Os mitos culinários mais interessantes costumam ter origens obscuras, e nascem como uma descoberta revolucionária, criada por acidente ou por necessidade.
Para a salada Caesar, essa receita clássica é apimentada com uma briga de família e uma invenção espontânea de receita para o dia 4 de julho, data da Independência dos EUA. Só que tudo aconteceu do outro lado da fronteira, no México, durante a época que uma rígida Lei Seca valia no país.
Toda a história se passa na época em que os Estados Unidos proibiram a produção e a venda de álcool, de 1919 a 1933.
Dois irmãos, Caesar (Cesare) e Alex (Alessandro) Cardini, mudaram-se da Itália para os Estados Unidos. Caesar abriu um restaurante na Califórnia em 1919. Na década de 1920, ele abriu um novo empreendimento na cidade fronteiriça mexicana de Tijuana, servindo comida e bebidas alcoólicas para americanos que buscavam contornar a Lei Seca.
A Main Street de Tijuana, lotada de saloons, tornou-se um destino popular para os californianos do sul que buscavam bebida. Ela alegava ter o "bar mais longo do mundo", com 66 metros de comprimento, com dez bartenders e 30 garçonetes.
Necessidade é a mãe da invenção
Em 4 de julho de 1924 , segundo a história, Caesar Cardini estava trabalhando duro na cozinha de seu restaurante, Caesar's Place, lotado de pessoas vindas do outro lado da fronteira que queriam comida e bebida.
Ele se deparou com o pior pesadelo de um chef: ficar sem ingredientes no meio do serviço.
Como os suprimentos para os itens regulares do menu estavam acabando, Caesar decidiu improvisar com o que tinha em mãos.
Ele pegou os ingredientes da despensa e da câmara fria e combinou as folhas menores dos corações de alface romana com um molho feito de ovos cozidos (por um minuto), azeite de oliva , pimenta-do-reino, suco de limão, um pouco de alho e queijo parmesão.
A nova combinação fez um enorme sucesso entre os clientes e se tornou um item regular do menu: a salada Caesar.
E você, Alex?
Há outra versão sobre a origem da famosa salada, feita pelo irmão de Caesar, Alex, em seu restaurante em Tijuana.
Alex afirma que a "inspiração" de Caesar foi, na verdade, um item do menu do seu restaurante, a "salada do aviador ", nomeada porque ele a preparava para revigorar os pilotos americanos depois de uma longa noite de bebedeira.
Sua versão tinha muitos dos mesmos ingredientes, mas era servida com grandes croutons cobertos com purê de anchovas.
Quando o item do menu do Caesar se tornou famoso, Alex afirmou ser o verdadeiro inventor da salada, que agora leva o nome de seu irmão.
Entrem os chefs famosos
Para aumentar a intriga, dois chefs famosos defenderam os lados opostos dessa rixa. Julia Child apoiou Caesar, e Diana Kennedy (não tão famosa, mas conhecida por seus autênticos livros de receitas mexicanas) apoiou a reivindicação de Alex.
Ao entrar na briga, cada um desses pesos pesados da culinária acrescentou credibilidade a diferentes elementos de cada história, e tornou as variações mais populares nos EUA.
Enquanto Child alcançava mais espectadores na imprensa e na televisão, Kennedy tinha influência local, sendo conhecido por promover a culinária regional mexicana.
Embora tenham escolhido versões diferentes, a influência de grandes figuras da mídia contribuiu para a evolução da salada Caesar além de suas origens.
A original não tinha croutons nem anchovas. Como a receita foi codificada em uma versão "oficial", o alho foi incluído na forma de um azeite de oliva. Versões mais novas amassavam anchovas diretamente no molho ou adicionavam molho inglês, que tem anchovas na mistura.
A filha de Caesar, Rosa, sempre sustentou que seu pai foi o inventor original da salada. Ela continuou a comercializar a receita registrada de seu pai após sua morte, em 1954.
No final, ela venceu a batalha pela reivindicação de seu pai como o criador do prato, mas elementos da receita de Alex se tornaram adições populares, que se desviam da versão purista. Então, a influência dele está presente, mesmo que sua contribuição seja menos visível.
Não é preciso ter garfos, mas fazer uma performance
Como se isso não bastasse, ainda existe um hábito que se perdeu no caminho.
A salada Caesar foi originalmente criada para ser comida com as mãos, usando as folhas novas como conchas para os deliciosos ingredientes do molho.
Para ser apresentada em um restaurante, a salada também era montada em frente à mesa dos clientes, em um carrinho com rodas, com alguns recomendando que uma "verdadeira" salada Caesar fosse misturada apenas sete vezes, no sentido horário.
Esse nível extra de drama, performance e ritual geralmente se limitava a sobremesas flamejantes regadas a álcool.
Ter uma humilde salada, inventada em desespero, elevada a esse tipo de tratamento a tornou um prato muito especial — mesmo sem bacon.
*Garritt C. Van Dyk é professor de História na Universidade de New Castle, no Reino Unido. Este artigo foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation.