Eleições ampliam incerteza e afetam economia

Pleito deve elevar dúvidas sobre o quadro fiscal e político, pressionando o câmbio e segurando o investimento

Por Sergio Lamucci — De São Paulo


Fernando Veloso: incerteza elevada prejudica o crescimento e o emprego — Foto: Divulgação

As eleições presidenciais deste ano deverão ser mais um fator de incerteza para a economia brasileira, uma notícia desfavorável para o crescimento e o emprego. Com a proximidade do pleito de outubro, a volatilidade nos mercados tende a aumentar, o que costuma implicar uma taxa de câmbio mais desvalorizada e que oscila mais. Num cenário em que aumentam as indefinições políticas e fiscais, as eleições também devem levar as empresas a serem mais cautelosas na hora de investir na modernização e ampliação da capacidade produtiva, o que resulta em menor expansão da atividade e em menos contratações.

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Fernando Veloso enfatiza a importância das eleições presidenciais deste ano para o futuro do país, num quadro em que o Brasil mostra enorme dificuldade para crescer com mais força. “Apesar da recuperação da atividade econômica após a queda em 2020, o PIB ainda se encontra abaixo do nível em que estaria caso a tendência de crescimento verificada de 2017 a 2019 não tivesse sido interrompida pela pandemia”, observa ele. “Após uma elevação temporária em 2020, a produtividade voltou a cair em 2021 e se encontra abaixo do nível pré-pandemia. Embora a taxa de desemprego tenha retornado ao patamar anterior à pandemia, ela ainda se encontra muito acima do nível anterior à recessão de 2014-2016 e também é superior à média entre 1995 e 2019”, contextualiza Veloso, lembrando que, para completar esse quadro delicado, há “inflação e juros elevados e uma piora significativa do cenário internacional após a guerra da Ucrânia”.

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Nesse cenário, diz ele, chama atenção a “falta de sintonia entre os temas que vêm sendo discutidos e os desafios que se colocam para o país”. Em vez de propostas para a retomada do crescimento, geração de empregos e melhora da proteção social, os principais candidatos questionam “pilares importantes do sistema eleitoral e do arcabouço fiscal, com a discussão sobre confiabilidade das urnas eletrônicas e o fim do teto de gastos”. Para Veloso, isso aumenta muito o nível de incerteza política e fiscal, com consequências negativas para o crescimento e emprego. O presidente Jair Bolsonaro tem seguidamente questionado a lisura das urnas eletrônicas. Há também incertezas sobre o futuro do teto de gastos.

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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito que, se vencer as eleições, seu governo não manterá o teto, o mecanismo que limita a expansão das despesas não financeiras da União à inflação do ano anterior. Na administração de Jair Bolsonaro, o teto foi driblado mais de uma vez, o que afetou duramente sua credibilidade. No fim de 2021, foi aprovada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que mudou a fórmula de cálculo do teto e adiou parte do pagamento de precatórios, com o objetivo de abrir espaço para ampliar o valor do benefício do Auxílio Brasil para R$ 400 e financiar as emendas definidas pelos congressistas. Os nomes da chamada terceira via, mais comprometidos com a responsabilidade fiscal, têm grandes dificuldades para viabilizar suas candidaturas.

Ex-presidente do Banco Central (BC), Gustavo Loyola vê com preocupação as incertezas em relação à condução das contas públicas a partir de 2023. O teto de gastos não é perfeito, mas cumpriu um papel importante como âncora fiscal, diz ele, hoje sócio da Tendências Consultoria Integrada. O país aumentou fortemente os gastos para combater os efeitos da pandemia da covid-19, mas havia a garantia de que as despesas extraordinárias seriam temporárias, sendo revertidas quando a crise sanitária melhorasse, lembra ele. Para Loyola, o atual governo jogou fora a âncora fiscal, usando manobras para driblar o teto. É contabilidade criativa, mas desta vez por meio de mudanças na Constituição, diz ele, que também critica as declarações de Lula de que não haverá teto de gastos em seu governo.

Com o mecanismo sendo driblado ou mesmo descartado, fica a dúvida sobre a trajetória fiscal no longo prazo. “Embora a situação fiscal tenha melhorado no curto prazo, foi algo que aconteceu em grande medida por causa do aumento da inflação”, destaca Veloso. Ao elevar a arrecadação das três esferas de governo e inflar o Produto Interno Bruto (PIB) em termos nominais, a inflação ajudou a melhorar as projeções para a dívida e para o déficit público, a exemplo do que tinha ocorrido em 2021. Esse fenômeno, porém, é temporário, e a forte alta de juros, necessária para combater os índices de preços na casa de dois dígitos, vai se traduzir em aumento expressivo das despesas financeiras do setor público num segundo momento.

“Permanece o desafio de gerar superávits primários sucessivos e reduzir de forma duradoura a relação dívida/PIB”, avalia Veloso, ressaltando que “as dúvidas que estão sendo colocadas sobre a manutenção do teto de gastos aumentam consideravelmente a incerteza sobre a trajetória das contas públicas a partir de 2023, o que se reflete nos preços de ativos, com desvalorização do câmbio e elevação das taxas de juros de longo prazo”. Ainda que o teto tenha alguns problemas, abrir mão do instrumento e não colocar nenhum outro mecanismo para coordenar as expectativas fiscais causa incerteza.

Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, um dos problemas é perder tempo em achar brechas no teto, enquanto se poderia discutir a reforma tributária, o que teria um efeito mais significativo sobre a capacidade de crescimento da economia. “Pode ser que o mercado não estresse em um primeiro momento, mas a percepção de que a política fiscal seguirá mal resolvida poderá colocar um piso no câmbio”, afirma ele.

Outra fonte de incerteza relacionada às eleições são os questionamentos do sistema eleitoral por Bolsonaro. Veloso e Vale acreditam que o resultado das urnas será respeitado mesmo que o presidente o conteste, mas os dois ressaltam que a atitude de Bolsonaro causará um desgaste. “O fato do Bolsonaro questionar seguidamente as urnas eletrônicas e poder vir a questionar os resultados é muito negativo”, diz Veloso, destacando que isso eleva a incerteza, prejudicando a economia.

“A incerteza poderá aumentar a depender de como agirá Bolsonaro caso perca”, concorda Vale. “Crescer exige não apenas estabilidade institucional, que estamos erodindo, mas estabilidade econômica de longo prazo, que também estamos colocando sob risco, com novidades negativas trazidas por Bolsonaro, como no caso da questão ambiental”, aponta ele. Para Loyola, o ataque do presidente às instituições é um dos fatores que contribuem para um câmbio mais desvalorizado do que indicam fundamentos, como os preços de commodities, o nível dos juros e a solidez das contas externas.

O resumo da história, segundo Veloso, é que uma eleição polarizada, com questionamentos em relação ao sistema de votação e à manutenção do arcabouço das contas públicas, contribui para o aumento da incerteza política e fiscal. “Quando não existe clareza sobre a direção da política econômica, os empresários postergam investimentos e contratações formais, com impacto negativo sobre a produtividade”, diz ele. “Isso aconteceu entre 2015 e 2019, quando a produtividade teve queda, e estamos vendo novamente agora, com a produtividade abaixo do nível pré-pandemia.” O resultado é uma economia que cresce menos e gera menos empregos de qualidade.

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