• GUILHERME DE ALBUQUERQUE / CAMILLA BELLO (@CAMILLABELLO)
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Um dos primeiros de Pernambuco a tomar vacina contra a Covid-19, o fisioterapeuta recifense Guilherme de Albuquerque, de 43 anos, está há 10 meses atuando na linha de frente (Foto: Divulgação)

Um dos primeiros de Pernambuco a tomar vacina contra a Covid-19, o fisioterapeuta recifense Guilherme de Albuquerque, de 43 anos, está há 10 meses atuando na linha de frente da pandemia (Foto: Divulgação)


Ter tido a oportunidade de ser uma das primeiras 50 pessoas a tomar a vacina contra Covid-19 no meu estado, Pernambuco, foi um grande alívio para mim e para a minha família. Que bem diga a minha esposa, Cida, que passou os últimos 10 meses preocupada com as possibilidades de me perder para a doença e de que o nosso filho, Daniel, de 5 anos, tivesse que crescer sem pai. Tudo isso enquanto segurava a onda sozinha em casa. 

Tendo que me dedicar constantemente a 48 horas seguidas de trabalho e, nos tempos mais difíceis, até 82 horas semanais, eu já não estava mais tão presente quanto eles eram acostumados e mereciam. Diante deste cenário, me manter a salvo e o mais são possível se tornou uma meta diária, um compromisso mental que firmei comigo mesmo por e para eles.

Atuando em alguns dos casos mais difíceis da pandemia, meus colegas e eu certamente lembraremos da terça-feira, 19 de janeiro de 2021, como o dia em que pudemos por um instante deixar de lado a exaustão e a correria insana para finalmente... respirar.

Foi nessa data que a vacinação começou em maior escala no Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em Recife, um dos três em que dou plantão, todos em UTI de Covid. Como fisioterapeuta, acompanho os pacientes graves desde a admissão, às vezes na parte motora, mas principalmente nas questões relacionadas ao desconforto respiratório, incluindo graduação da oxigenação e auxílio nas tão temidas intubações e ventilações mecânicas.

Um dos primeiros de Pernambuco a tomar vacina contra a Covid-19, o fisioterapeuta recifense Guilherme de Albuquerque, de 43 anos, está há 10 meses atuando na linha de frente (Foto: Divulgação)

Um dos primeiros de Pernambuco a tomar vacina contra a Covid-19, o fisioterapeuta recifense Guilherme de Albuquerque, de 43 anos, está há 10 meses atuando na linha de frente da pandemia (Foto: Divulgação)

O ato de inspirar e expirar, que deveria ser tão simples e inerente do corpo humano, perdeu seu ritmo natural com a chegada da doença por aqui. E não só para os pacientes.

Em um primeiro momento, com o surgimento gradual de casos na cidade e a necessidade de profissionais qualificados atuando, conversei com a minha esposa, também fisioterapeuta, e decidimos juntos que apenas eu iria para a linha de frente, visto que já possuía experiência com pacientes críticos. Essa também foi uma maneira que encontramos para proteger nosso filho: não poderíamos correr o risco dos dois contrairem a doença ao mesmo tempo e deixá-lo desamparado. 

Já na prática, por sorte, a falta de EPIs não foi tão sentida nos hospitais em que trabalhei e trabalho ainda hoje. A dificuldade inicial foi de nos acostumarmos a ficar horas a fio inteiramente paramentados. Ao contrário da realidade de muitos outros lugares, sempre tivemos, materialmente falando, praticamente tudo o que precisávamos. Mas faltava algo crucial e frustrante para todos: informações atualizadas de como ajudar efetivamente cada paciente. Muitas vezes foi difícil decidir qual caminho seguir, houve momentos em que parecíamos estar trabalhando no escuro. Atualmente esse cenário melhorou e, ainda que dúvidas existam, a experiência da 'primeira onda' nos fez entender melhor o manejo técnico.

Por trabalhar em UTI, sempre estive perto da morte, do luto, mas a escala de pacientes perdidos durante a pandemia é descomunal em comparacão a todos os meus anos de profissão. Nos primeiros momentos, ainda se achava que somente as pessoas mais velhas e membros do grupo de risco morriam de complicações causadas pelo novo vírus. Na prática, infelizmente, não foi isso que vivenciamos. 

Lembro como se fosse hoje de um plantão em que perdemos quatro pessoas em uma só noite, o que, antes, não era comum. Em outra ocasião, diante das condições apresentadas, não conseguimos fazer nada para salvar a vida de uma menina de apenas 19 anos. Ainda que não nos conhecêssemos fora daquele ambiente, ao acompanhar a situação, senti como se estivésse perdendo uma pessoa da minha própria família.

Um dos primeiros de Pernambuco a tomar vacina contra a Covid-19, o fisioterapeuta recifense Guilherme de Albuquerque, de 43 anos, está há 10 meses atuando na linha de frente (Foto: Divulgação)

Um dos primeiros de Pernambuco a tomar vacina contra a Covid-19, o fisioterapeuta recifense Guilherme de Albuquerque, de 43 anos, está há 10 meses atuando na linha de frente da pandemia (Foto: Divulgação)

Mesmo que nunca tenha sido uma pessoa dada a angústias, o medo de pegar a doença, e principalmente de passá-la adiante, tomou conta de mim. E, por mais que tivesse me protegido com todos os cuidados necessários, acabei me contaminando dois meses após começar a atender em um hospital de campanha. Meus sintomas foram leves, e ainda assim o tempo durante o isolamento pareceu uma eternidade, já que a experiência que tive administrando casos graves ecoava em minha cabeça. Foi um período em que fiquei constantemente em total estado de alerta e tensão.

Não consigo definir ou entender ainda quais serão as sequelas na minha saúde mental por  todo esse tempo vivendo na linha de frente do combate ao vírus. Talvez no futuro tenha alguma resposta. Neste momento, apenas tento não deixar a minha vida pessoal desandar.

O fato é que os últimos meses não foram nada fáceis para quem trabalha em hospital. Foram exaustivos física e mentalmente. Mas, mesmo que ainda tenhamos um longo caminho a percorrer, o início da vacinação traz a esperança de que dias melhores, finalmente, estão por vir.

A sensação de alívio por ter recebido a primeira dose é real e marca o início de uma nova fase, tanto na minha vida, como na daqueles que me cercam. Saber que logo estarei protegido e protegendo minha família é muito importante, principalmente para quem viu o que eu vi nesse último ano.

Os fisioterapeutas Guilherme de Albuquerque e Cida Chaves, e seu filho, Daniel  (Foto: Divulgação)

Os fisioterapeutas Guilherme de Albuquerque e Cida Chaves, e seu filho, Daniel (Foto: Divulgação)

Sei que ainda teremos tempos difíceis e desafiadores pela frente. Vai demorar muito tempo até que a doença seja controlada, que todos possam ser vacinados e que a população deixe de estar vulnerável ao vírus da Covid-19. Até lá, as precauções seguem as mesmas.

E não cabe a mim julgar, mas para aqueles que se colocam em risco por festas ou prazeres, de verdade, apenas desejo mais empatia e consciência coletiva.