Cármen Lúcia: ‘Falta de regulamentação de IA e redes sociais são maiores desafios das democracias’

“Desde 2012 [quando presidiu o TSE pela primeira vez] acabou o mundo e começou outro. Era outra eleição, outro Brasil, outra experiência. As tecnologias mudaram as formas de viver, de conviver, de afastar as pessoas, de conduzir e tentar algemar as liberdades. O desafio é esse: nada é mais grave do que a questão das tecnologias, as desinformações – que nada mais é do que criar mentiras”, afirmou em entrevista a Maria Rita Alonso, diretora de Marie Claire Brasil.

A ministra afirma que tem tido cuidado ao emitir resoluções sobre o tema, com foco nas eleições municipais que ocorrem esse ano. Ela afirmou que é dever legal do TSE estabelecer normas a partir de leis para garantir “um processo eleitoral democrático”.

“Hoje, todos os comitês e órgãos institucionais e internacionais, todos preocupados. Não há tema mais preocupante por causa das liberdades que podem ser restringidas e até acanhadas, ao ponto de esvaziadas, do que essa questão da ausência de normas nesta matéria de Inteligência Artificial. Não só, mas do uso e abuso das tecnologias.”

A ministra voltou a defender que haja a regularização das redes sociais. Neste ano, o projeto de lei nº 2630/20, apelidado de PL das Fake News, chegou a ganhar foco no Congresso, mas teve tramitação paralisada após impasses no texto.

“Regulamentar as redes sociais é imprescindível. Isso não quer dizer, de forma alguma, a captura da liberdade de expressão. Isso é preciso até para que comecemos a saber o que é isso”, disse a ministra.

Ela continuou a afirmar que uma das grandes desinformações é de que restringir o abuso das plataformas e tecnologias seria uma maneira de censura. Pessoas da sociedade civil e parlamentares contrários à lei chegaram a apelidar o projeto de PL da Censura.

“Censura é proibido e ponto. Uma expressão como manifestação da liberdade está garantida nos textos constitucionais e convenções internacionais. A expressão como instrumento de crime é e sempre foi um ilícito de injúria, calúnia e difamação. Nunca ninguém falou que isso era contra a liberdade de expressão.”

A ministra ainda rebateu comentários que apontam que o STF vem sendo usado por ministros para atacar a liberdade de expressão. “Já pensou se não tivesse o STF? É só tirar e ver se funciona”, afirmou.

“Sou de uma geração quase centenária que soube o que é não ter liberdade, de ter que fazer prova de direito constitucional com o Congresso Nacional fechado. A gente é livre sob uma constituição que assegura direitos, e em que há um juiz para garantir a aplicação dos direitos que conquistamos até aqui. Se não, nós voltaríamos a uma situação de caos. Ou seja, vão sobreviver os mais fortes física, psicológica e economicamente. É voltar à barbárie.”

Atualmente, Cármen Lúcia é a única mulher a integrar o Supremo Tribunal Federal. Ela defendeu abertamente a indicação de uma jurista negra para a vaga aberta após a aposentadoria da ministra Rosa Weber, em setembro de 2023. No entanto, foi escolhido o ministro Flávio Dino.

A ministra foi questionada se havia alguma diferença de quando atuava ao lado das ministras Ellen Gracie – a primeira a chegar ao STF, em 1973 – e Weber. “Claro. E temos juristas e advogadas super competentes e habilitadas para o cargo. Acho também que é um recado, especialmente, para a comunidade jurídica no Brasil que é muito conservadora, em grande parte machista.”

A ministra afirma, por exemplo, que além das poucas ministras que chegaram no STF, até hoje não houve uma presidente mulher à frente da Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB). Além disso, das 27 seccionais do país, só há cinco presidentes mulheres, e apenas uma mulher foi Procuradora Geral da República no Ministério Público – Raquel Dodge.

“A comunidade jurídica é muito fechada, também, porque os homens têm um jeito de circular mais e se conhecer. Não sou contra os tais clubes do charuto, nós é que devíamos criar o clube do perfume. Os homens formam redes de comunicação, e nós, mulheres, não temos isso”, afirma a ministra.

“Nessa altura da vida não quero mais falar de igualdade, mas de igualação. Não somos as mesmas no querer, mas igualmente livres naquilo que é da dignidade de todas”

O principal encontro de líderes mulheres do Brasil, o Power Trip Summit, promovido por Marie Claire com patrocínio master do Banco do Brasil, patrocínio de L’Oréal Paris, Vivo e Dove, apoio do Magalu, Musquée, Mastercard, Liftera e MSD, parceria educacional da MUST University, apoio institucional do Instituto Inhotim, participações de Oshadi e Dior e parceria editorial da Pantys. Foi realizado nos dias 26, 27 e 28 de maio, no Hotel Fasano Belo Horizonte, em Minas Gerais.

Em sua 10ª edição, o evento aborda o tema “Visionárias” e reuniu na plateia executivas, CEOS e líderes da sociedade civil nos campos dos negócios, cultura, beleza, moda, política, ciência e tecnologia. O Instituto Inhotim, sede de um dos mais importantes acervos de arte contemporânea do Brasil e o maior museu a céu aberto do mundo, foi parte da agenda.