IBS, local da operação e as operações de telecomunicação

O texto do PLP 68/2024 poderia ser aprimorado no Senado para substituir o ambíguo termo “comunicações” por “telecomunicações”, de modo a conferir maior precisão semântica à previsão legal

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No contexto da regulação infraconstitucional da Emenda Constitucional 132/2023, que instituiu um novo regime de tributação indireta moderno e tendente à simplificação, o governo federal apresentou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, que cria o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS), além de tratar de outros temas relacionados à reforma. O PLP, considerando as alterações aprovadas na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (10), é extremamente sólido e com alta carga de tecnicidade, tendo sido fruto de intenso trabalho da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária (SERT).

O extremo rigor técnico do texto original do PLP, contudo, não deixou de ter causado preocupações em alguns pontos sensíveis, alguns deles devidamente ajustados quando de sua aprovação na Câmara dos Deputados. Um desses pontos é o conceito de “local da operação” para fins de determinação do Estado e do município para os quais será devido o IBS nas operações efetuadas pelas empresas de telecomunicação. Além da definição do ente a arrecadar, considerando que as alíquotas do IBS poderão ser fixadas pelos Estados e municípios por meio de leis internas, a exata compreensão do local da operação também é relevante para definir as alíquotas a serem aplicadas nessas operações, ante a potencial pluralidade de alíquotas a serem instituídas.

O ponto polêmico é o artigo 11, inciso IX, do PLP. Isso porque, no texto original, constava como local da operação, no serviço de comunicação em que há transmissão por meio físico, o local da recepção dos serviços. A dificuldade de aplicação desse critério está no fato de que boa parte dos serviços de telecomunicação são recepcionados por aparelhos móveis e por pessoas com grande mobilidade. Nesses casos, quais seriam o(s) município(s) e o(s) Estado(s) a cobrar o IBS em uma viagem ou no caso de uma pessoa que diariamente transita por mais de um município nas suas atividades profissionais e pessoais? O que dizer dos consumidores residentes em áreas de fronteira com outros países, em que o elemento exportação (e a correspondente imunidade) poderia se fazer presente no debate?

Por sorte, o texto aprovado na Câmara foi amplamente melhorado nesse particular. Nesse ponto, o PLP determina que se considera local da operação, no “serviço de telefonia fixa e demais serviços de comunicação prestados por meio de cabos, fios, fibras e meios similares, o local de instalação do terminal”.

Com efeito, o texto atual, ao mencionar “local de instalação do terminal”, limita a sua aplicação aos serviços recepcionados por terminais fixos. Logo, no caso de recepção por terminais móveis, ou seja, em que não ocorre transmissão por “cabos, fios, fibras e meios similares”, afasta-se a aplicação do inciso IX, substituindo-a pela cláusula residual do inciso X, que determina que, nos “demais serviços”, o local da operação deverá ser considerado o local do domicílio principal do destinatário.

O avanço poderia ter sido ainda maior caso a expressão “serviços de comunicação”, que é extremamente ambígua e causa enormes divergências no âmbito do ICMS, tivesse sido substituído, de modo a repelir ainda mais eventuais conflitos.

Isso porque a Constituição utiliza o termo “telecomunicações” na atribuição de competências regulatórias (artigo 21, inciso XI; artigo 22, inciso IV; artigo 48, inciso XII), mas o vago termo “comunicação” na definição da competência dos Estados para instituir o ICMS. Por conta disso, sempre houve espaço para uma interpretação elástica do Fisco quanto ao alcance do imposto estadual, muitas vezes para alcançar operações que não se amoldam à definição de “serviços de telecomunicação” prevista na Lei Geral de Telecomunicações (LGT).

Nesse contexto, existem grandes contenciosos travados entre operadoras e Fiscos estaduais quanto ao enquadramento dos Serviços de Valor Adicionado (SVAs) prestados por essas empresas, serviços esses que não se incluem na definição de “serviços de telecomunicação” pela LGT (artigo 61). Nesses casos, discute-se se os SVAs configuram (1) “serviços de comunicação” tributáveis pelo ICMS, o que costuma ser a visão das autoridades, (2) outros serviços tributáveis pelo ISS, ou mesmo (3) serviços não tributáveis por nenhum desses impostos, por não configurarem “serviços de comunicação” e falta de previsão na lista de serviços da LC 116/03 (lei nacional do ISS).

Transpondo essa discussão para o PLP 68/2024, a vagueza do termo “serviços de comunicação” poderia ocasionar a cobrança do IBS por mais de um município ou mesmo mais de um Estado, ante a potencial aplicação do inciso IX do artigo 11 (local da recepção), por alguns, e da cláusula residual do inciso X do artigo 11 (critério do domicílio principal), por outros.

Além disso, considerando que as operadoras costumam comercializar combos contendo tanto serviços prestados por meio de cabos de fibra ótica quanto telefonia móvel, bem como que os consumidores podem acessar alguns serviços tanto em terminais fixos quanto no celular (ex.: TV a cabo), poderia haver dificuldade de determinação das alíquotas e/ou a aplicação de distintas alíquotas aplicadas nas mesmas contas, o que poderia causar complexidade.

Por tudo isso, o texto do PLP 68/2024 poderia ser aprimorado no Senado Federal para substituir a utilização do ambíguo termo “comunicações” por “telecomunicações”, de modo a conferir maior precisão semântica à previsão legal e ter maior aderência aos dispositivos constitucionais de cunho regulatório (além da própria imunidade contida no parágrafo 3º do artigo 155 da CF/88). Além disso, adotar o domicílio principal do consumidor tenderia a evitar conflitos e complexidades desnecessários, com maior adesão ao novo princípio constitucional da simplicidade.

Maurício Barros é sócio de Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados, doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, ex-juiz contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo e pesquisador sênior do NEF-FGV

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