Por Ana Leoni

Sócia cofundadora da BEM Educação, comentarista da CBN e Mem... ver mais

O darwinismo financeiro

O ‘quentinho’ da renda fixa a uma taxa de juro de dois dígitos pode ser positivo para a performance dos portfólios mais conservadores, mas é prejudicial para a evolução e perpetuação dos investimentos e para a economia ao longo do tempo

São Paulo


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Para a maioria Charles Robert Darwin dispensa apresentações. Mas não custa apresentá-lo ou ao menos relembrar quem ele foi. Creio ser de bom tom, dado que minha inspiração de hoje vem dele. Darwin é pai da teoria de que o meio seleciona o organismo mais apto a sobreviver em determinado ambiente. Segundo ele as espécies mudam ao longo do tempo, dão origem a novas espécies e compartilham um ancestral comum. Nesse mecanismo, Darwin define que a evolução acontece com a seleção natural ao longo do tempo. Em resumo, sobrevive não o mais forte, mas sim o mais adaptável.

A teoria que explica a origem, a transformação e a perpetuação das espécies ultrapassou as fronteiras da biologia. Na sociedade, com o darwinismo social, por exemplo. Nesse campo, há a ideia de hierarquia entre as sociedades e que determinada sociedade é superior a outra, resultado de uma dinâmica social competitiva. Mas será possível trazer a teoria Darwin para o universo dos investimentos?

Essa semana, em decisão unanime, o Copom (Comitê de Política Monetária) manteve em 10,5% a taxa básica de juro – a Selic– interrompendo o ciclo de cortes após seis reduções consecutivas de meio ponto percentual. Esse resultado fez o Brasil alçar a segunda maior taxa de juro real do mundo.

Se para Darwin o meio seleciona o organismo mais apto a sobreviver em determinado ambiente, a Faria Lima definitivamente não é ambiente propício para a seleção, a adaptação e a evolução do espécime chamado investidor.

O ‘quentinho’ da renda fixa a uma taxa de juro de dois dígitos pode ser positivo para a performance dos portfólios mais conservadores, mas é prejudicial para a evolução e perpetuação dos investimentos e para a economia ao longo do tempo. Taxas altas assim aumentam o custo do capital das empresas, o valor dos empréstimos e financiamentos dos indivíduos, o custo da dívida pública e acomoda o investidor. Nesse cenário, o darwinismo financeiro tem pouco espaço para avançar, dado que dificilmente um ambiente assim fará rentistas evoluírem para se tornarem investidores.

Mesmo em períodos em que os juros estavam mais baixos no Brasil, a parcela de interessados em soluções mais diversificadas avançou timidamente. Os que exploraram alternativas estavam muito mais fugindo da renda fixa do que seguindo para a renda variável. Foi um movimento migratório temporário, revertido aos primeiros sinais de alta da Selic.

Mas tenho de concordar que fica difícil mesmo se adaptar quando o risco/retorno tende a não compensar. Mesmo para os fortes. E digo isso sobre os meus próprios investimentos. O meio econômico que estamos inseridos não propicia condições duradouras que permitam o investidor se adaptar a instrumentos mais arrojados. A conveniência dos retornos do CDI, com baixo risco não propiciam condições para essa evolução.

Darwin provou em sua teoria que o meio seleciona o organismo mais apto a sobreviver em determinado ambiente. Mas como bem sinalizou o BC (Banco Central), nada deve mudar até o final do ano. E, se não muda, não tem como o investidor mudar ao longo do tempo, dar origem a novas espécies e nem compartilhar um ancestral comum.

Ana Leoni — Foto: Arte sobre foto Divulgação
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