Um novo estudo comandado por brasileiros revela por que pessoas nascidas cegas mostram atividade em áreas de processamento visual no cérebro. As conclusões foram publicadas no último dia 20 de janeiro na revista Human Brain Mapping.
A pesquisa identificou pela primeira vez uma reorganização das regiões cerebrais em indivíduos com cegueira congênita. O trabalho foi liderado por cientistas do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro de Oftalmologia Especializada do Rio.
A equipe avaliou imagens neurais de 10 pessoas com cegueira congênita e leitores de Braille, comparando-as a resultados de um grupo controle de 10 indivíduos com visão intacta. Os especialistas utilizaram técnicas de ressonância magnética para analisar a conectividade estrutural no cérebro e investigar possíveis conexões neurais alternativas.
Eles observaram mudanças estruturais de conectividade no tálamo, estrutura do diencéfalo, região central que recebe, processa e distribui informações dos principais sentidos – como visão, audição e toque – para as diferentes áreas cerebrais.
Estudos anteriores já haviam relatado que cegos de nascença podiam ativar a região do cérebro que processa a visão, o córtex occipital, ao se envolver em uma atividade não visual, como ler em Braille. Tais pesquisas evidenciaram a existência de uma plasticidade cerebral — capacidade do cérebro de reorganizar suas conexões para enfrentar adversidades. Esse processo pode envolver uma série de modificações estruturais, como o desenvolvimento de novos caminhos neurais ou a reorganização das conexões existentes.
No novo estudo, os cientistas suspeitaram que o tálamo seria o responsável pela plasticidade. De acordo com Fernanda Tovar-Moll, autora correspondente da pesquisa e presidente do IDOR, a suspeita em torno desta estrutura se deu pois ela conecta diversas regiões corticais.
Além disso, o tálamo seria uma área com pouca alteração no circuito axonal (parte do neurônio que conduz impulsos elétricos), sendo assim capaz de realizar conexões de diferentes áreas.
Segundo Tovar-Moll, a área cerebral ligada à visão, o córtex occipital, tecnicamente não teria função em pessoas que nasceram cegas. “Mas sabemos que não é o caso. Está ativado. O que faltou entender foi o processo estrutural por trás disso”, ela explica, em comunicado.
Além de ativado, o córtex visual também é invadido por conexões que refinam outros sentidos, como a audição e o tato. A pesquisa mostrou isso ao observar que a área do tálamo dedicada à conexão com o córtex occipital era menor e mais fraca em cegos, dando espaço para conexões com o córtex temporal (ligado à audição).
Essas últimas ligações com a área da audição eram fortalecidas nos nascidos cegos, quando comparadas àquelas de indivíduos sem deficiência visual. Com isso, os pesquisadores acreditam que as reorganizações plásticas podem explicar como os estímulos não visuais atingem e ativam o córtex visual em pessoas nascidas cegas.
“Os estudos de neuroimagem nos permitem navegar pela estrutura do cérebro e entender melhor a diversidade da plasticidade cerebral, o que também pode abrir caminho para descobertas como novas iniciativas de reabilitação visual”, diz Tovar-Moll, informando que sua equipe está envolvida em outros estudos com cegos congênitos nos quais investigam as adaptações funcionais da plasticidade do cérebro.