![Tony Volpon: “Não estou otimista com a queda de juros nos EUA. As coisas não foram como se esperava” — Foto: Silvia Zamboni/Valor](https://s2-valor.glbimg.com/oibegLL47J4CZyOg2IwQNUy9GBY=/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/N/0/7gRSsRR82ga8UAUPozvg/foto16rel-101-global-f7.jpg)
Com um panorama global em que no plano econômico predominam baixo crescimento, comércio tépido e inflação ainda alta, e que no plano geopolítico prosseguem as guerras, 2024 deve ser um ano caracterizado por expectativas baixas e dedos cruzados para que os conflitos não envolvam mais países. E, para dar um toque extra ao cenário de potenciais instabilidades, ainda há a eleição presidencial dos Estados Unidos, com boas chances de uma volta de Donald Trump à Casa Branca. “Politicamente, trata-se do Voldemort [vilão da série de livros e filmes “Harry Potter”] dos anos. O annus horribilis. O ano que não deve ser nomeado”, disse a consultoria de risco Eurasia Group em relatório.
No radar do Brasil, vão estar os acontecimentos políticos e econômicos nos seus principais parceiros. Se a freada chinesa for mais forte do que a esperada, as exportações brasileiras de minério de ferro e petróleo sofrerão. A confirmação da queda dos juros dos EUA, e o ritmo em que acontecerá, causará repercussões globais - juros americanos altos significam taxas altas no mundo todo e um dólar mais forte. Na Argentina, a incógnita gira em torno do combate à inflação implementado pelo presidente Javier Milei. Nos dois primeiros meses deste ano, elas produziram uma contração de 28,7% das exportações brasileiras para o país vizinho, na comparação com o mesmo período de 2023.
Se por um lado hoje existe um temor menor a respeito de uma recessão mundial, por outro há alguns números bastante preocupantes. O Banco Mundial prevê para 2024 um crescimento global de 2,4% e uma expansão das economias avançadas de apenas 1,2% - nos dois casos, seriam três anos seguidos de desaceleração. Para os EUA, a expansão estimada é de 1,6% (foi 2,5% em 2023), e para a zona do euro, 0,7%. Tudo isso se traduz, para o Banco Mundial, “no mais fraco início de uma década () desde os anos 1990”.
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Em relação à inflação, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta a continuidade da queda, mas ainda sem um retorno às metas estabelecidas. No “Panorama Econômico Mundial” de janeiro, o FMI prevê uma inflação global de 5,8%, contra 6,8% em 2023. A Organização Mundial do Comércio (OMC), por sua vez, apontou retração de 1,2% nas trocas internacionais no ano passado; no início do ano, o Banco Mundial havia previsto uma expansão de 0,2%, o que já seria o pior desempenho “fora de recessões globais nos últimos 50 anos”. Para este ano, a OMC prevê alta de 2,6%, algo que ainda estaria abaixo do ritmo pré-pandemia.
As incertezas aumentaram um pouco mais na semana passada com a divulgação da inflação anual nos EUA em março. A maioria dos analistas acreditava que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) iria começar em junho a pôr um fim na maior e mais veloz alta das taxas de juros dos últimos 40 anos, mas o desânimo cresceu com o anúncio do índice de 3,5%.
“Eu não estou mais otimista com a queda de juros nos EUA. Nesse primeiro trimestre, as coisas não foram como se esperava”, afirma Tony Volpon, fundador do Instituto Makros e ex-diretor de assuntos internacionais e de gestão de riscos corporativos do Banco Central. Ele lembra que no início do ano se antecipavam seis ou sete cortes nas taxas. “Me questiono se o Fed realmente tem espaço para ir além de algo simbólico, o que seria talvez um corte de 0,25 em setembro.”
Volpon acrescenta um outro elemento no cenário americano: “As pesquisas mostram hoje uma vitória até relativamente fácil de Trump.” Isso, ele avalia, levaria a um choque inflacionário nos EUA. O prometido aumento nas tarifas de importações e uma política fiscal expansionista, se efetivamente concretizados pelo candidato republicano, gerariam efeitos na política monetária - e, consequentemente, no resto do planeta, com nova rodada de alta dos juros.
A decisão da agência de riscos Fitch de rebaixar sua avaliação para as perspectivas da economia chinesa de estável para negativa acendeu mais um sinal de alerta. A debilidade do setor imobiliário e uma fraca demanda externa levantam dúvidas sobre se a China conseguirá atingir a meta de crescimento em torno de 5%. Para Volpon, não dá para confiar nos números oficiais sobre o PIB chinês e o país já estaria até mesmo numa recessão velada.
“Tem muita gente questionando um pouco o ritmo de crescimento chinês. Eu sou um pouco menos pessimista. Acho que eles têm instrumentos para garantir a meta”, afirma Célio Hiratuka, diretor do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador do Grupo de Estudos Brasil-China. “Não vejo grandes mudanças no cenário no curto prazo. É possível haver algum elemento que surpreenda, mas nada que vá afetar as nossas exportações.”
Alguns dados recentes inspiram uma maior confiança sobre a China. No mês passado, dois índices que acompanham a atividade manufatureira chinesa registraram o melhor desempenho desde o primeiro trimestre de 2023. Em janeiro e fevereiro deste ano, as vendas no varejo aumentaram 5,5% e houve um crescimento nas exportações de 7,1%, na comparação com o mesmo período de 2023.
Já em relação à Argentina, as perspectivas são mais nebulosas. O banco BBVA prevê que a atividade econômica vá se manter em território negativo no primeiro semestre e que o país terá neste ano uma inflação de 175%. “Projetamos que o PIB cairá 4% em 2024 e subirá 6% em 2025, assumindo que o plano de estabilização a ser implementado pelo governo será relativamente bem-sucedido”, informou o BBVA.
Assim como Volpon e Hiratuka, Luiz Carlos Delorme Prado, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem dúvidas sobre o êxito das reformas. “Não existe precedente na história moderna para o corte de gastos que o Milei fez. Isso pode até ter um efeito na inflação, mas a custo de uma tragédia social muito grande. Se a economia argentina está despencando, não existe razão para que a exportação brasileira à Argentina não despenque.”
Até agora o Brasil está se saindo razoavelmente bem em termos de investimento estrangeiro direto. No primeiro bimestre houve entrada de US$ 13,8 bilhões, leve alta de 0,4% sobre u ano antes. O Banco Central trabalha com estimativa de US$ 65,5 bilhões para 2024, mesmo volume registrado há 12 anos. Entretanto, tudo pode mudar se as guerras em Gaza e na Ucrânia se agravarem.