Quânticas

Por Marcelo Lapola

Marcelo Lapola é doutor em Astrofísica e Cosmologia pelo ITA e professor do Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto.

Via de regra, é a ciência que inspira as mentes criativas do cinema e da literatura a criarem seus roteiros maravilhosos de ficção. Mas, na década de 1980, ocorreu o movimento contrário. O criador da história também era cientista, claro.

O ano era 1985 e o astrônomo Carl Sagan, criador da aclamada série Cosmos, estava escrevendo seu único livro de ficção científica, Contato, que 12 anos depois viraria um filme, estrelado por Jodie Foster na pele da astrofísica Elli Arroway.

A trama fala sobre possíveis contatos com extraterrestres, entre outros temas ligados à ciência. Na história, Elli recebe instruções vindas de uma civilização avançada, orientando-a na construção de uma máquina revolucionária capaz de viajar pelo hiperespaço, através de um buraco de minhoca.

A ideia, que gerou grande impacto, foi inspirada diretamente por uma conversa entre Sagan e seu colega, o físico Kip Thorne — que em 2017 levou o prêmio Nobel de Física pela detecção das ondas gravitacionais.

Sagan pediu a Thorne que investigasse se de fato a ideia do tal “atalho no espaço-tempo” descrito no livro estaria cientificamente correta. Será que ele realmente pode existir?

Matéria exótica

A conversa deu origem a um artigo seminal sobre os wormholes (buracos de minhoca, em português). Intitulado Wormholes in spacetime and their use for interstellar travel: A tool for teaching general relativity (“Buracos de minhoca no espaço-tempo e seu uso para viagem interestelar: Uma ferramenta para ensinar relatividade geral”, em livre tradução), o trabalho mostra todo o formalismo matemático da Relatividade Geral de Einstein, tendo como solução a geometria de um túnel no espaço-tempo ligando duas regiões remotas do Universo.

Thorne e seu colaborador Michael Morris mostraram que, para a "garganta" do buraco de minhoca permanecer aberta, ele deve ser preenchido com matéria exótica, isto é, matéria com massa negativa. Isso violaria inclusive algumas condições de conservação de energia.

Sabemos desde a Lei da Gravitação Universal de Newton que a gravidade é uma força exclusivamente atrativa e diretamente proporcional à massa dos corpos. Sendo assim, matéria exótica teria, entre outras coisas, um certo caráter “repulsivo”. Ou seja, a conclusão na época é que pela Relatividade Geral seria impossível obter um buraco de minhoca que pudesse respeitar as leis da natureza.

A menos que a Relatividade Geral precise de alguma correção. E esse é o ponto em que, desde o artigo proposto por Carl Sagan, há uma verdadeira corrida na astrofísica para apresentar teorias alternativas que corrijam ou complementem a Relatividade Geral.

A meta é encontrar uma solução para um buraco de minhoca que seja atravessável sem que para isso ele precise ser preenchido com matéria exótica. Mesmo buracos de minhoca em nível quântico. Nunca detectados, mas previstos nessas soluções de correção da Relatividade Geral, os buracos de minhoca, se existirem de fato, podem ser nossa única alternativa para viagens interestelares.

As “dobras” e “túneis” na geometria do espaço-tempo podem ser os atalhos para atingir sistemas e estrelas muito, muito distantes. É sempre bom lembrar da vastidão do Universo: a estrela mais próxima do Sistema Solar, a Proxima Centauri, está a cerca de 4 anos-luz de distância de nós, o equivalente a cerca de 40 trilhões de quilômetros!

Isso significa que levaríamos mais quatro anos para chegar até Alpha Centauri — sistema solar do qual Proxima Centauri faz parte — se viajássemos à velocidade da luz. Algo impossível — a não ser que possamos construir um buraco de minhoca.

A questão ainda permanece em aberto, e pode abrir caminho para uma nova teoria pós-teoria da relatividade. O futuro dirá.

Mais recente Próxima O que é a tensão de Hubble e por que ela gerou uma crise na cosmologia?