Valor 1000
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Por Rejane Aguiar Leal, para o Valor


Pelo menos desde meados de 2021 as empresas brasileiras estão sob uma nefasta combinação entre inflação alta e o remédio que se usa habitualmente para combatê-la – a subida contínua da taxa básica de juros. Essa bola de neve, que alcançou negócios de todos os portes e só agora começa a derreter, aparece em números como o recorde da inadimplência das pessoas jurídicas. Em junho de 2023, o indicador atingia a marca de 6,52 milhões de empresas negativadas, com o equivalente a R$ 118 bilhões em contas atrasadas, de acordo com dados da Serasa Experian.

Está refletida também nas dificuldades que muitas empresas têm enfrentado para obter recursos para investir ou simplesmente para manter o dia a dia rodando – seja por meio de empréstimos bancários, alvos de fortes restrições por parte dos bancos, ou de emissões no mercado de capitais, também mais fechado nesse período inclusive, por causa das repercussões negativas das situações da Americanas e da Light, só para citar dois exemplos bem conhecidos.

O tamanho do tombo tem a ver com o grau da escalada. Atingidas em cheio pela emergência da pandemia ou interessadas em aproveitar o cenário para se preparar para acessar o mercado de capitais (ou ganhar fatias de mercado), ao longo de 2020 muitas empresas tomaram crédito a juros baixos, imaginando que a Selic até poderia subir em algum momento, mas ainda se mantendo na casa de um dígito. Ocorre que a inflação disparou – o que aconteceu no mundo todo como efeito da pesada injeção de liquidez que os governos fizeram nas economias e da quebra de cadeias de fornecimento decorrente das restrições sanitárias – e o Banco Central (BC) apertou cada vez mais a política monetária.

Nesse processo, a Selic saiu de 2% ao ano em agosto de 2020 até o pico de 13,75% anuais em julho de 2023. Essa virada macroeconômica, portanto, pegou as empresas no contrapé, e isso num ambiente de atividade econômica patinando e de intensas expectativas quanto às eleições presidenciais de 2022. “E foi um custo duplo, já que a inflação fez aumentar as despesas com insumos e a taxa de juros elevou o custo de capital, desencadeando a maior crise de inadimplência que já registramos”, comenta Luiz Rabi, economista sênior da Serasa Experian, lembrando que a escalada tem também repercussões sobre os números de recuperação judicial e de insolvência, que surgem com um pouco mais de atraso.

A boa notícia – para toda a economia e para as empresas que integram o ranking de Valor 1000 – é que a situação começa a parar de piorar e tem chances de melhora em curto prazo. Observando os dados mais recentes da inadimplência, que incluem atrasos nos pagamentos de dívidas bancárias e não bancárias (como pagamentos a fornecedores), Rabi afirma que um ciclo parece estar se encerrando. A situação neste início de segundo semestre, diz o economista, corresponde a um platô, que tende a se transformar num declive no último trimestre de 2023. Um empurrão vem do corte recente da taxa de juros para 13,25% ao ano, que, se realmente for o início de uma tendência, pode ajudar as empresas a voltarem a ficar em dia com seus pagamentos e, quem sabe, a ter pleno acesso ao dinheiro dos bancos e dos investidores.

Luiz Rabi, da Serasa: maior parte das pendências é com outras empresas e prestadores de serviços — Foto: Divulgação
Luiz Rabi, da Serasa: maior parte das pendências é com outras empresas e prestadores de serviços — Foto: Divulgação

A questão da inadimplência tem um impacto direto sobre a economia à medida que o não pagamento de contas provoca um efeito dominó. Rabi destaca o fato de que a cada quatro ocorrências de inadimplência de pessoas jurídicas apenas uma está relacionada a crédito bancário. Isso significa que a maior parte das pendências é do chamado crédito mercantil, cujos credores não são bancos – são outras empresas e pessoas físicas prestadoras de serviços que, se não recebem, também tendem a não pagar algumas de suas próprias contas, já que não têm a mesma margem de manobra dos bancos, capazes de compensar uma inadimplência mais alta com aumento de spreads. O levantamento de junho da Serasa Experian mostra que, em média, cada uma dos 6,52 milhões de empresas negativadas tem sete pagamentos atrasados.

A alegria do juro na casa de 2% ao ano, que era realidade há três anos, também levou muitas empresas a se animarem para obter dinheiro no mercado de capitais – inclusive se dispondo a deixar a governança e os balanços tinindo para uma listagem na bolsa assim que a situação da pandemia começasse a melhorar.

Esse processo exigiu uma alavancagem que, àquela altura, com juros baixos, poderia ser facilmente administrada com o dinheiro que viria de ofertas de ações iniciais (IPOs) ou subsequentes (follow ons). O cenário, entretanto, não se confirmou, as taxas de juros dispararam junto com a inflação e impossibilitaram qualquer tentativa de reequilíbrio financeiro desses negócios via mercado de capitais. Outro motivador desse endividamento com o juro baixo veio das possibilidades de aquisições de negócios para consolidação de mercado, aposta que em alguns casos ficou demasiadamente cara com a disparada da Selic.

Vale lembrar que mesmo as emissões de títulos de dívida, como debêntures e notas comerciais, ficaram mais difíceis nesse ambiente, prejudicadas pelo recuo dos investidores diante de casos ruidosos como os da Americanas e da Light. Confrontado com a incerteza, o mercado exigia retornos maiores para esses títulos. Ao mesmo tempo, investidores institucionais ficaram mais seletivos e os fundos de investimento – eles mesmos pressionados por pedidos de resgates dos cotistas – restringiram sua participação no crédito privado.

Na renda variável – opção que, para as empresas, representa um compromisso mais de longo prazo com os investidores e sem custos com pagamento de juros, como ocorreria na emissão de dívida –, o quadro foi ainda mais complicado. De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as ofertas de ações (incluídos os IPOs e as operações de follow on) caíram de R$ 128,1 bilhões em 2021 para R$ 55 bilhões no ano seguinte, o que representa um recuo de 57%. Cabe destacar que as emissões de ações, sejam novas ou subsequentes, são um bom termômetro da confiança dos investidores na capacidade dos negócios de gerar retornos e de se perpetuar. O fato de as empresas, em conjunto, não conseguirem acessar a bolsa é sinal de que algo não vai muito bem estruturalmente.

Entretanto, assim como acontece com a inadimplência, os caminhos do mercado de capitais começam a ficar desobstruídos com um quadro econômico mais positivo, considerando pontos como inflação arrefecendo, juro mais baixo (e com tendência de queda), expectativa de controle fiscal, avanço da reforma tributária e upgrade da classificação de risco do Brasil. “A questão é que esse atraso na melhora das condições macroeconômicas prejudicou o reequilíbrio das contas das empresas”, avalia o CEO do Banco Genial, André Schwartz.

No entanto, são reais as chances de recuperação das empresas a partir do terceiro trimestre de 2023, com intensificação dessa tendência ao longo de 2024 se a Selic continuar caindo, diz Schwartz. O movimento já se inicia no mercado de crédito privado de grandes companhias listadas, com a emissão de debêntures incentivadas de infraestrutura da Aegea (R$ 5,54 bilhões) na sequência de operações de R$ 3,6 bilhões de empresas como Coelba e Rede D’Or, todas na primeira metade de agosto. A expectativa positiva se estende às emissões de ações, com a efetivação nos próximos meses de follow ons (que operacionalmente são menos complexos) e até mesmo de IPOs – para os mais otimistas, estes ainda no fim de 2023. Na lista, também, o reforço das operações de certificados de recebíveis, papéis que levam dinheiro novo para o setor imobiliário (CRIs) e para o agronegócio (CRAs).

O ciclo de inadimplência em alta e de dificuldades de captação de dinheiro novo e de gestão de dívidas antigas representou, evidentemente, um enorme desafio para as empresas. Mas esse cenário se materializou sobre uma estrutura dos mercados financeiro e de capitais no Brasil bem mais robusta do que no passado, pondera Carlos Antonio Rocca, coordenador do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Cemec-Fipe). Trabalho recente liderado por Rocca mostra, por exemplo, que aumentou nos últimos dez anos a participação do mercado de capitais no financiamento das empresas brasileiras, em paralelo à redução da fatia de recursos que vêm do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Hoje o mercado de capitais é responsável por 60% da captação líquida das empresas não financeiras. Entre 2013 e 2023, a participação do BNDES recuou 13,2 pontos percentuais, enquanto o saldo de títulos de dívida emitidos no mercado de capitais avançou 11,6 pontos percentuais.

Essa nova equação aos poucos vai corrigindo distorções, como os empréstimos a juros subsidiados do banco de fomento que em 70% dos casos entre 2013 e 2023 foram parar no caixa de companhias que poderiam facilmente ter acessado os instrumentos do mercado de capitais. Isso teve consequências como o próprio enfraquecimento do mercado e o aumento das dificuldades de financiamento de empresas menores, obrigadas a recorrer aos bancos.

Rocca ressalta, ainda, o papel fundamental de inovações regulatórias que fortalecem o mercado brasileiro, com destaque para a Agenda BC+. “Nos últimos dez anos vimos pontos positivos, como a aprovação do cadastro positivo, a melhora das condições para execução de garantias de dívidas, uma maior transparência de informações sobre as empresas e a edição da nova Lei de Falências. Tudo isso combinado tende a favorecer o crédito no Brasil”, destaca Rocca, citando também a criação da duplicata eletrônica, que dá mais segurança para os bancos decidirem liberar os empréstimos à medida que evita duplicidade de garantia por esse instrumento.

Outras novidades benéficas nesse cenário, acrescenta, são as fintechs, o open banking e o crescimento das cooperativas de crédito. “Quando existe mais transparência, a avaliação do crédito tem mais qualidade, o que favorece uma alocação mais adequada dos recursos”, completa. Se a inflação continuar comportada, permitindo uma política monetária mais amigável para a atividade econômica e uma Selic consistentemente baixa, portanto, as empresas brasileiras têm tudo para crescer a partir de 2024. E desta vez mais preparadas para eventuais novas avalanches.

Carlos Antonio Rocca, do Cemec-Fipe: 60% da captação líquida das companhias vêm do mercado de capitais — Foto: Silvia Zamboni/Valor
Carlos Antonio Rocca, do Cemec-Fipe: 60% da captação líquida das companhias vêm do mercado de capitais — Foto: Silvia Zamboni/Valor
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