Anitta surpreendeu os seguidores ao fazer uma nova tatuagem. Dessa vez, sobre constelação familiar. Nas redes sociais, a cantora mostrou o desenho e falou sobre como a técnica alternativa tem melhorado sua vida.
“Essa tatuagem que fiz ontem é como se fosse o símbolo da constelação familiar, que é uma terapia que tem me ajudado muito na vida, a ser mais feliz, a viver com mais plenitude, a entender coisas da vida que, às vezes, fica difícil de entender". Anitta revelou saber que nem todos gostam da prática, mas continuou: "Vai de cada um né, gente? Tem coisa que é bom para um e não é bom para o outro".
Ela ainda detalhou o desenho: "É o seguinte, nesse símbolo, como se fosse uma árvore genealógica, sou eu no meio, o bonequinho com o coração que significa que eu tenho sempre a força do amor dentro de mim, e aí de um lado fica o pai, do outro a mãe, e as estrelinhas significam a constelação familiar, os outros integrantes da família. E também o outro significado pode ser, quando você faz a constelação e encontra gemelares, que são irmãos que você teoricamente era para ter a acabou não tendo, pelo destino mesmo. E quando você integra essas almas e essas pessoas no seu coração, você vive uma vida mais completa, plena, que é o que eu tenho vivido ultimamente: muita felicidade, muita tranquilidade. Você confia no universo, no destino… Essa tatuagem significa isso para mim", finalizou.
Essa não é a primeira vez que Anitta fala sobre constelação familiar. Em outros momentos, ela chegou até mesmo a ser criticada. Em entrevista com Marie Claire, a cantora falou sobre o seu processo de autoconhecimento. "Fiz leitura de design humano. É uma prática que decifra seu perfil pessoal. Se você é manifestador, gerador, projetor, refletor. Eu sou manifestadora da mais alta potência [risos]. A profissional me disse que meu maior desafio é entender que escolhi um caminho que ninguém fez. Não vou conseguir o apoio das pessoas para algo que elas nem sabem que é possível. É uma trajetória solitária. Preciso me lembrar sempre do meu propósito, manter minha crença em mim mesma", comentou, na época, sobre outro tipo de técnica.
Mas, afinal, o que é constelação familiar?
Idealizada nos anos 1980 pelo alemão Bert Hellinger, a constelação familiar é uma técnica alternativa para resolução de conflitos. O foco central está na família, como o nome já diz, onde cenas familiares são recriadas com dinâmicas nas quais pessoas convidadas representam os implicados em algum conflito, e podem envolver antepassados de várias gerações.
Em matéria feita por Marie Claire, foi informado que "apesar de não reconhecida pelos conselhos federais de psicologia e de medicina, a técnica é aplicada no Judiciário brasileiro há mais de dez anos, sobretudo no Direito de Família, como forma de alcançar acordos e diminuir a pilha de processos acumulados no sistema". Especialistas consultados pela reportagem desconhecem outro país que faça o mesmo.
O método, no entanto, é cada vez mais criticado por profissionais das áreas do direito, da psicologia e da medicina – principalmente pelos impactos nas mulheres. Vale lembrar que, além da ausência de evidências científicas que comprovem sua eficácia, o Conselho Federal de Psicologia sustenta, em nota técnica emitida em março, que o método não atende a parâmetros éticos e critérios básicos de um serviço terapêutico, como diagnóstico, supervisão e confidencialidade.
‘Fui orientada a ajoelhar diante do meu ex-marido e pedir perdão’
Em história publicada por Marie Claire, em dezembro de 2023, *Márcia, psicóloga de São Paulo, conta que foi intimada a fazer parte de uma sessão pela juíza do caso que decidiria a guarda de seu filho entre ela e o ex-marido.
O processo judicial de Márcia, relatado no início desta reportagem, começou quando denunciou o ex-marido por abuso sexual do filho, então com 3 anos. Logo em seguida, na Vara de Família, foi processada por praticar alienação parental – quando um genitor age para afastar o outro do convívio com o filho. A psicóloga também foi acusada de sofrer de esquizofrenia paranoide, o que a teria feito fantasiar o episódio, levando ao arquivamento do inquérito contra o ex-marido.
Márcia então foi intimada pela juíza do caso a participar de uma constelação familiar, antes da audiência sobre o pedido de guarda do filho. Na sessão, relata que o constelador concluiu que um antepassado dela teria cometido um abuso sexual e por isso denunciava falsamente o ex-marido naquele momento.
Na dinâmica também havia um representante para o filho, que, segundo a psicóloga, ficava isolado num canto da sala, dizendo não querer se aproximar de Márcia. “Falei que eles eram um bando de malucos. ‘Quem disse que esse cara é meu filho? De onde vocês tiraram isso?’”, questionou. Ao fim da sessão, conta que foi orientada a se ajoelhar diante do ex-marido e pedir perdão. “Na hora fiquei descontrolada e me recusei. Usaram isso contra mim, para dizer que não consigo aceitar regras, leis, e reforçar as acusações de que sou louca”, relata.
Márcia perdeu a guarda do filho, na época com 5 anos, e não pôde ter qualquer contato com ele desde então. Por decisão judicial, foi impedida de realizar visitas até “se submeter aos tratamentos e apresentar uma condição psicológica mais adequada para a convivência com o menor”. Em 2021, foi autorizada a encontrar o filho quinzenalmente no Centro de Visitação Assistida do Tribunal de Justiça durante três meses, mas foi informada por um profissional do local que a criança não quis ver a mãe em nenhuma dessas oportunidades.
A Defensoria Pública da União chegou a levar o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que, em 2022, apontou a responsabilidade do Estado brasileiro pelas diversas violações aos direitos humanos das vítimas – mas a decisão nunca foi revertida. Márcia também criou uma ONG para ajudar mães na mesma situação.
Para a cientista política Elizabete Pellegrini, o boom das constelações no Brasil está associado à ascensão do conservadorismo no país, a partir de 2014. A pesquisadora afirma que a expansão do método no Judiciário é uma reação jurídica ao fortalecimento recente de pautas de grupos historicamente excluídos, como as mulheres, os negros e os LGBTQIAP+.
Atividades de constelação familiar são realizadas em pelo menos 11 Tribunais de Justiça do país, segundo dados reunidos pela juíza Keylla Ranyere Procópio, do TJ do Piauí. O CNJ não tem um levantamento oficial. Há também comissões de direito sistêmico no conselho federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e em 17 OABs estaduais.
“É uma resposta à Lei Maria da Penha, à permissão para que casais homoafetivos tenham os mesmos direitos, ao fortalecimento dos direitos civis da comunidade trans”, considera Pellegrini, que estuda o uso da constelação familiar em casos de violência doméstica em sua tese de doutorado na Universidade Estadual de Campinas. “A constelação diz que tem que seguir a ‘ordem natural’ para que você não seja doente e tenha sucesso financeiro. A suposta ordem é a heterossexualidade, o não cometimento de abortos, e por aí vai.”
A Associação Brasileira de Consteladores (ABC) já se manifestou acerca de polêmicas sobre a técnica. Sobre a ausência de critérios de um serviço terapêutico, a advogada Kellen Carneiro de Medeiros argumenta que a constelação familiar “não se confunde com psicologia e, ainda que venha de uma trajetória do pensamento sistêmico, é um método de observação das dinâmicas que regem os comportamentos e relacionamentos, faz parte de uma experiência única, uma vivência prática que pode trazer efeitos terapêuticos”.