• Filipe Batista (@filipebatistapsiquiatria)
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Celular (Foto: TYRONE LEBON)

Os efeitos do metaverso na saúde mental (Foto: TYRONE LEBON)

Metaverso é a nova empreitada anunciada pelo Facebook, que agora passa a se chamar Meta, em alusão ao termo. O que é e de que maneira o metaverso poderá afetar nossa saúde mental? Trata-se de uma espécie de realidade paralela, um híbrido de realidade virtual e realidade aumentada, onde as pessoas terão uma experiência de imersão e poderão interagir umas com as outras por meio de seus avatares, mesmo que estejam distantes fisicamente. Para isso, utilizarão dispositivos de realidade virtual, como os óculos do futuro.

Ricos industriais governam uma grande cidade a partir de arranha-céus, enquanto trabalhadores subterrâneos operam as máquinas que fornecem energia ao local. Trata-se de Metrópolis, cidade futurística do clássico homônimo de ficção científica dirigido por Fritz Lang e lançado em 1927. Quase 100 anos atrás, Metrópolis anteviu o futuro e a possibilidade de sermos engolidos por nossas próprias criações.

A ligação entre homem e máquina, muito retratada na literatura e no cinema, sempre exerceu fascínio e ganha sua versão mais intrigante na loucura. Acreditar que suas ideias podem ser transmitidas através dos sinais de TV e rádio, delirar que chips de rastreio foram implantados em seus cérebros ou que seus pensamentos são capturados via internet e compartilhados nas redes sociais: casos extremos de psicose nos quais a mente humana liga-se patologicamente ao aparato e ao conteúdo tecnológico.

O metaverso pode significar uma preocupação especial no que diz respeito a esses pacientes, dada sua experiência digital mais imersiva, o que também acende um alerta sobre seu uso para a prática de cyber bullying, mas não apenas. Não é novidade que a internet e as mídias sociais estão implicadas na piora da saúde mental das pessoas em todo o mundo. O entendimento de que o metaverso não caminhará distante dessa lógica potencialmente intoxicante e prejudicial é absolutamente previsível.

Após as denúncias de Frances Haugen, que apresentou documentos sinalizando que o Facebook ignorou alertas sobre o dano social criado por seus produtos, aumentou a pressão sobre a atual Meta e outras gigantes de tecnologia quanto à responsabilização e implementação de práticas que envolvam atenção à saúde mental de seus usuários. Mas a própria lógica mercadológica e algorítmica, onde ganha quem captura mais a nossa atenção, é o entrave para que medidas mais efetivas sejam tomadas.

Claro que a tecnologia possui também uma infinidade de usos benéficos. Foi a partir dela que pudemos nos manter mais próximos, e até realizar consultas e terapias on-line durante a pandemia. Além disso, já existem projetos que estudam o uso de inteligência artificial como ferramenta diagnóstica em saúde mental e de realidade virtual no contexto psicoterápico. Não se trata de saudosismo analógico, mas de entender como lidar melhor com a tecnologia e tomar o controle.

Não é difícil acreditar que a inteligência artificial nos ultrapassará em diversos aspectos. Embora os computadores jamais aprendam a dimensão humana em sua complexidade, nossa capacidade intelectiva é limitada. A partir da linguagem, somos capazes de pensar, expressar sentimentos, contradições e criar laços afetivos exatamente porque nossa mente não opera racionalmente e sob controle o tempo todo. Passamos longe de seres meramente racionais. Somos mais permeados por associações livres, fantasias, devaneios e sonhos do que por razão, método e lógica.

As transformações provocadas pela revolução digital ocorrem rapidamente, sem que tenhamos tempo suficiente para processar o impacto delas em nossas vidas. Hoje, cada vez mais, parece plausível pensar em uma relação colada entre mente e tecnologia, uma espécie de simbiose. Se o cinema previu um futuro com robôs androides à semelhança humana, o metaverso traz um novo ponto: teremos humanos submetidos à experiências e ferramentas que nos aproximarão cada vez mais de robôs. Uma mudança drástica na maneira como interagimos com a realidade e uns com os outros, e também no entendimento sobre a nossa própria subjetividade.

O uso de certas plataformas digitais tornou-se tão naturalizado e imprescindível que raramente lembramos que se trata de um serviço prestado por empresas privadas. Os principais conglomerados de tecnologia que monopolizam o mercado digital, além de interferirem diretamente na saúde mental e nos arranjos sociopolíticos do mundo todo, parecem determinar também qual será nossa próxima necessidade, muito antes de pensarmos sobre seu benefício. A pergunta é: estamos preparados, ou melhor, desejamos o metaverso?