'Empoçamento' dá segurança para trabalhar com déficit no limite da meta fiscal

Na última quinta-feira (18), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um contingenciamento de R$ 3,8 bilhões para que o governo não descumpra a meta fiscal deste ano. Apesar da meta fixada na LDO 2024 ser de déficit zero, o novo arcabouço fiscal prevê que há cumprimento da meta mesmo que o resultado varie 0,25 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) para baixo.

Assim, na prática, o governo está permitido a ter um rombo de até R$ 28,8 bilhões este ano (o que equivale a um resultado negativo de 0,25% do PIB). Caso o déficit ultrapasse esse valor, a meta de resultado primário é considerada descumprida.

O Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 3º bimestre, que será divulgado na próxima segunda-feira (22), mostrará que o governo está mirando esse limite inferior da banda. Como a nova estimativa para o déficit chegou a R$ 32,6 bilhões, o contingenciamento de R$ 3,8 bilhões foi anunciado.

O Tribunal de Contas da União (TCU) já emitiu um alerta ao Executivo no sentido de que mirar o limite inferior da meta, e não seu centro (déficit zero este ano), pode "afetar credibilidade das regras fiscais", bem como trazer "risco mais elevado do descumprimento [da meta fiscal], com todas as consequências restritivas decorrentes".

Essa opinião da Corte de Contas é compartilhada por outra ala da equipe econômica, que defendeu um contingenciamento maior para que o governo não mire o limite inferior da banda. Na visão desses técnicos, há riscos de que, ao trabalhar com o limite do déficit, o governo possa descumprir a meta fiscal caso haja alguma surpresa negativa do lado das receitas ao final do ano.

Caso o Executivo descumpra a meta fiscal, o novo arcabouço estabelece que as despesas só poderão crescer 50% das receitas em 2026, ano eleitoral, e não os 70% no caso de cumprimento.

A visão que prevaleceu, no entanto, é que o "empoçamento" dá margem de segurança para que o governo mire no déficit de R$ 28,8 bilhões. O fenômeno ocorre anualmente, já que o governo libera recursos para os ministérios e órgãos públicos, mas, por razões diversas, eles não conseguem gastar o dinheiro. Ao final do exercício, os recursos não utilizados retornam para os caixas da União e, assim, auxiliam o Executivo no resultado fiscal.

Em 2023, por exemplo, o "empoçamento" totalizou R$ 19,8 bilhões, ante R$ 20,7 bilhões em 2022 e R$ 16,4 bilhões em 2021.

Há também uma questão política. Mirar no limite inferior da banda do arcabouço fiscal permite que o contingenciamento de recursos seja menor. Caso trabalhasse com o déficit zero, por exemplo, o contingenciamento já teria de totalizar os R$ 32,6 bilhões da nova projeção de rombo, o que é politicamente inviável para o governo Lula, segundo fontes do governo, já que a restrição orçamentária seria muito maior nesse caso.

Além de anunciar um contingenciamento de R$ 3,8 bilhões, Haddad também afirmou que a União fará um bloqueio de R$ 11,2 bilhões no orçamento. Enquanto o contingenciamento serve para controlar o cumprimento da meta fiscal, o bloqueio é utilizado quando as despesas obrigatórias crescem a níveis maiores que as demais, já que a regra estabelece que os gastos só podem crescer até 2,5% ao ano, já descontada a inflação.

O efeito prático de ambas as medidas é o mesmo, já que as verbas dos ministérios ficam congeladas. Não há definição, ainda, sobre quais pastas vão sofrer com o bloqueio, mas há uma tendência de o corte ser linear para não prejudicar mais algumas áreas em detrimento das outras.