Comportamento

Por Por Yara Guerra


Justamente porque sofrem muitas ameaças, as tartarugas marinhas depositam muitos ovos por temporada de reprodução — Foto: ( Unsplash/ Marc-André Julien/ CreativeCommons)
Justamente porque sofrem muitas ameaças, as tartarugas marinhas depositam muitos ovos por temporada de reprodução — Foto: ( Unsplash/ Marc-André Julien/ CreativeCommons)

Costumamos assistir, de nossas casas ou mesmo da praia, o espetáculo que é a lua cheia: o astro incólume "nasce" no horizonte enquanto sua luz dourada inspira centenas de milhares de fotografias ao redor do mundo.

Ao mesmo tempo, devido à força gravitacional que a lua exerce sobre a Terra, a maré está em seu ponto mais alto. Todo esse arranjo permite um fenômeno, muitas vezes, despercebido: as tartarugas marinhas atravessam o recife e sobem a costa da região onde, 30 anos antes, elas nasceram.

É ali que também cavarão um ninho de cerca de 60 centímetros e depositarão em torno de 120 ovos. A escolha do turno não é mero acaso: à noite há menos predadores e menos calor, o que facilita o trajeto da mãe.

Nas palavras de Rafaely Nayanna, coordenadora do Projeto Tamar em Fernando de Noronha (PE), as mamães tartarugas entram em um "estado de transe" – ficam tão concentradas em cavar um ninho que chegam a demorar até duas horas para finalizar o processo e retornar ao mar.

Além disso, elas também esperam o momento perfeito para encarar a travessia terrestre. Segundo Max Rondon Werneck, médico-veterinário e doutor em biologia, pode ocorrer também um fenômeno chamado de meia-lua.

"É quando as tartarugas sobem [a costa] e, por algum motivo, não se sentem à vontade com aquela situação, talvez porque avistaram algum animal ou pressentiram algum perigo. Então elas voltam para o mar e depois sobem novamente", explica.

A mãe tartaruga espera o momento ideal para sair do mar e depositar os seus ovos na areia — Foto: ( Unsplash/ Constanza S. Mora/ CreativeCommons)
A mãe tartaruga espera o momento ideal para sair do mar e depositar os seus ovos na areia — Foto: ( Unsplash/ Constanza S. Mora/ CreativeCommons)

Uma vez aninhados, os ovos dependem da temperatura da areia para chegar ao momento da eclosão. Em anos mais chuvosos, como este, o tempo costuma ser mais longo – mas a média é de dois meses, segundo a médica-veterinária Cecília Baptistotte, doutora em ecologia aplicada e analista ambiental do ICMBio.

"As fêmeas podem subir várias vezes em uma mesma temporada, podendo colocar até 4 mil ovos", diz Cecília, que p ossui experiência com conservação de tartarugas marinhas.

O número pode surpreender, mas nada mais é que uma estratégia sábia da natureza. Ao menos é nisso que Max acredita:

"Nós, humanos, cuidamos de um ou dois filhotes durante muito tempo ao longo da vida. Esse cuidado parental é uma estratégia. Já a tartaruga e outros répteis depositam o máximo possível de ovos para que, no futuro, os animais sobrevivam. Há, inclusive, um trabalho que diz que, a cada mil filhotes nascidos, apenas um chega à idade adulta", explica.

Maratona pela vida

Os filhotes ascendem juntos à superfície e caminham em direção ao mar de uma vez só — Foto: ( Unsplash/ Josué Soto/ CreativeCommons)
Os filhotes ascendem juntos à superfície e caminham em direção ao mar de uma vez só — Foto: ( Unsplash/ Josué Soto/ CreativeCommons)

Depois de aproximadamente 4 dias buscando, em conjunto, a superfície da cova onde foram depositados, os filhotes encontram a praia – geralmente à noite. Começa então uma série assustadora de desafios em seu caminho para o mar.

Para começar, embora à noite haja menos predadores à espreita, ainda há quem possa caçar sob a luz da lua, como aves marinhas e caranguejos. Estes últimos, inclusive, podem ser bem gulosos: na reserva ambiental de Atol das Rocas (RN), uma das regiões onde ocorre a desova de tartarugas marinhas no Brasil, já foram vistos caranguejos levando mais de um filhote de tartaruga para dentro da toca, como forma de "estoque".

A lista de predadores inclui também raposas, tejos e tatus, que podem se alimentar dos ovos.

"A estratégia de saírem todos os filhotes do ninho juntos contribui para o sucesso, porque se saem 50 de uma vez, um vai atrasando os predadores enquanto os outros vão caindo na água", diz Max.

A tendência é que eles caminhem direto para o mar, guiados pelo brilho que é refletido nas ondas. Por isso que, nas praias onde ocorre a desova, a iluminação é limitada.

"A queda da onda, no horizonte, é mais clara que a areia e é isso que os orienta para o mar, então, se houver qualquer iluminação atrás da praia – seja de uma avenida ou alguma área residencial –, eles se desorientam. Ao invés de irem para o mar, os filhotes entram na restinga ou atravessam a avenida e são atropelados. Se alguém passar por cima do ninho, ele também pode ser compactado. São muitas ameaças aos filhotes", explica Cecília.

Tartarugas marinhas costumam voltar à mesma região onde nasceram para desovar — Foto: ( Unsplash/ Joshua J. Cotten/ CreativeCommons)
Tartarugas marinhas costumam voltar à mesma região onde nasceram para desovar — Foto: ( Unsplash/ Joshua J. Cotten/ CreativeCommons)

Foi o que aconteceu uma vez enquanto Max trabalhava com a coleta de sangue de tartarugas em uma estação de pesquisa perto da praia. A noite estava escura e a única luz que havia era na casa onde ele e sua equipe estavam.

"De repente, começou a aparecer um monte de filhotes de tartaruga próximo à casa, justamente porque eles estavam sendo atraídos pela luminosidade. Daí apagamos tudo e demos um jeito de eles irem para o mar", conta.

Ali na água, porém, os desafios continuam: a maré alta facilita a atração de peixes grandes, como tubarões, que predam também tartarugas, além de todos os outros animais que vagueiam em busca de presas fáceis.

"Quando o filhote nasce, ele ainda tem um pouco de vitelo na barriga, que é um resquício alimentar. Então ele tem uma certa autonomia para poder nadar nas próximas 30 horas, o mais longe possível da praia. Caso fique retido na areia, o animal vai acabar consumindo o vitelo e, ao chegar na água, não vai conseguir fazer aquela natação que deveria", comenta ainda o biólogo.

Anos perdidos e juventude

As tartarugas marinhas passam anos flutuando pelo mar com hábitos onívoros até atingirem a maturidade — Foto: ( Unsplash/ Oleksandr Sushko/ CreativeCommons)
As tartarugas marinhas passam anos flutuando pelo mar com hábitos onívoros até atingirem a maturidade — Foto: ( Unsplash/ Oleksandr Sushko/ CreativeCommons)

Se a maratona até o mar for bem-sucedida, estes filhotes passam a viver o que se chama de "anos perdidos" – porque somem do mapeamento dos pesquisadores. Acredita-se, porém, que eles se movam de acordo com as correntes oceânicas, já que não têm natação ativa.

"Provavelmente eles vão para alto mar e ficam flutuando junto com o plâncton. Nesta fase da vida, são animais onívoros – ou seja, eles se alimentam de qualquer coisa que apareça e vivem na camada mais superficial do mar, flutuando", explica Max.

Quinze anos depois (ou mais, de acordo com a espécie), porém, seus hábitos mudam. "Quando elas começam a atingir a juventude, migram para as áreas de alimentação que ficam nas zonas pelágicas e costeiras – depende de cada espécie", explica Rafaely.

As tartarugas-cabeçudas, por exemplo, costumam se deslocar até o Rio da Prata, entre o Uruguai e a Argentina, se alimentando por todo o sul do país. Mas há também quem prefira se alimentar em plataformas continentais, como as tartarugas-de-pente, e há quem ouse cruzar o Atlântico, chegando quase na África.

Quando atingem aproximadamente 30 centímetros de comprimento, estes bichos alteram o seu padrão de alimentação. "As tartarugas se tornam predominantemente herbívoras, passando a se alimentar de plantas e algas marinhas, e migram para as áreas mais rasas", diz Cecília.

É importante que os seres humanos não interfiram no processo de caminhada dos filhotes ao mar para não atrapalhar o imprinting. Na foto, a placa alerta para a conservação dos ninhos na Flórida, EUA — Foto: ( Unsplash/ Nong V/ CreativeCommons)
É importante que os seres humanos não interfiram no processo de caminhada dos filhotes ao mar para não atrapalhar o imprinting. Na foto, a placa alerta para a conservação dos ninhos na Flórida, EUA — Foto: ( Unsplash/ Nong V/ CreativeCommons)

A próxima fase da vida é a de reprodução, quando machos e fêmeas adultos migram e copulam com diversos indivíduos. As fêmeas grávidas então retornam à região costeira onde nasceram, orientadas pelo campo magnético da Terra.

"Alguns pesquisadores acreditam que, na corrida do ninho até a água, estes animais acabam sofrendo o processo de imprinting, que os permite lembrar, mais tarde, para onde retornar", diz Max.

Qual o nosso papel nisso tudo?

Interferir no processo de desova e nascimento das tartarugas marinhas, portanto, pode desorganizá-las biologicamente. Segundo Rafaely, "é necessário que o filhote caminhe até o mar para que consiga registrar as características da praia e, se for fêmea, voltar para a desova. Além disso, a caminhada ajuda no fortalecimento dos filhotes".

Hoje em dia, há diversas portarias e leis que atentam para a iluminação das praias onde a desova ocorre. Ainda assim, é importante reiterar que o brilho do mar deve ser a única luz no ambiente para que os pequenos animais sejam orientados da forma correta e façam uma caminhada segura ao mar.

Não se deve tocar nos filhotes de tartaruga e nem distrai-los com luminosidade indevida — Foto: ( Unsplash/ Daria Gordova/ CreativeCommons)
Não se deve tocar nos filhotes de tartaruga e nem distrai-los com luminosidade indevida — Foto: ( Unsplash/ Daria Gordova/ CreativeCommons)

Caso presencie a eclosão de ovos de quelônios marinhos e queira observar o fenômeno, mantenha-se distante e não toque nos animais, mesmo que queira "ajudá-los". Os desafios que enfrentam fazem parte de sua natureza e eles são parte da cadeia alimentar de toda uma população ecológica – justamente por isso há um equilíbrio em seu nascimento, quando nascem dezenas de animais por vez.

Max lembra também de outro ponto importante para preservar estas espécies: o descarte correto do lixo. "Algo simples, que parece banal, é uma coisa que eu escutei de um professor há muitos anos. 'Quais são os locais mais baixos do planeta Terra? Os oceanos'. Então, se você estiver no alto e jogar um pedaço de papel lá de cima ou um plástico que leva 500 anos para ser degradado, em algum momento, com a chuva, ele vai cair no oceano. Com isso, não apenas as tartarugas sofrem, mas também as aves, os tubarões, os peixes, os cetáceos, os grandes mamíferos…", diz.

A pesca predatória também é uma atividade a ser evitada. O biólogo levanta outra questão: embora seja chocante, a predação não leva ninguém à extinção. "O que causa a extinção é a nossa interferência. Antigamente, as pessoas viam uma fêmea desovar e roubavam os ovos, matavam a fêmea. Com isso, há a destruição em potencial, porque você mata uma fêmea que sobreviveu até à fase adulta, o que levou quase 30 anos para acontecer. E evita que ela se reproduza mais vezes", explica.

Lembrando que as fêmeas podem desovar até seis vezes em uma mesma temporada, então se alguém a mata na primeira desova, evita-se outras cinco naquela temporada e por todos os outros anos. "Ao roubar um ninho, cerca de mais cem animais são retirados da natureza", completa Max.

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