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Por Por Paula Jacob (@pjaycob); Fotos Reprodução/Instagram


Ler teoria feminista é uma tarefa que, principalmente, nós, mulheres, precisamos incluir no hábito de leitura. Por anos as nossas vozes foram (e ainda são) silenciadas e as nossas reivindicações taxadas como radicais ou desnecessárias. Mas, como lutar contra o patriarcado sem se armar de conhecimento científico? A boa notícia é que agora temos uma livraria online com uma curadoria incrível de livros sobre feminismo para você fazer a sua biblioteca particular crescer e as suas referências feministas aumentarem. Idealizada pela Feminisa, 26 – se você ainda não a conhece, vale o follow no @feminisa –, a Livrarista reúne desde clássicos obrigatórios de Angela Davis e Simone de Beauvoir até teorias mais recentes de autoras latinas, como da professora doutora da PUC-SP Carla Cristina Garcia e da pensadora argentina Verónica Gago.

As opções de ficção são restritas aos clássicos. "Nada contra, mas penso que as mulheres precisam adquirir o hábito e o gosto por ler ciência e informação científica", conta Feminisa em entrevista à Glamour. Além da oferta de livros, o site também propõe a troca de conhecimento e apoio via clube do livro e projetos sociais. "A Livrarista não é apenas uma loja virtual, é um espaço coletivo de saber para mulheres, administrado por mulheres e pensado para mulheres", define a criadora. A seguir, confira o nosso bate-papo sobre leitura de livros teóricos:

Livraria online faz curadoria de livros sobre feminismo (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour
Livraria online faz curadoria de livros sobre feminismo (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour

Por que é relevante ser uma livraria feminista?
Quando eu comecei a estudar o pensamento feminista, não tinha nenhuma referência. Em toda livraria que eu entrava procurando novos títulos, só encontrava no máximo cinco opções. Mas, quanto mais conhecimento eu tinha sobre as diversas faces da misoginia, mais eu me sentia protegida para viver sendo mulher, mais me sentia capaz de reconhecer os momentos onde eu deveria dizer "não" ou me defender – com argumentos sólidos e base teórica, é claro. Conforme fui me aprofundando no tema, percebi que por as livrarias comuns não terem nenhum critério político para escolher os títulos, muito conteúdo que eu já havia absorvido tinha viés liberal. O que, na verdade, é um feminismo que tem como único objetivo enganar a nós mulheres, para que pensemos que estamos livres, quando só estamos nos afundando mais ainda na areia movediça da misoginia.

Além disso, também entendi que não tinha lido os livros da "ordem certa", aqueles que explicam coisas mais básicas, com linguagem mais simples, para quem está começando. Outros exigem do leitor uma boa base para compreender o que dizem. Como é o caso de O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. Muita gente acha que ele é o primeiro livro sobre feminismo que devemos ler, quando, na verdade, é um título dificílimo, para quem não tem uma base teórica do feminismo radical, não vai entender nada. Hoje, o feminismo virou uma grande lacração e muitas pessoas esquecem (ou nem sabem) que é um movimento político. O fato de ser uma corrente teórica tão complexa por si sótorna o movimento elitista, mas é preciso reafirmar sempre que o tema exige estudo, principalmente das mulheres que têm o privilégio do acesso à informação. Somente o conhecimento irá de fato nos emancipar.

Como surgiu a ideia do projeto?
Pensando em tudo isso, eu juntei a minha experiência pessoal com tudo que o público vinha me pedindo nos três anos em que trabalho produzindo conteúdo feminista no Instagram. Percebi que as mulheres precisam de um guia, de alguém que lhes diga por onde começar e reúna a maioria dos títulos disponíveis no Brasil sobre o tema, para que elas possam escolher as pautas que querem estudar. A quarentena foi o momento perfeito para executar. Como muito bem disse Silvia Federici: "O ponto zero da revolução é quando não temos mais nada a perder". Como decidi não monetizar meu conteúdo no Instagram, levava paralelamente o trabalho na gestão de comunicação de uma empresa de produtos de limpeza veganos. Quando a crise veio, fui demitida e pensei "é agora".

Livro "Um Feminismo Decolonial", de Françoise Vèrges, é um dos destaques da Livrarista (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour
Livro "Um Feminismo Decolonial", de Françoise Vèrges, é um dos destaques da Livrarista (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour

Como você faz a curadoria dos livros à venda?
É a parte mais difícil. As principais teorias feministas radicais não tem edições brasileiras. O que as editoras produzem são títulos comerciais, que disseminam o feminismo liberal. Diversos títulos contêm, simultaneamente, informações importantes e desserviços sociais. Então, tive que colocar cada um na balança e decidir se deveria vender ou não. Nesse processo, foi importante também confiar nas companheiras militantes para colocar na livraria livros que ainda não li, mas são indicações delas.

Meu principal foco são as mulheres que estão se iniciando nos estudos, por isso, no catálogo têm vários títulos que só apresentam o pensamento feminista, não necessariamente a teoria. O meu maior desafio é ofertar a teoria radical para mulheres que ainda não a conhecem, especialmente em tempos de morte da verdade. Existe muita desinformação e mentira sendo falada sobre o feminismo radical na internet, o que faz com que muitas mulheres se recusem a estudar a teoria por puro preconceito. Por isso, me mantenho aberta a dialogar com quem ainda não entendeu o que são as vertentes, metodologias e epistemologias do feminismo.


O que o clube do livro acrescenta nessa proposta?
Recebia muitos feedbacks no Instagram de mulheres, mesmo dispostas, ainda sem entender o que estavam lendo – muito por aquela coisa que eu mencionei antes, de ler na "ordem errada". O objetivo do clube, portanto, é fazer essa leitura de forma coletiva e na "ordem certa", para que a gente possa ir discutindo ponto por ponto, dividindo material de apoio e, assim, fazer com que todo mundo consiga compreender a mensagem de cada livro. Um segundo objetivo é unir mulheres pela sede de conhecimento. Sair um pouco desse ambiente de feminismo de internet, que só nos apresenta posts com frases lacradoras, e entrar num ambiente de "coletivo feminista", no qual as mulheres realmente estejam dispostas a trocar experiências, enxergar a opressão e entender ela através do estudo. No clube, também temos vagas sociais, para mulheres com renda até R$1.500 ou mães solo.


Como é a relação com as editoras?
Eu não tinha a menor ideia de como funcionava a logística de uma livraria, até decidir abrir a minha. Com as editoras independentes, tenho uma relação mais próxima e consigo condições melhores, como a consignação. As editoras maiores não dão nenhum tipo de acesso à livreiros pequenos, então compro de distribuidoras. Muita gente não sabe, mas livros são produtos com preço tabelado. Eles têm um valor de tabela e o livreiro tem X% de desconto em cada título. É um produto com margem de lucro muito pequena, se sustenta só quem vende em grande volume. Por isso, é muito difícil concorrer com livrarias grandes que, muitas vezes, vendem abaixo do valor de tabela e têm lucro muito pequeno por item vendido. Com isso, tenho que investir cada centavo que tenho em estoque e vender a maioria dos livros no site sob encomenda. Isso acaba aumentando meu prazo de entrega e faz com que muitas pessoas usem a minha curadoria, mas acabem comprando na Amazon.

Falando em Amazon, ela é outra grande questão. Quando comecei a contatar editoras e distribuidoras, notei que o preço de vários livros no atacado é mais alto do que o valor pelo qual ele é vendido ao consumidor final no e-commerce. Pesquisando, descobri que a empresa exige que para as editoras poderem vender pela plataforma, elas não podem vender para ninguém a um valor menor do que vendem para eles. As editoras acabam aceitando o termo, até pela crise do mercado editorial, e, com isso, as livrarias não têm como competir. A forma que encontrei de driblar isso foi entregar um serviço de qualidade. A Livrarista não é apenas uma loja virtual, é um espaço coletivo de saber para mulheres, administrado por mulheres e pensado para mulheres.

Temos diversos projetos sociais e oferecemos outros serviços para conseguirmos nos manter. É importante a gente falar que quando uma editora precisa vender os livros a um valor menor do que o valor estipulado para o atacado, esse valor que o cliente economiza está saindo do bolso das pessoas envolvidas (autores, editores) e não do bolso do homem mais rico do mundo. E, se o feminismo é anticapitalista, é contraproducente comprar livros feministas de homens brancos bilionários.

Para quem comprar seus livros na Livrarista, a Feminisa criou o Banco Livrarista, uma doação que cada cliente pode fazer pelo site, escolhendo entre quatro opções de valores: R$5, R$10, R$20 ou R$50. Com esse dinheiro, a livreira consegue pagar livro e frete para mulheres que não têm condições financeiras de comprar e se inscrevem no programa pelo site. "Foi a solução que encontrei para democratizar o acesso à esse conhecimento. De início pensei que ninguém iria contribuir, especialmente nessa crise da pandemia, mas muitas clientes estão doando", conta ela. Para o futuro, há também planos de doar estantes completas para bibliotecas públicas e ONGs que protegem mulheres sobreviventes de violência doméstica e/ou sexual. Bora lá crescer a nossa biblioteca feminista?

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