O Hospital Instituto de Neurologia de Curitiba (INC), no Paraná, realizou, em março deste ano, uma cirurgia rara em um jovem diagnosticado com Síndrome de Tourette, conforme a instituição divulgou nesta quarta-feira (5).
Após passar pela avaliação de uma equipe multidisciplinar, o tratamento neurocirúrgico com a implantação de Estimulação Cerebral Profunda (DBS) foi recomendado para Vitor Emanuel Farias da Silva, de 18 anos. Isso porque o paciente, mesmo fazendo uso de medicamentos, vivia um momento de crise, com tiques fortes e pouco espaçados.
A Síndrome de Tourette é uma desordem neuropsiquiátrica que não tem cura. Apesar disso, pode ser controlada, buscando a redução da intensidade dos tiques e monitoramento das sensações premonitórias, diminuindo o desconforto dos pacientes, bem como os prejuízos para a autoestima e aceitação social.
Alguns dos tratamentos comumente indicados para pacientes com Tourette são a terapia comportamental cognitiva, para a reversão de hábitos, e o uso de medicamentos antipsicóticos. Em casos mais graves, como o de Vitor, pode ser indicado excepcionalmente o DBS.
![O paciente, Vitor Emanuel Farias da Silva, com seus pais — Foto: Divulgação/Hospital INC](https://s2-galileu.glbimg.com/H2esG0pSkVBpiMgU7hpaBGWr624=/0x0:2420x1815/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2024/c/e/WjB2ACRzApfOvs8WlSmA/sidrome-tourette-divulgacao-hospital-inc.jpg)
O jovem convive com os efeitos da síndrome desde muito cedo e passou por diversas fases à medida que os sintomas se tornavam mais intensos. Tiques involuntários de ordem motora e vocal – piscar os olhos, franzir a testa, balançar a cabeça, bater objetos, tossir, fungar e gritar – impactaram severamente a vida do garoto, que concluiu o Ensino Médio, mas não conseguiu prestar o vestibular por conta da condição.
“Uma vez, ele ficou quatro dias seguidos gritando e tendo espasmos, dia e noite. Mesmo tomando medicamentos, ele não conseguia dormir”, conta a mãe de Vítor, Marli Luiz da Silva, em nota enviada à imprensa pelo Hospital INC. “Ele não queria tomar banho nem ver ninguém. Falava o tempo todo que queria morrer, justamente porque essa síndrome traz junto muitos outros ‘gatilhos’, como os sentimentos decorrentes de ser negado a ele o direito da convivência social”.
Implante DBS e o pós-cirúrgico
Após a piora acentuada no quadro durante os últimos três anos, o jovem foi submetido a neurocirurgia para implante do DBS, que atua em áreas específicas do cérebro de forma a reduzir gradativamente a gravidade dos tiques e dar mais qualidade de vida ao paciente.
Vários estudos têm mostrado que o DBS pode ser eficaz em casos nos quais o paciente não responde à terapia comportamental ou aos medicamentos. “O tratamento com neurocirurgia para esta doença é raro. Essa é a segunda cirurgia feita no hospital neste alvo [do cérebro], que é chamado de Globo Pálido Interno, e em uma área mais posterior e medial do Globo Pálido”, explica o neurocirurgião Murilo Meneses, responsável pelo caso de Vitor.
A cirurgia consistiu na implantação de eletrodos em cada lado do cérebro (no circuito cerebral afetado pela doença) e de um gerador no tórax. Essas peças emitem estímulos elétricos que vão sendo regulados e, por isso, mitigam os tiques. Desde 2000, a técnica já é utilizada no Hospital INC para outras doenças, como o Parkinson.
O tratamento deu esperança a Vitor e sua família de que a síndrome pode ser melhor controlada. Cerca de 90 dias depois da cirurgia, a mãe do jovem relata que os resultados já começam a ser vistos: “Ele ainda tem os tiques, mas ocorrem de forma mais espaçada. Ele está mais animado, quer sair de casa, descer do carro e conversar com as pessoas”.
Para Meneses, tudo indica que a cirurgia foi um sucesso. “Logo após o procedimento, o paciente ficou sem tique, mesmo com o aparelho desligado. Isso significa que implantamos o DBS no local exato, aumentando as expectativas de alcançar as melhoras nos sintomas de Vítor”, ele diz.
Esperança para o futuro
Apesar da condição já ser mais conhecida atualmente, muito por conta das redes sociais, a mãe do paciente lembra que ainda existe muito preconceito. “Vitor já foi até expulso de uma panificadora na nossa cidade em função dos tiques, porque as pessoas olham torto e não querem dividir o mesmo espaço com ele”.
Mais comum em meninos e cujos sintomas começam a se instalar ainda na infância e adolescência, a Síndrome de Tourette é de difícil controle e ainda tem causa desconhecida. Os sintomas podem piorar com estresse e estar associados aos sintomas obsessivo-compulsivos (TOC), ao distúrbio de atenção com hiperatividade (TDAH) e aos transtornos de aprendizagem.
Embora menos frequentes, os incômodos mais conhecidos da síndrome são os que envolvem o uso involuntário de palavras (coprolalia) e gestos (copropraxia) obscenos, a formulação de insultos e a repetição de um som, palavra ou frase dita por outra pessoa (ecolalia).
Agora, além de buscar qualidade de vida para o próprio filho, Marli conta que o seu desejo é ajudar outras famílias que convivem com a condição. “Vou continuar levantando essa bandeira, ajudar a divulgar essa síndrome. É triste ver que as famílias não sabem como ajudar, levam em curandeiro e dizem ‘que é espírito’, porque a pessoa anda na rua gritando e falando ‘palavrões’. São tantos que estão trancados no quarto, sem receber um tratamento adequado, porque eles têm vergonha de sair de casa e a família também”, afirma.