Vogue Repórter

Por Claudia Giudice

“Eu achava que não tinha medo da morte até engravidar e ser mãe. Eu achava que não tinha medo da morte até saber que minha mãe desistiria da quimioterapia e enfrentaria o câncer de endométrio do jeito que fosse. Eu achava que não tinha medo da morte até saber que meu pai também tinha um tumor no pulmão e muitas metástases. Eu achava que não tinha medo da morte até perdê-los. Primeiro um, depois o outro, em um período de apenas seis meses, sendo três deles durante a pandemia de Covid-19.

Eu achava que não tinha medo da morte porque eu não sabia como se morre. Sabia menos ainda como era morrer de câncer, a doença que na minha infância era denominada 'a coisa'. Eu achava que não tinha medo da morte porque nasci no Dia dos Mortos (2.11) e me achava experiente. Eu achava que não tinha medo da morte porque quase morri mais de uma vez, entre acidentes e problemas de saúde. Durante alguns anos, achava que estava morrendo a todo instante. Eu também achava que não tinha medo da morte porque considerava ter morrido quando perdi o emprego de uma vida. Por isso, quando escrevi o primeiro texto sobre a morte e a doença dos meus pais, fui infantil, pretensiosa, ridícula. Tão ridícula que sinto aquele calor de vexame sempre que releio.

Escrever é o meu jeito de lidar com a vida, com a dificuldade e com meus sentimentos mais profundos e complexos. Comecei a escrever por vício. Sempre que algo me aflige, me preocupa, me dói muito, eu escrevo. É um jeito de colocar para fora o medo, os fantasmas, a preocupação, o sofrer. Em geral, funciona. Dessa vez, serviu de conforto no princípio. Mas as dores, a angústia e a aflição foram maiores que o verbo. Parei. Calei. Foram 11 meses de silêncio. Só consegui voltar ao assunto quando a dor do luto diminuiu um pouco e o mundo voltou a ter cor. Precisei de cuidados e muita terapia.

Claudia Giudice com os pais, Marina e Paulo — Foto: Arquivo Pessoal
Claudia Giudice com os pais, Marina e Paulo — Foto: Arquivo Pessoal

Decidi escrever um livro, que batizei de 'Sem pai nem mãe' (Editora Máquina), porque acho que pode fazer bem a alguém que esteja passando por uma experiência parecida com a minha. Fiz um diário. Reuni memórias. Conversas por WhatsApp. Anotações em guardanapo, papel de pão e agenda. A escrita não é literal nem cronológica, mas contém sentimento, emoção e muito amor. Descobri que a solidão de quem convive com quem está doente e sabe que vai morrer é grande. Profunda. As angústias são monumentais. Se na época eu soubesse o que sei hoje, tenho certeza de que teria feito mais e melhor por meus pais. Na vida e na morte, o tempo certo é o hoje. O tempo do amor. Só ele importa.

Quando meus pais ficaram doentes, entendi que era o momento de mudar tudo. Deixar o trabalho em segundo plano. Parar a vida no estacionamento. Cuidar de Paulo e Marina se tornou a minha prioridade. Chico, meu filho, foi um grande companheiro nessa jornada de amor e luto. Convivemos intensamente. Quarenta anos depois de sair de casa, meu pai voltou a morar comigo. Foi o jeito que encontrei para preservar minha mãe, que sempre foi absolutamente dedicada a ele e que por causa do câncer estava sem forças para cuidá-lo. Paulo se mudou para meu apartamento. Marina ficou sozinha no cantinho deles. Durante o dia, elas ficavam juntos como sempre fizeram nos 60 anos de namoro e casamento. Graças a esse arranjo, tive o privilégio de conviver com meu pai e lhe proporcionar alguns pequenos prazeres, como ter o controle absoluto do controle remoto da televisão e a liberdade de fazer e comer o que quisesse. Pena que à essa altura, a doença já lhe tivesse tirado o apetite.

Em livro, a jornalista Claudia Giudice fala sobre a perda dos pais para o câncer no período de seis meses — Foto: Divulgação
Em livro, a jornalista Claudia Giudice fala sobre a perda dos pais para o câncer no período de seis meses — Foto: Divulgação

Quando meu pai partiu (em novembro de 2019), dormindo de mãos dadas comigo, depois de decidir pelos cuidados paliativos, que permitiram uma despedida serena e sem dor, eu nasci de novo. Como? Sinto que renasci como a filha que a minha mãe nunca pediu nem moldou, mas que ela mereceu ter. Decidi me dedicar a ela até o fim. Vivemos seis meses juntas, como quando eu era criança e ela, uma jovem mulher. Viajamos, moramos na mesma casa, compartilhamos as refeições. Fomos ao clube, ao cinema, passeamos no shopping. Andamos por São Paulo para resolver burocracias do inventário de meu pai. Fomos motorista do meu filho Chico com muita alegria. Em dezembro daquele ano, ela foi comigo para a Bahia. Pela primeira vez em quatro décadas, passamos juntas o Natal, o Réveillon e o Carnaval. Na maior parte do tempo, cuidei dela como ela cuidou de mim. Foi divertido. Foi alegre. Foi emocionante. Foi difícil. Foi triste. Foi uma das melhores coisas que fiz por mim.

O câncer, no entanto, não dá trégua. Ela quis desistir da quimioterapia, apostou em um milagre e pagou caro por isso. Sofreu como nunca pensei que fosse possível sofrer. Teve dores terríveis, ênjoos, mal estar e, principalmente, uma angustia infinita por não entender como aquilo podia estar acontecendo com ela. Às vésperas de se internar para receber cuidados paliativos mais intensos no hospital — a morfina que eu carregava nos bolsos não mais dava conta de tanta dor — ela repetia, insistentemente a pergunta: 'Como eu fiquei assim?' Minha mãe sempre foi linda, educada e gentil. Fazia o impossível para ser impecável, perfeita e controlar tudo. A doença tirou o seu poder. Ela lutou, resistiu e perdeu.

Depois da partida dela (em maio de 2020), fui eu quem precisou de cuidados. Estavamos na pandemia. Tola, fugi de São Paulo, acreditando que na minha pousada em Arembepe, na Bahia, de frente para o mar, minha alma ia ficar sem relevo. Errei feio. A dor me achou e me embalou. Foram dois anos de resgate. Pedi ajuda. Comecei minha análise, de máscara e por Zoom, exatamente um ano depois que soube que meu pai e minha mãe eram doentes terminais. De lá pra cá, fiz perfurações e terraplanagem. Com meu trator, pá e cavador, tirei muita terra. Escavei. Fiz novos caminhos. Retomei antigos. E sim, chorei, chorei, até ficar com dó de mim. Havia chegado a minha vez de sentir. De despir a armadura. Jogar fora o elmo e a lança. A guerra contra a coisa havia acabado. Agora era eu contra os meus demônios. Agora era a minha hora de falar de amor. De amar meu pais e sentir o amor deles por mim. Incondicionalmente."

LANÇAMENTO EM SÃO PAULO
Quinta-feira, 5 de outubro, a partir das 19h, na Livraria da Travessa do Shopping VillaLobos (Av. Dra. Ruth Cardoso 4777, 2º piso, Jardim Universidade Pinheiros)

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