mais importantes de todos os tempos. Em 1900, ele formulou a Lei da Radiação do Corpo Negro, um marco fundamental no início da física quântica moderna, sendo considerado o “pai” da mecânica quântica. Planck recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1918.

Max Planck — Foto: Domínio público/Wikimedia Commons
Max Planck — Foto: Domínio público/Wikimedia Commons

Quarenta anos depois, Planck proferiu uma palestra intitulada "Religião e Ciência", expondo suas visões sobre religião e Deus. Ele também fazia parte de uma família luterana cristã e foi diácono da igreja de 1920 até sua morte, sendo um profundo crente em Deus.

O físico acreditava que Deus desempenha um papel importante tanto na religião quanto na ciência, embora isso não necessariamente significasse a mesma coisa para ambas. Na palestra, Planck afirmou que “a religião representa um vínculo do homem com Deus. Consiste em reverência diante de um Poder sobrenatural, ao qual a vida humana é subordinada e que detém em suas mãos nosso bem-estar e miséria.”

2. Heisenberg

O físico Werner Heisenberg (1901-1976) descobriu o Princípio da Incerteza na mecânica quântica em 1927. Cinco anos depois, recebeu o Prêmio Nobel de Física por esses trabalhos.

Werner Heisenberg, criador do princípio da incerteza. — Foto: Wikimedia Commons
Werner Heisenberg, criador do princípio da incerteza. — Foto: Wikimedia Commons

Reconhecido como um dos pioneiros da mecânica quântica moderna, o alemão é famoso por sua contribuição para o princípio da incerteza de Heisenberg e a formulação matricial da mecânica quântica.

Heisenberg cresceu em uma família cristã luterana e, segundo relatos, era uma pessoa profundamente religiosa, mantendo forte convicção no Cristianismo. "O primeiro gole do copo natural da ciência nos torna ateus, mas no fundo do copo, Deus está esperando por nós", dizia.

3. Einstein

Ferrenho crítico do rumo que a mecânica quântica havia tomado, na qual átomos e partículas subatômicas só poderiam ser descritas por meio de probabilidades, amparada no Princípio da Incerteza de Heisenberg, Albert Einstein (1879-1955) vez ou outra se referia ao "Senhor". Em uma de suas mais conhecidas manifestações, disse: "O Senhor é sutil, mas não malicioso. Deus não joga dados com o Universo.”

Albert Einstein. — Foto: Orren Jack Turner, Princeton, N.J.
Albert Einstein. — Foto: Orren Jack Turner, Princeton, N.J.

Judeu não praticante, o alemão sempre foi crítico das religiões muito radicais e institucionalizadas, mas cultivava uma profunda religiosidade. Numa entrevista publicada em forma de diálogo com o polímata indiano Rabindranath Tagore, Einstein não escondeu sua crescente admiração por Jesus Cristo. "Quando criança, recebi instruções da Bíblia e do Talmud. Sou um judeu, mas estou fascinado pela luminosa figura do Nazareno", disse o físico.

4. Maxwell

O britânico James Clerk Maxwell (1831-1879) unificou fenômenos elétricos e magnéticos por meio de equações diferenciais fundamentais para várias áreas da física. Suas descobertas deram base ao desenvolvimento da mecânica quântica e da relatividade, além de contribuições significativas para a teoria cinética dos gases e a engenharia elétrica moderna.

James Clerk Maxwell — Foto: Wikimedia Commons
James Clerk Maxwell — Foto: Wikimedia Commons

Maxwell também era profundamente religioso, dedicando muito de sua vida aos serviços religiosos e ao estudo de doutrinas. Em uma carta a um amigo na Trinity College, em Cambridge, ele expressou sua crença de que a influência do mal era interna, e não externa, reconhecendo que "somente pela graça de Deus conseguia superar suas fraquezas, parcialmente na ciência e ainda mais na sociedade, mas somente de maneira completa ao se entregar a Deus."

5. Hawking

Stephen Hawking (​​1942-2018) era conhecido por seu ateísmo declarado. Ele via o Universo regido apenas por leis físicas, sem a necessidade de uma intervenção divina. Em várias ocasiões, o inglês expressou sua visão sobre a inexistência de um criador divino.

Stephen Hawking — Foto: John Cairns/Wikimedia Commons
Stephen Hawking — Foto: John Cairns/Wikimedia Commons

Em uma de suas declarações notáveis, afirmou: "Eu sou ateu porque considero improvável a existência de um Deus. Não só não há evidências de que um ser sobrenatural exista, mas acredito que a ideia de um Deus criador não é necessária para explicar o Universo."

Dois lados da mesma moeda

Em maior ou menor nível, a briga dos cientistas é contra o obscurantismo, a autoridade das igrejas e seitas que tentam impor suas regras e interpretações impedindo nosso maior dom: que é o de nunca parar de questionar.

Nunca é demais lembrar que a ciência só pode afirmar ou negar de maneira definitiva a existência de algo após observações absolutamente conclusivas. Assim, qualquer radicalismo, seja do lado da crença em Deus, seja do ateísmo mais renhido, em nada tem a ver com fazer ciência.

Crentes e ateus têm uma posição inconsistente com o método científico, esse baseado em evidências. Crer ou não crer, opções muito pessoais e que devem ser respeitadas, são dois lados da mesma moeda: o da nossa irresistível necessidade de acreditar.

No fim das contas, há muito de espiritual em se fazer ciência, em poder contemplar a realidade com consciência e método. E nunca perder a capacidade de se maravilhar.

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