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Por Por Josh Smith**; Tradução Amanda Neves; Foto Getty Images


No sábado, 29 de fevereiro, eu e meus quatro amigos estávamos em uma festa. Apesar do coronavírus já estar se mostrando um problema internacional, sentimos que essa ainda não era uma realidade na Itália. Estávamos despreocupados, bebendo e fazendo o que sempre fazemos juntos: nos divertindo. Eu tinha acabado de voltar de férias, passei uns dias esquiando, e estava começando um novo trabalho em um novo escritório.

Sobrevivente do coronavírus abre o jogo sobre como é combater o vírus e lidar com o estigma social (Foto: Getty Images) — Foto: Glamour
Sobrevivente do coronavírus abre o jogo sobre como é combater o vírus e lidar com o estigma social (Foto: Getty Images) — Foto: Glamour

A situação no país começou a piorar assim que eu saí de férias e fui viajar. Nos cinco dias em que estive fora, a doença pareceu explodir. Na volta para casa, ainda não conseguia imaginar que o coronavírus contaminasse algum conhecido meu, ou que fosse se manifestar de forma tão rápida.

Tirando a inevitável ressaca do dia seguinte à festa, me senti bem. Mas, na terça-feira, na hora do almoço, uma dor terrível me tomou enquanto estava no trabalho. Às três da tarde, fiquei muito tonta. Lembro do momento exato, porque foi quando recebi uma mensagem da minha melhor amiga, Julia, que me visitou naquele fim de semana, dizendo que ela também ficou doente e estava sendo testada no hospital. Na festa, estávamos com dois outros amigos que nos descreveram o mesmo mal-estar via grupo do WhatsApp.

Até esse ponto, a pandemia estava apenas começando, e ainda não tínhamos percebido o grau de seriedade dela. Afinal, o governo, a mídia e todos ao meu redor nos diziam: "Se você é jovem, ela será como uma gripe leve”.

Meu novo escritório tem 400 funcionários, portanto, há muito contato humano durante o dia. É por isso que, quando vi a mensagem da minha amiga, pensei: 'Caramba, estou com coronavírus e vou infectar todo mundo!'. Levantei-me da minha mesa e, pela primeira vez na minha vida, desmaiei. Meus colegas de trabalho me socorreram no chão. Enquanto eu entrava em pânico por estar com o coronavírus, eles me tranquilizavam dizendo: "Relaxe, você não testará positivo, não se preocupe". Mesmo assim, peguei um taxi e fui ao hospital. Enlouqueci ao longo de todo o caminho, analisando mentalmente os cenários do que poderia acontecer se eu fosse diagnosticada.

Quando cheguei ao hospital, eles me perguntaram sobre os meus sintomas, dos quais imediatamente correlacionaram com os sintomas do coronavírus. A mulher atrás da mesa da recepção olhou para mim com os olhos arregalados. Fui encaminhada ao clínico geral e ele tentou acender uma lanterna dentro da minha garganta, mas, de forma cômica, ficou parado a alguns metros de mim. Foi ridículo. Como ele conseguia ver minha garganta de tão longe?

O médico examinou meus sinais vitais (temperatura, pressão sanguínea e batimento cardíaco) e, durante todo o processo, ele se mostrou bastante calmo. Para terminar, ainda me disse para ir direto para casa, ficar isolada, manter-se hidratada, comer saudavelmente, tomar vitaminas e dormir o máximo possível. Nenhum teste formal foi realizado e, para ser sincera, acho que pensaram que eu estava exagerando ou sendo hipocondríaca. Eles não me disseram para voltar lá, apenas para ir para casa.

Meu chefe ficou igualmente calmo e disse: "Obviamente não precisa vir ao escritório, você tem que descansar e cuidar de si mesma". Fiquei me sentindo muito envergonhada, e um pouco em pânico. Pensava: “Isso não pode ser verdade. Estou mesmo com coronavírus?”

Peguei um táxi de volta ao meu apartamento, que divido com duas pessoas. Disse a elas que estava realmente doente, entrando em isolamento e, felizmente, elas não surtaram nadinha, deram um enorme apoio, oferecendo ajuda da maneira que podiam.

Naquela noite, fiquei completamente ensopada de suor com febre alta e calafrios. Meu corpo estava doendo muito. Foi doloroso sair da cama, foi doloroso reunir forças para ir ao banheiro e tive uma dor de cabeça contínua e incansável. Tudo o que eu conseguia fazer era ficar deitada na cama, beber água e dormir o dia inteiro. Não sentia muito apetite, mas comia mesmo sem vontade e sabendo que meu corpo precisava de nutrientes. Comia principalmente coisas salgadas, como sopas, arroz com molho de tomate ou apenas as coisas mais simples e amenas que eu conseguia pensar. A certa altura, lembro-me de tentar comer uma pizza e depois me sentir péssima, já que o corpo estava clamando por uma nutrição adequada.

Enquanto me isolava no meu quarto, tive que ser cautelosa ao me locomover para os espaços comuns. Minhas duas colegas de quarto fizeram o possível para cuidar de mim, sempre perguntando se eu precisava de alguma coisa e foram comprar comida e paracetamol. Eu ainda cozinhei para mim, lavando continuamente minhas mãos e roupa de cama. Passava o aspirador, varria todos os pisos, esterilizava as maçanetas das portas e as torneiras das pias com spray antibacteriano várias vezes ao dia para ajudar a proteger as outras pessoas na minha casa.


As pessoas me perguntam o que fiz em mim mesma durante esse período. Soube que minha melhor amiga estava passando pela mesma coisa ao mesmo tempo, então não me senti sozinha. Mas nos dois primeiros dias meus olhos doíam tanto que eu não conseguia olhar para a tela do celular ou falar com alguém. Senti como se estivesse morrendo. Eu só dormia e olhava para o teto. No quarto dia que me senti bem o suficiente para assistir um pouco de Netflix, ler e enviar mensagens aos amigos novamente.

Embora eu estivesse melhorando, mesmo que lentamente, eu ainda não me sentia bem, então retornei ao médico. Por fim, quando checaram meus sinais vitais novamente, confirmaram que eu estava com coronavírus. Também me disseram que só tinha permissão para sair do isolamento após sete dias. Disse isso ao meu chefe e ele ficou sabendo que era seguro o fato de eu voltar ao trabalho, embora agora todos estejam instruídos a trabalhar em casa.

Retornar ao mundo exterior na terça-feira seguinte foi assustador. Tinha acabado de parar de me sentir tonta no dia anterior. Não tinha certeza se eu teria energia para encarar um dia inteiro, mas, surpreendentemente, estava tudo bem. Na quarta-feira eu joguei netball com o meu time do bairro novamente. Acho que ser jovem, em forma e saudável, me permitiu ter essa recuperação tão rápida. Ainda me preocupo com o contato entre as pessoas e em ser responsável por infectá-las. Há muitos conselhos conflitantes.

O que nunca poderia imaginar é a suspeita que senti dos colegas após voltar ao trabalho. Eu me senti julgada por aqueles ao meu redor. Eles me olhavam desconfiados e questionavam minha condição física ao longo do dia. Fiquei tão consciente das pessoas me vigiando e observando, que tomei muito cuidado ao tossir ou espirrar para evitar deixá-las ainda mais paranóicas. Parte do estigma em relação a ter esta doença envolve querer continuar sendo anônima nesta matéria, porque estou preocupada com a forma como as pessoas irão me julgar.

 (Foto: Getty Images ) — Foto: Glamour
(Foto: Getty Images ) — Foto: Glamour

Agora consigo dizer honestamente que me sinto forte de novo, mas ainda fico cansada mais fácil do que o normal. Os médicos que voltei a contatar estão me dizendo para continuar isolada o máximo possível, evitar o álcool, continuar hidratada e descansar com frequência.

Se eu pudesse voltar no tempo e me aconselhar naquele fim de semana antes de sair e possivelmente pegar o vírus, diria para ficar em casa o máximo possível. Também diria para me manter saudável, comer coisas saudáveis, cuidar de mim mesma e lavar as mãos regularmente. Crucialmente, também diria para manter a mente o mais em forma possível, porque você precisará de sua saúde mental e física.

Ao passar por tudo isso, aprendi que todos precisamos ter mais consciência sobre a maneira como tratamos a nós mesmos, mas também os outros. Esse momento revela verdadeiramente quem são as pessoas – tanto as que fazem estoques e acúmulos desnecessários ou aquelas que estigmatizam os doentes e não apoiam os amigos que pegaram a doença. Precisamos nos aproximar e nos apoiar. Em tempos difíceis, é importante refletir e perceber quem realmente está ao seu lado. Precisamos manter o equilíbrio e pensar naquilo que é realmente importante na vida. Espero que essas lições durem mesmo após o coronavírus, esperançosamente, desaparecer de vista.

*Nomes e detalhes deste relato foram alterados para proteger a identidade da pessoa

** Este relato foi originalmente publicado na Glamour UK

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