Que Papo é Esse, Giu?

Por Por Giuliana Girardi


Giuliana esperou quase cinco meses para tocar pela primeira vez em Cartola — Foto: ( Giuliana Girardi/ Arquivo pessoal)
Giuliana esperou quase cinco meses para tocar pela primeira vez em Cartola — Foto: ( Giuliana Girardi/ Arquivo pessoal)

Foi numa madrugada, dias atrás. Eu estava na cama. Ele foi chegando devagar, rastejando, até ficar a centímetros de distância. Era a primeira vez que isso acontecia e eu não podia deixar passar a única investida. Calculei os movimentos e torci para não fazer nenhuma besteira. Eu tinha acabado de acordar com aquela aproximação. Estava ainda sonolenta, mas precisava ficar alerta rapidamente para corresponder àquele primeiro contato.

Apoiei uma das mãos na cama e elevei um pouco o tronco. Estiquei a outra mão em direção a ele. Lentamente, lentamente, até encostar no nariz gelado. Em seguida fui chegando com cuidado até uma das orelhas e consegui tocar sua cabeça. Foi quando ouvi o som característico. Aquele que eles emitem quando gostam do carinho e que dá pra sentir a vibração quando se toca a garganta. O famoso motorzinho.

Então, os dois olhos azuis se fecharam e começaram a revirar. Espera, esse não é um conto erótico e eu só estou narrando com tantos detalhes (que a princípio parecem pornográficos, mas não são, juro) porque realmente me lembro de cada sequência dessa cena. Eu esperei quase cinco meses para tocar pela primeira vez no meu gatinho, o Cartola. É tipo primeiro date. Borboletas na barriga voando de um lado a outro sem parar. Queria contar, o quanto antes, para o meu marido, o Fábio, que me sentia nas nuvens. Mas ele continuava dormindo ao lado, alheio à novidade. Dei duas batidinhas leves no braço dele:

- Acorda, você não vai acreditar. Acabei de passar a mão no Cartola.

E, depois desse dia, o Fábio também teve o gostinho. Acontece sempre de madrugada. Só assim Cartola cede aos nossos carinhos. Mas a gente tem paciência. Um dia, quem sabe, ele não topa um chamego às claras?

Pra quem está lendo a coluna pela primeira vez, um resumo curto e grosso: eu e meu marido resgatamos o Cartola, seis meses atrás, de uma casa abandonada. Na minha primeira coluna eu contei tudo em detalhes.

O gato Noel foi resgatado junto com Cartola — Foto: ( Giuliana Girardi/ Arquivo pessoal)
O gato Noel foi resgatado junto com Cartola — Foto: ( Giuliana Girardi/ Arquivo pessoal)


Claro que foi com a ajuda de muita gente que isso foi possível. Junto com o Cartola a gente pegou também o Noel, irmão dele, que é bem mais sociável. Não precisamos de todas essas preliminares, madrugada adentro, para conseguir fazer um carinho nele. Noel se aconchega no meu colo, sobe no computador enquanto digito, aparece na reunião online se a gente chamar, se apresenta a todo momento. É o gato que eu sempre sonhei ter. Carente, carinhoso, brincalhão, alegre, disposto, engraçado.

A nossa casa ficou muito mais divertida com essa dupla, mas também tem parecido um território em zona de conflito constante. Explico. Noel e Cartola não chegaram num terreno desocupado. Antes deles já existia a Menina, nossa primeira gatinha.

Fizemos tudo super devagar. Como eu tenho um podcast sobre animais no G1 em parceria com o Fantástico - Bichos na Escuta - sabia como conduzir essa introdução. Primeiro, a Menina só sentiu o cheiro deles. Depois, viu os dois de longe. E, por último, teve contato.

Mas ela ainda está com muito ciúme. Os dois chegaram bem pequenos, filhotes. E filhotes são cheios de energia. Destruíram a casinha de papelão da Menina. Querem comer a comida da Menina a qualquer custo. Correm atrás da Menina sem parar. Querem pegar o rabo da Menina e por aí vai. Antes, tínhamos uma gata dona do pedaço e uma casa relativamente em ordem. Hoje, temos um rasgador de lençóis rondando os quartos, um ladrão de pães sempre à espreita na cozinha e aquela que era a mandachuva mais sossegada do planeta tem se mostrado pra gente uma “onça fazedora de fuuuu”. Entendedores de gato entenderão!

A casinha de papelão da Menina destruída por Cartola e Noel — Foto: ( Giuliana Girardi/ Arquivo pessoal)
A casinha de papelão da Menina destruída por Cartola e Noel — Foto: ( Giuliana Girardi/ Arquivo pessoal)


É bom lembrar que estamos falando de uma gata que já saiu da adolescência, passou pela vida adulta e é uma jovem senhora. Menina tem mais de sete anos, calculamos. Como ela também foi resgatada da rua é difícil saber.

Tem sido bem desafiador encontrar a medida certa entre dar atenção para eles, chamar a atenção deles e dar carinho para Menina. Gatos se toleram. Se eles se tornarem amigos é lucro. Diariamente tem um arranca-rabo aqui, outro arranca-rabo ali, mas nunca presenciamos briga feia. No máximo um quiproquó leve para gerenciar.

No geral, a Menina é sempre muito maternal com eles. Se a mãezinha do Noel e do Cartola pudesse ver como ela se comporta com seus filhos, acho que aprovaria essa relação.
Eu tinha prometido falar para vocês sobre o destino da mãe dessa duplinha.

Ela foi resgatada dias depois deles. Foi castrada, vermifugada e acabou se tornando uma gata comunitária. Como sempre viveu na rua ela é muito arisca. Não se acostumaria dentro de um apartamento. Todos os dias eu e o Fábio damos comida para ela, colocamos água e mesmo fazendo isso diariamente, por meses, nunca conseguimos uma aproximação com ela. Talvez venha daí a desconfiança nível hard do Cartola.

A gata Menina é muito maternal com os "irmãos" Cartola e Noel — Foto: ( Giuliana Girardi/ Arquivo pessoal)
A gata Menina é muito maternal com os "irmãos" Cartola e Noel — Foto: ( Giuliana Girardi/ Arquivo pessoal)


A mãezinha deles está no nosso radar diário. Do décimo quinto andar do prédio, usando binóculos, a gente acompanha os passos dela. Na casa térrea que ela escolheu pra viver a gente vê a mãezinha andando pelo telhado, percorrendo a laje e se esfregando no chão do quintal nos dias de sol.

Sempre que isso acontece, eu levo o Noel até a janela e o coloco numa tábua que meu pai construiu e que fica apoiada ali. É tipo a varanda dos gatos, um cantinho pra acompanhar o movimento na rua. Explico pro Noel que a mãezinha dele está lá embaixo, fico narrando o que ela está fazendo naquele momento. Digo que ela está sendo cuidada, que nunca vai faltar comida para ela.

Na minha visão romântica, Noel entende tudo. Parece acompanhar cada passo da sua mãezinha. Parece até trocar um rápido olhar com ela, mas isso só até uma moto barulhenta passar na rua e desviar completamente a atenção dele.

Giuliana Girardi e a gata Menina — Foto: ( Giuliana Girardi/ Arquivo pessoal)
Giuliana Girardi e a gata Menina — Foto: ( Giuliana Girardi/ Arquivo pessoal)

Giuliana Girardi é jornalista, repórter do Fantástico e apresentadora do podcast Bichos na Escuta.

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