Vogue Repórter

Por Depoimento de Ana Lúcia Langer

Me formei médica em 1981 pela Escola Paulista de Medicina, e dois anos depois me especializei em pediatria. Em 1985 dei à luz gêmeos, o Leo e a Clarissa e tive complicações no parto, o que gerou sofrimento fetal para o Leo.

Por volta dos dois anos, ao realizar uma cirurgia para retirada das amídalas, ele teve um acidente anestésico. Quando eu observava algum atraso no seu desenvolvimento, pensava que fosse por conta daquelas ocorrências. Até que, quando Leo tinha quatro para cinco anos, ele chegou para mim e disse: “Mãe, eu caio muito. Não está na hora de você me levar ao ortopedista?”. No fundo, eu até considerava que pudesse ser algum tipo de distrofia muscular, mas naquele momento em que ele me questionou, toda aquela minha negação foi estampada na minha cara como um tapa dado pelo meu próprio filho.

Lembro ainda hoje da expressão do primeiro médico que atendeu o Leo. Ele me olhava com uma cara de pena. Hoje isso tem nome: capacitismo. Mesmo sendo acostumada a dar notícias não muito felizes para as famílias dos meus pequenos pacientes, a confirmação do diagnóstico foi um choque. Leo foi diagnosticado com distrofia muscular de Duchenne (DMD).

De forma resumida, a DMD é uma doença genética e hereditária rara, que acomete principalmente meninos que, por conta de uma mutação no gene, gera fraqueza muscular progressiva, desde a primeira infância e, quando não tratada, pode levar à morte, devido complicações com o avanço da doença.

Ana Lúcia Langer e o filho, Leo — Foto: Arquivo Pessoal
Ana Lúcia Langer e o filho, Leo — Foto: Arquivo Pessoal

Eu fiquei desesperada. Na época, final da década de 1980 e início da de 1990, a recomendação era ficar em casa e esperar a morte da criança. Recebi negativas mesmo de especialistas internacionais. Diziam que não tinham o que fazer. Como toda mãe, passei seis meses chorando.

Passado o luto, arregacei as mangas e me recusei a aceitar aquela sentença. Comecei a estudar a doença, a anatomia do músculo e me comprometi a mudar essa história. Fui atrás de cuidados para que meu filho não tivesse o mesmo destino de tantos outros meninos com a mesma condição.

Me correspondia por cartas com colegas médicos no exterior, como na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Argentina, que estavam um pouco mais avançados em termos de manejo de pacientes e testavam o uso de medicamentos. Estudei os benefícios do uso de corticoides no tratamento farmacológico da DMD, bem como cada uma das comorbidades causadas pela doença, como o comprometimento dos sistemas respiratório e cardíaco.

Ana Lúcia com a família em foto no início dos anos 90 — Foto: Arquivo Pessoal
Ana Lúcia com a família em foto no início dos anos 90 — Foto: Arquivo Pessoal

Compartilhava minhas descobertas com outras mães e pais, que se identificaram comigo. Então comecei a atender outras crianças. Confesso que foi difícil em muitos momentos, inclusive de atender outras crianças. A cada conversa com uma mãe ou um pai quando me contavam o que acontecia com seus filhos, era como reviver a minha própria história. Eu sabia como era o final e isso é muito complicado. Acabava que as mães me viam como mãe delas. Para seguir em frente, eu reunia forças e buscava me fortalecer no meu propósito como médica, guiada pela ciência.

O passo seguinte foi a criação de um grupo de pais, que evoluiu para a da Associação Paulista de Distrofia Muscular, que presido até hoje. Passei a me desdobrar, já que era mãe de uma criança com DMD, o que envolve uma enorme responsabilidade prática e uma alta carga emocional, líder de associação, lutando por direitos para as famílias de pacientes, e médica em busca de avanços na medicina para manter os meninos vivos.

Ana Lúcia Langer em viagem com a família — Foto: Arquivo Pessoal
Ana Lúcia Langer em viagem com a família — Foto: Arquivo Pessoal

As principais conquistas ao longo desses mais de 30 anos foi a organização da sociedade civil em prol de direitos das pessoas afetadas e apoio aos seus familiares. Nesse sentido, a conscientização sobre a doença, bem como a busca pelo diagnóstico precoce são essenciais para garantir mais qualidade de vida para esses garotos.

O Leo foi meu guia em cada passo desse processo e também nas nossas viagens pelo mundo, uma das suas paixões e também minha. A cadeira de rodas não era um limitador para ele. Pelo contrário, lhe deu mais autonomia. De garoto de alma leve, sensível e doce, se tornou um homem exemplo. Formou-se em jornalismo pela Universidade de São Paulo, onde fez mestrado e doutorado, e foi um guerreiro em prol da acessibilidade e inclusão social na ECA (Escola de Comunicações e Artes), conseguindo que a universidade instalasse um elevador. Além disso, lançou dois livros e trabalhou na Folha de São Paulo em 2008 e 2009.

Ana Lúcia Langer e Leo — Foto: Arquivo Pessoal
Ana Lúcia Langer e Leo — Foto: Arquivo Pessoal

Nada abalava sua força interior. Mesmo com os desafios do seu diagnóstico, Leo ia ao cinema todos os sábados conosco. Só deixava as telonas de lado pelo jogo do Palmeiras.

Ele nos deixou em 2020, aos 35 anos, devido a complicações cardíacas.

Quando falamos de doenças raras, não podemos contar apenas com um herói ou uma heroína. Por isso a relevância do envolvimento e da proatividade de toda a comunidade. Cada vitória de um é a vitória de todos. Investigar é a peça motriz em DMD assim como um dos desafios para continuarmos avançando nos cuidados com as pessoas. Precisamos urgentemente incluir na Caderneta de Saúde da Criança recomendações para, no caso da identificação de sinais e sintomas de DMD, os profissionais de saúde solicitarem o exame que mede a CPK. Quando elevada, essa enzima pode ser um indicador para avançar na investigação de distrofia muscular de Duchenne. Em DMD, tempo significa músculo e músculo significa vida.

Ana Lúcia Langer e o filho, Leo — Foto: Arquivo Pessoal
Ana Lúcia Langer e o filho, Leo — Foto: Arquivo Pessoal

A conjunção do ofício de ser médica e mãe do Leo me proporcionou uma rica jornada de vida. Ele me possibilitou uma transformação como mãe, profissional da saúde e cidadã para gerar mudanças para toda uma geração de pessoas afetadas pela distrofia muscular de Duchenne (DMD).

Eu vivi muito pelo meu filho e, em sua honra, não quero que outras mães passem pelo que passei. O quanto a medicina me der ‘armas’, vou lutar contra a progressão dessa doença. Continuarei a minha estrada, mesmo tendo perdido o ator principal da minha vida. A jornada da vida é feita de momentos. Por isso, temos de fazer o máximo possível enquanto esses meninos estiverem aqui e fazê-los mais felizes.

Acredito que o Leo foi feliz e quanto a mim, com absoluta certeza, compartilhei com ele alguns dos momentos mais felizes da minha vida."

Leo morreu em 2020 — Foto: Arquivo Pessoal
Leo morreu em 2020 — Foto: Arquivo Pessoal
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