História

Por Beatriz Herminio, com edição de Luiza Monteiro

O recente confronto na Faixa de Gaza evidencia, mais uma vez, a complexidade da disputa que acontece há décadas nesse enclave palestino situado entre os territórios de Israel e do Egito. Mas engana-se quem pensa que essa é uma guerra religiosa entre judeus e muçulmanos.

A motivação é, acima de tudo, territorial. Localizada entre o Mar Morto e o Mar Mediterrâneo, a cidade de Jerusalém é considerada sagrada tanto para muçulmanos quanto para judeus e cristãos — grupos que viviam na Palestina muito antes da criação do Estado de Israel.

Até o começo do século 20, a região vivia uma espécie de sincretismo religioso, sem grandes embates territoriais. “O conflito passa a ser por terra justamente quando se dá início à colonização judaica da Palestina”, pontua Isabela Agostinelli, doutora em Relações Internacionais e pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

“Lar nacional judeu”

Essa colonização está ligada a um movimento nacionalista sobre o qual também tem se falado muito: o sionismo. Criado na segunda metade do século 19 a partir da identificação de uma necessidade de acabar com a perseguição que os judeus sofriam na Europa, principalmente no Leste Europeu, o sionismo busca a construção de um “lar nacional judeu” no que seria a Terra Santa.

Durante a ocupação otomana da Palestina no século 19, os judeus habitavam esse território, apesar de não representarem a maioria populacional. Mas o fluxo migratório para a região foi mais expressivo no final do século, a partir da compra de terras palestinas pela Organização Sionista Mundial (OSM), fundada em 1897 por Theodor Herzl, considerado pai do sionismo moderno.

Theodor Herzl publicou o livro "O Estado Judeu" em 1896 — Foto: Wikimedia Commons
Theodor Herzl publicou o livro "O Estado Judeu" em 1896 — Foto: Wikimedia Commons

Os sionistas defendem que parte dessa empreitada seria a reconquista de uma terra perdida pelos judeus, que deixaram a Palestina a partir do domínio romano da região, no ano 62 a.C. No entanto, como aponta o historiador israelense Ilan Pappé no livro Dez Mitos Sobre Israel (Editora Tabla), o sionismo não era unânime na comunidade judaica europeia na década de 1880. Inclusive, alguns líderes religiosos acreditavam que o movimento colocava judeus ainda mais em risco no continente.

Segundo Pappé, o rabino alemão Kaufmann Kohler repudiava a ideia de que a Judeia — território que corresponde hoje a regiões entre Israel e Cisjordânia — era o “lar dos judeus”. Na visão de Kohler, essa noção “‘desresidencia' [sic] os judeus por toda a Terra”. Para os sionistas, porém, o lema é: “uma terra sem povo para um povo sem terra”.

Conhecida como Aliyah, a migração judaica para a Palestina cresceu na década de 1920. Nessa época, o território estava sob administração do Mandato Britânico, que dominou a região após a Primeira Guerra Mundial e consequente queda do Império Otomano.

A imigração de judeus da Europa Oriental para o território palestino aconteceu sob os pilares da conquista da terra e do trabalho na Palestina. “Ou seja, a colonização de um espaço que não admitia a convivência com a população nativa que já vivia naquela região havia muito tempo”, analisa Agostinelli.

Imagem de um dos primeiros episódios violentos na Palestina sob o mandato britânico, em 1920, conhecido como “Distúrbios de Nebi Musa” — Foto: Wikimedia Commons
Imagem de um dos primeiros episódios violentos na Palestina sob o mandato britânico, em 1920, conhecido como “Distúrbios de Nebi Musa” — Foto: Wikimedia Commons

Projeto colonial

O sionismo era entendido como um projeto colonial pelos próprios líderes do movimento. Não à toa: esse era um conceito comum no século 19, quando o Império Britânico ainda possuía diversas colônias pelo mundo. “A colonização tinha essa ideia de trazer um progresso, uma civilização, para um espaço e uma população que eram considerados não civilizados”, explica a pesquisadora da PUC-SP.

E foi assim que se deu o que muitos especialistas chamam de “limpeza étnica”. Entendeu-se que, para criar um Estado judeu na Palestina, seria necessário dar um destino às pessoas que estavam naquele território — e é aí que se inicia um debate dentro do próprio sionismo.

Na visão do historiador Arturo Hartmann, doutor em Relações Internacionais e pesquisador da questão palestina, prevaleceu a prática colonialista. Segundo ele, o nacionalismo judaico se apoiou na noção europeia de construção de povos, vista em casos como a unificação da Alemanha, e transferiu essa elaboração política para o território palestino. “É um processo duplo de levar migrantes europeus para a Palestina e enraizar esses migrantes, ou seja, construir uma raiz que não existia ali”, explica.

Nesse processo, o discurso religioso foi utilizado não apenas para justificar o movimento, mas também para renomear cidades e símbolos religiosos com a ocupação. “Se você voltar para a construção do nacionalismo judaico na virada do século 19 para o 20, a maior parte das pessoas que elaboram esse nacionalismo não são religiosamente judias, são cultural e etnicamente judias.”

Faixa de Gaza

O histórico confronto em Gaza é marcado por um embate entre o nacionalismo judaico incorporado pelo sionismo e o nacionalismo palestino — que nada têm a ver com a religião em si. E, em ambos os casos, existem grupos que divergem nos meios pelos quais cada um deve avançar.

Bombardeio israelense no norte da Faixa de Gaza em 18 de outubro de 2023. — Foto: JACK GUEZ/AFP via Getty Images
Bombardeio israelense no norte da Faixa de Gaza em 18 de outubro de 2023. — Foto: JACK GUEZ/AFP via Getty Images

Na visão de Hartmann, o atual conflito entre o grupo Hamas e o Estado de Israel se confunde com a questão religiosa a partir do momento em que eles se autodenominam movimento de resistência islâmica e Estado judeu, respectivamente.

No caso do Hamas, o historiador enxerga que o grupo representa uma reação à fragmentação e desmoralização momentânea da sociedade e da política palestinas — embora não fale por toda aquela população. Nesse processo, aspectos morais podem ser reforçados, como a religião. “Eles querem converter toda a Palestina ao Islamismo? Ou querem libertar a Palestina? São dois aspectos extremamente diferentes”, questiona o especialista.

Em sua carta fundadora de 1988, o Hamas afirma que a Palestina é uma terra islâmica e que “o Movimento de Resistência Islâmica [Hamas] é um elo da corrente da jihad [guerra santa] contra a invasão sionista”. O documento também cita a necessidade de combater os judeus, não fazendo distinção entre judaísmo e sionismo, ressalta Hartmann.

Em 2017, uma nova carta foi criada pelo Hamas para afirmar o sionismo como inimigo. Mas, para além de questões geopolíticas, há aspectos antissemitas nesse embate. “Tem uma questão semântica: os árabes são semitas", frisa Arturo Hartmann. "O antissemitismo não nasceu no Oriente Médio, é uma expressão que nasce na Europa e é ligada diretamente à questão da perseguição aos judeus.”

O dicionário Michaelis de Língua Portuguesa define “semita” como “indivíduo judeu” ou “indivíduo dos semitas, grupo étnico e linguístico que compreende os hebreus, os assírios, os aramaicos, os árabes e os fenícios, que se acredita descendentes de Sem.”

Sem, nas escrituras judaicas, é o nome de um dos filhos de Noé (sim, aquele da arca com animais). O termo “semita”, portanto, passou a ser aplicado a todos os povos que descendem dele.

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