Por Assis Moreira

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Brasil alinha estratégia sobre lei antidesmatamento europeia

Reunião no Itamaraty sobre a legislação de Bruxelas contou com 75 representantes de diversos setores

Por , Valor — Genebra


Brasil alinha estratégia sobre lei antidesmatamento europeia Divulgação

Uma grande reunião em Brasília esta semana buscou reforçar a estratégia brasileira envolvendo a lei anti desmatamento europeia, que cedo ou tarde afetará as exportações agrícolas para a União Europeia (EU), um de seus principais compradores.

Esa legislação visa interditar acesso ao mercado comunitário de sete commodities – soja, carne bovina, café, madeira, óleo de palma, borracha e cacau, e alguns de seus produtos derivados como couro, chocolate, pneus ou móveis– produzidas em zonas desmatadas após o final de 2020.

Exportadores terão que apresentar provas documentais de que sua produção não envolveu desmatamento insustentável antes de poderem comercializar seus produtos nos 27 países membros da UE a partir do ano que vem - os pequenos produtores terão prazo adicional de seis meses.

Essa legislação terá impacto sobre 34% das exportações brasileiras para a UE, atingindo embarques que representaram US$ 17,5 bilhões em negócios em 2022, conforme levantamento do Ministério da Indústria e Comércio (MDIC).

Com a recente eleição para o Parlamento Europeu, que mostrou uma Europa sendo redesenhada para a direita ainda mais, uma questão é o que tipo de adaptação essa lei poderá sofrer proximamente, diante de pressões de dentro e de fora da UE.

No governo brasileiro, porém, a constatação é de que, com ou sem flexibilização, essa lei ante desmatamento de toda maneira será aplicada por Bruxelas.

Assim, o Itamaraty reuniu na segunda-feira, na sua Sala Santiago Dantas, cerca de 75 representantes de setores afetados, secretários estaduais de agricultura, de povos indígenas e de outros ministérios para continuar organizando o posicionamento do país.

Reunião no Itamaraty sobre lei andesmatamento europeia — Foto: Divulgação

Segundo o diretor do Departamento de Política Comercial do Itamaraty, embaixador Fernando Pimentel, a reunião procurou juntar informações sobre o que o governo está fazendo, como o setor privado se prepara e também sobre iniciativas que alguns Estados adotam.

O governo já enviou duas delegações a Bruxelas para discutir com os europeus este ano e mais uma ou duas missões serão enviadas no segundo semestre.

Para o diplomata, mesmo com a renovação do Parlamento Europeu, qualquer pessoa que entende a força de Parlamento não ignora o grau de apoio que a lei antidesmatamento conseguiu, quando foi aprovada por 552 votos contra 44 e 43 abstenções.

No novo Parlamento Europeu, para os próximos cinco anos, mesmo com mais representantes da direita dura, não haverá uma reviravolta tão dramática que possa autorizar interpretação de que a lei possa passar por uma mega flexibilização, por exemplo. E, mesmo para ter alguma parte revogada, seria necessária nova votação.

De outro lado, a evidência é que a Comissão Europeia, o braço executivo da UE, enfrenta todo o tipo de percalço técnico para implementar a lei a partir de janeiro de 2025. A avaliação é de que ela foi concebida com grande ambição ambiental e baixíssima aplicação na vida real no processo produtivo e menos ainda quando se examina o funcionamento da agricultura tropical.

Para Fernando Pimentel, vários pontos da lei são extremamente difíceis de aplicar. Joga toda a responsabilidade para ‘due diligence’, faz exigências 'socio ambientais e trabalhistas', mas sem detalhes. Certo mesmo é que a gestão de risco, para evitar o que os europeus chamam de contaminação de desmatamento, demanda exercícios de logística complicadíssimos que podem levar o produtor, sem saber o que é certo, a não arriscar fazer o errado e causar mais turbulências nas cadeias de abastecimento. .

Como a Comissão Europeia não está conseguindo fazer a metodologia para implementar a lei ante desmatamento, Bruxelas já informou ao governo brasileiro que vai mesmo adiar por tempo indeterminado a classificação de países conforme o risco de desmatamento.

Ao invés de adotar três categorias de risco, agora a ideia é que inicialmente nenhum país vai ter risco baixou ou alto – todos terão risco padrão. Produtores europeus ficaram irritados. Contavam com uma vantagem, porque seriam baixo risco e esperavam que competidores como o Brasil seriam alto risco.

Na reunião no Itamaraty, o embaixador Pimentel sinalizou que o Brasil segue duas estratégias paralelas. Primeiro, a ‘pragmática’, de continuar buscando saber na Europa detalhes de como os europeus pretendem implementar sua legislação, e ao mesmo tempo empoderar o produtor brasileiro a vencer as barreiras.

Por exemplo, a plataforma Brasil Agro Mais Sustentáveis dá acesso a uma série de dados, incluindo de satélites, que permitirá ao produtor desenhar sua resposta aos europeus e obter certificação de que sua produção está livre de zona desmatada. Será uma espécie de nada consta oficial, de não violação ambiental.

Para Fernando Pimentel, o sistema de monitoramento brasileiro é melhor. Diz que o dos europeus tem três anos, dá falso negativo, não consegue diferenciar uma plantação de café de uma árvore normal e gera problema. Já o sistema brasileiro tem trinta anos em funcionamento.

A outra parte da estratégia é a plataforma de crítica internacional à lei europeia. A mobilização internacional continua, com questionamentos em foros de debate internacionais. O Brasil e outros 16 países produtores de commodities da América Latina, África e Ásia tem reclamado sistematicamente. Também países desenvolvidos como EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia pressionam a UE, reclamando de enormes problemas que a legislação colocará no comércio das commodities listadas por Bruxelas.

As próximas semanas vão indicar como a Europa aplicará na prática sua lei antidesmatamento, que tende a ser copiada por outros grandes parceiros.

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