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Por — Do Rio


Zeina Latif: “O que não dá é para ficar liberando o recurso sem ter contrapartida de nada, sem projeto bem desenhado do que será feito quando a água baixar” — Foto: Rogerio Vieira/Valor
Zeina Latif: “O que não dá é para ficar liberando o recurso sem ter contrapartida de nada, sem projeto bem desenhado do que será feito quando a água baixar” — Foto: Rogerio Vieira/Valor

Consultora econômica da Gibraltar Consulting, Zeina Latif defende um “trabalho com cuidado e zelo” do governo na liberação de recursos para a tragédia no Rio Grande do Sul diante da situação fiscal do país. A economista reforça que não há quaisquer questionamentos sobre a necessidade de socorro para a região, mas diz que há nuances e que o governo federal deve ter um planejamento sério para definir até onde vai no socorro e evitar brechas que possam comprometer a agenda fiscal.

Ao fazer um paralelo com a situação na pandemia, em 2020, afirma que o ponto de partida do quadro fiscal hoje é pior que o da época, quando havia a regra do teto fiscal e certa complacência do mercado com o excesso de gastos para enfrentar a crise sanitária.

“Não vai ter saída fácil para soluções de longo prazo. O governo precisa estabelecer até onde pode ir no socorro. Como há risco de mais eventos climáticos como esse, aumenta ainda mais a necessidade desse zelo”, diz.

Latif também é a favor da participação do governo do Rio Grande do Sul no financiamento das despesas, especialmente na fase posterior, de reconstrução de infraestrutura, e do setor privado, com foco numa agenda mais ampla de adaptação às mudanças climáticas.

Sobre a possibilidade de pagamento de auxílio emergencial à população do Rio Grande do Sul, em estudo pelo governo, a economista destaca a importância de um esforço de focalização nos grupos realmente vulneráveis, para evitar os problemas observados na pandemia, e de a iniciativa ter prazo curto, apenas para as necessidades iniciais. Além disso, acredita que governo gaúcho e prefeituras devem comandar a identificação do público alvo. A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: Como articular hoje a necessidade de reconstrução do Rio Grande do Sul e de prevenção a novas catástrofes ambientais com a situação fiscal do Brasil?

Zeina Latif: É claro que não tem nem o que questionar sobre a necessidade de socorro para o Rio Grande do Sul, isso é óbvio. Mas há nuances. Fazendo um paralelo com a situação da pandemia, o ponto de partida já não é bom. Lá atrás, ainda tinha a força da regra do teto fiscal, que era uma regra muito boa, consistente, com credibilidade naquele momento. Era um patamar melhor dos números das contas públicas, da credibilidade do governo e da regra fiscal. Hoje vemos um movimento lento, mas que já se percebe, de erosão de credibilidade na agenda fiscal. Antes eram mais os economistas que viam problemas no arcabouço, mas esta é uma preocupação cada vez mais presente no mercado, que compreende as limitações do desenho do arcabouço fiscal, da capacidade de o ministro [Fernando Haddad] entregar suas metas... Isso está presente mesmo na formação de preços. Há uma sequência de notícias que vão na linha de enfraquecer o regime fiscal, de derrotas, de vetos, de iniciativas... E aí veio a mudança da meta fiscal, que não resolveu o problema: ela continua pouco crível. As metas atuais ainda têm um problema de baixa credibilidade e fica a sensação de que em breve haverá outra mudança, para 2024. A outra coisa é que lá atrás houve uma certa complacência em relação aos excessos de gastos do governo com a pandemia. Houve excesso de gastos, e não é à toa que inflação voltou mais rápido no Brasil. Só que naquele momento foi um susto e o mercado foi complacente. A dinâmica é outra hoje, então vejo como um fator de risco. A volatilidade já aumentou, as expectativas inflacionárias melhoraram para o curto prazo, mas pioraram para o médio, tem transição no comando do Banco Central, tem muito ruído... Por isso, acho que exigiria muito mais cuidado do governo.

Valor: De que forma?

Latif: Na hora de liberar recursos, é preciso muito cuidado com concessões, de ampliar muito o leque e de não abrir precedentes. Teremos mais eventos climáticos assim, lamentavelmente. Essa realidade veio para ficar. Então é preciso muito mais cuidado agora com brechas para ampliar gastos e ajudas. É preciso monitorar muito para evitar o risco de esses gastos se expandirem demais... Já vimos alguma movimentação do Congresso Nacional nesse sentido e pode haver pressões. Essa questão de colocar o controle de gastos no debate da política é essencial até para contrabalançar, inclusive, o risco de excesso nos gastos, que existe.

Valor: E como financiar?

Latif: O Brasil precisa se inserir no debate da preparação para a economia verde e para os eventos climáticos, em termos de financiamento. O que precisa ser feito? Construir diques? Tirar pessoas de áreas de risco? Tudo custa. Não vejo condições de o setor público bancar isso sozinho. De alguma forma precisa ter uma conjunção com o setor privado. A discussão lá fora está centrada em duas coisas. Primeiro, uma ação no âmbito das contas públicas para ter um mínimo de margem para lidar com esses eventos e a própria transição para a economia verde. Do lado fiscal, são necessários esforços para dar alguma musculatura para se reagir nessas horas sem maiores consequências. A outra questão é como traçar alternativas, desenhos para trazer o setor privado para participar desses financiamentos. E pelo que vejo ainda estamos distantes nisso. E nosso ponto de partida na situação fiscal é pior que o de outros países e eu vejo isso com preocupação.

Valor: Vê diferenças na abordagem, de acordo com a ajuda?

Latif: Uma coisa é transferir recursos para socorrer pessoas, garantir que elas vão se alimentar, que vão ter saúde. Mas para as cidades se prepararem, para o trabalho de reconstrução e para investimentos é preciso ter algum outro desenho, algum tipo de linha especial de financiamento... Não dá para ser só o governo federal. Na agenda de infraestrutura, na minha opinião, precisa ter o esforço do Rio Grande do Sul, dos municípios e alguma participação do setor privado. Será preciso reconstruir infraestrutura das cidades, casas para as pessoas... E o governo federal não tem recursos para simplesmente fazer transferências nem talvez não seja a coisa mais sábia. É preciso um esforço do governo estadual também, precisa ser uma coisa a várias mãos. O setor público tem que fazer sua parte e pensar em mecanismos para trazer o setor privado para a reconstrução ampla. E não pode ser via aumento de carga tributária. A gente foi fazendo escolhas de gastar mais, de tributar mais... Aí, quando vem um evento como esse, é muito mais difícil, né?

Do lado fiscal, são necessários esforços para dar alguma musculatura para se reagir nessas horas sem maiores consequências”

Valor: O que o contexto atual traz de reflexão para a política fiscal?

Latif: A situação atual reforça a necessidade de se fazer uma boa gestão para, nos momentos de crise, ter mais musculatura para agir. Isso precisa ser construído com ajuste fiscal. Hoje, do jeito que foi desenhado o arcabouço, e com todas as vinculações, de saúde, educação, a regra do salário mínimo.... Não tem carga tributária que dê conta. Como Marcos Lisboa e Marcos Mendes já destacaram, há inconsistências internas. O arcabouço estabelece um teto para crescimento real das despesas em 2,5% ao ano, mas ao mesmo tempo há as regras de vinculações e de ajuste do salário mínimo. São regras que aumentam a rigidez do gasto e o ritmo automático de crescimento. E qualquer aumento de arrecadação realimenta isso. A conta não fecha. E isso aumenta a urgência de se discutir medidas para o lado das despesas. O grande desafio do Haddad é colocar no debate político a agenda de reformas para contenção do crescimento de gastos. A agenda de economia verde e de mitigação das mudanças climáticas aumenta o desafio. Não será possível criar novos impostos, como foi a CPMF para a saúde no passado, para lidar com esses gastos.

Valor: Nesse contexto, como financiar a situação do Rio Grande do Sul e a agenda verde e de mudanças climáticas?

Latif: É necessário um planejamento muito sério em relação a isso, um comitê de crise para discutir cada ponto, até onde o governo federal pode ir e esses desenhos para o longo prazo. Vai ser dinheiro do BNDES? De organismos internacionais? Com aval do Tesouro? Haverá flexibilização de alguma regra para endividamento do Rio Grande do Sul, que já está em recuperação? Como pode atrair o setor privado? Tem que estudar cada detalhe. Quanto mais bem feito for isso, quanto mais estruturado e bem definido, maior vai ser a tolerância dos investidores. Seria uma avaliação de que é preciso alguma paciência, de que vai ter alguma piora de algum indicador, mas, por outro lado, tem um plano bem desenhado para lidar com essa situação. O que não dá é para ficar liberando o recurso sem ter contrapartida de nada, sem projeto bem desenhado do que será feito quando a água baixar e tiver que lidar com a dura realidade. Não vejo como escapar de agenda mais cuidadosa da questão fiscal. Não vai ter saída fácil para soluções de longo prazo. O governo precisa estabelecer até onde pode ir no socorro. Como há risco de mais eventos climáticos como esse, aumenta ainda mais a necessidade desse zelo.

Valor: Quão importante é a discussão desse limite?

Latif: A questão é sempre delimitar até onde ir, onde tem que ter participação do poder público, onde não tem... A gente precisa logo ter essa conversa. O que vou falar pode ser um pouco duro, mas é até uma forma de a sociedade entender que há decisões que precisam ser tomadas e têm um preço. E tem até um lado didático. O governo federal vai simplesmente emitir mais dívida e gastar? Mas aí que tipo de disciplina vai impor ao governo local? Por que vai se esforçar para fazer ajustes nas suas finanças e outros arranjos se o governo federal está socorrendo tudo? Existe um problema que é a reconstrução. E tem que negociar, não pode ser tudo o governo federal. Senão outros Estados podem falar: eu também estou precisando aqui. É muito importante que o próprio Rio Grande do Sul tenha sua participação nisso. Senão não existe incentivo para governos fazerem boa gestão. É preciso que cada ente da federação participe e isso seja colocado para a sociedade. Até onde pode ir, de que forma.... Não é simplesmente enviar o cheque de Brasília. A gente entende a situação, não pode ser insensível, mas não dá para ser uma saída única de transferência de recursos do governo federal.

Valor: A senhora falou sobre a participação do setor privado no financiamento dessa agenda. Como seria?

Latif: A participação do setor privado nessa agenda precisa ser mais estudada. Cada situação é diferente. Uma estrada destruída, por exemplo. No caso de uma concessão, o contrato pode ser revisto. Em que situações as Parcerias Público-Privadas (PPPs) podem ser uma opção? Será preciso refazer bairros ou cidades inteiras. O que dá para fazer em termos de política habitacional? Algum projeto na linha do Minha Casa Minha Vida? Isso precisa ser estudado e detalhado.

Valor: O governo estuda a possibilidade de auxílio emergencial para a população gaúcha. Como vê a proposta?

Latif: Até pela experiência da pandemia, em que muita gente acabou levando o auxílio de forma equivocada, é preciso um esforço para garantir focalização. Acho que isso deveria ser feito pelo governo gaúcho, para identificar os grupos vulneráveis para auxílios desse tipo. Não é só quem está no Bolsa Família, mas não é algo tão generalizado. É quem está numa atividade informal e que foi impactada... Mesmo que seja com dinheiro federal, essa focalização tem que vir do governo estadual. As prefeituras também têm papel importante para localizar os mais afetados. E é preciso ser uma coisa de curto prazo, para emergência, para a necessidade inicial, e não algo que fique postergando como o auxílio emergencial.

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