“É uma crença comum que os incels são uma comunidade clandestina, removida de plataformas amadas e populares como o TikTok. Nosso estudo demonstra que a ideologia incel também está presente, popularizada e prosperando no TikTok.”, explica Anda Solea, pesquisadora da Escola de Criminologia e Estudos de Justiça Criminal da Universidade de Portsmouth e autoria principal do estudo Integrando o Blackpill: Compreendendo a comunidade Incel no TikTok, publicada no European Journal on Criminal Policy and Research.
"Incel" é um termos usado para definir homens que se indentificam como "involuntary celibates", expressão que pode ser traduzida como "celibatários involuntários". A pesquisadora explica que os Incels consideram-se incapazes de alcançar relacionamentos românticos devido às hierarquias sociais baseadas na aparência, no dinheiro e no status, onde as mulheres exercem o poder. E, por isso, o grupo têm sido associado a diversas ações que espalham o discurso de ódio de gênero e a violência contra as mulheres, tornando-as uma preocupação crescente em termos de segurança.
Segundo comunicado feito a imprensa sobre o estudo, as subculturas online com crenças extremistas utilizam a Internet há décadas para difundir ideologias, contribuindo para o crescimento do discurso de ódio e da violência. Neste sentido, em resposta aos avanços feministas, grupos antifeministas de homens ganharam destaque nos últimos anos e têm sido capazes de promover a masculinidade, a misoginia e a oposição ao feminismo - e, entre esses grupos, os incels têm sido os mais associados à violência.
Mesmo assim, pensava-se que devido as políticas mais rígidas das plataformas sociais mais populares, as visões misóginas e violentas do grupo estavam confinadas a nichos de fóruns masculinos. Por isso, estudos anteriores investigaram o fenômeno em áreas isoladas da web, ignorando sua presença em plataformas de massa. Já a pesquisa da Universidade de Portsmouth, examinou especificamente a subcultura incel no TikTok, uma plataforma que mostrou um aumento no conteúdo misógino e antifeminista. E identificou como os incels adaptam a sua ideologia às plataformas de massa e como influenciam e são influenciados pelo discurso mainstream.
A pesquisa analisou duas contas incel proeminentes e seus respectivos 52 vídeos e 1.657 comentários e identificou, por exemplo, que no TikTok a ideologia incel assume uma forma muito mais sutil, sendo transmitida por meio de apelos emocionais e pseudocientíficos. Também são usadas técnicas de linguagem suficientemente implícita para escapar à moderação de conteúdo, mas suficientemente aparente para ser prejudicial e perpetuar crenças de ódio.
São comuns, por exemplo, a utilização de gráficos, inquéritos e informações falsas e mal interpretadas, muitas vezes baseadas na psicologia evolucionista e no determinismo biológico com o objetivo de “expor a verdadeira natureza das mulheres”. Além disso, é comum o uso de trends (incluindo clipes de TV e memes) para retratar a humilhação e o sofrimento destes homens nas mãos das mulheres, os colocando como vítimas sociais e buscando evocar empatia.
O estudo destaca ainda que as crenças incel se conectam com o sexismo e misoginia presentes de forma estrutural na sociedade. Por isso, os vídeos e seus respectivos comentários são capazes de perpetuar até mesmo ideias que justificam o estupro, como a negação da importância do consentimento, a crença de que as alegações de agressão sexual são ferramentas utilizadas pelas mulheres para processar e discriminar os homens e a denúncia de que o sistema de justiça criminal é cúmplice, atribuindo acusações de agressão sem o devido processo.
A coautora do estudo, Dra. Lisa Sugiura , professora associada de crimes cibernéticos e gênero na Universidade de Portsmouth, afirma: “Essas abordagens sutis e inteligentes visam repercutir em públicos mais amplos, incluindo aqueles que podem não estar familiarizados com as complexidades da ideologia incel. Representam um desafio para os decisores políticos e um perigo real para as mulheres. À medida que o TikTok ganha popularidade, mais precisa ser feito para entender a crescente atividade incel na plataforma.”