• Stephanie Yeboah
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Body Positivity (Foto: Universal Standard)

Body Positivity (Foto: Universal Standard)

Era uma vez, não muito tempo atrás, era prática comum entrarmos nas redes sociais ou assistir TV e ver nada além de corpos magros e socialmente aceitáveis ​​olhando para nós. Divulgando roupas e produtos de maquiagem, sendo lançados como protagonistas românticos ao lado de outras co-estrelas magras, atraentes e impossíveis, tendo empregos e relacionamentos bem-sucedidos e podendo existir geralmente na sociedade com todos os privilégios que o magro pode ter.

O que vimos nos últimos cinco anos, no entanto, é uma grande mudança na forma como os corpos estão sendo representados na mídia e na sociedade. A [terceira onda] do movimento pelo corpo positivo começou em 2012, como uma hashtag usada por pessoas dentro do movimento pela aceitação da gordura - um movimento liderado por mulheres gordas de minorias étnicas e negras que se concentra principalmente na celebração e no amor-próprio radical de corpos visivelmente gordos - como outra descrição do que o movimento representava. Rapidamente ganhando força nos grupos do Tumblr e do Facebook e, mais tarde, através de blogueiros plus-size no Instagram, o movimento já se espalhou pelo mundo todo, causando uma espécie de revolução relacionada ao formato do corpo e ao amor próprio.

Representação positiva

Desde então, vimos marcas plus-size se destacarem, como as Vero Moda, Soncy, Pink Clove e Universal Standard, bem como uma mistura de marcas populares e grifes como ASOS, River Island, Monsoon, H&M, Mary Katrantzou, Christopher Kane e Diane von Furstenberg ampliando seus tamanhos para atender a corpos maiores.

Séries e filmes como Empire - Fama e Poder, Dumplin’ e Euforia, sendo o último estrelado pela modelo e atriz Barbie Ferreira, mostram protagonistas plus-size que não precisam mais se curvar aos caprichos dos estereótipos exagerados da “personagem gorda” que estamos acostumadas a ver na TV. Essas personagens são engraçadas, fortes, independentes, bem-sucedidas, inteligentes e capazes de amar e ser amadas mutuamente. Estamos começando a ver pessoas de corpos maiores representadas sob uma luz positiva nas telas e, com isso, vendo mais oportunidades para que as pessoas de corpos grandes façam sucesso.

Mas não apenas nas telas. Nos últimos anos, vimos um aumento de corpos grandes comandando as primeiras páginas de algumas das revistas e campanhas de moda mais prestigiadas do mundo. Desde Ashley Graham na capa de 2016 da esportiva Illustrated à capa da Vogue britânica de 2018 com Paloma Elsesser, parece que o mundo está lentamente começando a prestar atenção e reconhecer que corpos grandes merecem ocupar espaços.

Descobri a comunidade do corpo positivo em 2014, quando decidi embarcar em uma jornada em direção ao amor próprio e aceitação do corpo depois de anos de dietas da moda, autoflagelo e ódio próprio. Como uma mulher negra plus-size vivendo na sociedade ocidental, cresci vendo corpos como o meu sendo marginalizados, insultados, fetichizados e demonizados. Meu corpo - e formatos semelhantes ao meu - nunca estiveram na moda. Eu cresci sendo informada pela mídia e pela indústria do entretenimento que ser branca e magra era ser “incluída”. Foi bonito. E qualquer coisa que não atendesse a esse padrão era considerada algo "a menos".

Quando cheguei ao movimento, era uma comunidade um tanto diversificada, da rede social, que celebrava o amor próprio e a aceitação radical de corpos gordos de todas as raças, com figuras proeminentes do movimento, incluindo Jes Baker, Sonya Renee Taylor, Jessamyn Stanley e Kivan Bay. Mas então algo mudou.

Um lado mais obscuro do movimento

O corpo positivo é, por sua própria definição, sobre ver nosso corpo como algo que não é apenas perfeitamente aceitável, mas inteiramente maravilhoso. Em um mundo em que a mentalidade dominante é que devemos ter vergonha de nossos corpos (principalmente se nossos corpos são gordos, com cicatrizes ou de alguma outra forma “anormais”), essa é uma mensagem extremamente poderosa.

No entanto, nos últimos anos, o movimento se tornou mais mercantilizado. O corpo positivo parece agora ser um movimento "livre para todos", monetizado e politizado por marcas e figuras públicas, de maneira que muitas vezes resulta em indivíduos acima de um determinado tamanho e de uma certa etnia serem excluídos da conversa - quando, em primeiro lugar, era pra eles começarem tudo efetivamente.

Embora o movimento tenha feito coisas maravilhosas para corpos que são muitas vezes deixados de fora e tenha criado incríveis oportunidades para corpos menos privilegiados, ele também criou perigosamente o seu próprio padrão de beleza que muitos corpos desfavorecidos não podem aspirar. Começamos a ver o movimento como uma adulação e comemoração dos tamanhos grandes, até vê-lo centrado em mulheres “aceitavelmente gordas”: mulheres bonitas com radicais corpos de “violão”, normalmente de pele branca ou clara, com cinturas pequenas, quadris grandes e altas maçãs do rosto.

Dito isto, houve algumas exceções, com modelos e influenciadoras com formas corporais semelhantes às minhas, como La’Shaunae Steward, Ashleigh Tribble, Gabi Gregg e Enam Asiama  começando a fazer sucesso mais uma vez na comunidade do amor próprio, do empoderamento radical e uma apreciação e respeito na sociedade aos corpos maiores.

“Sei que estou ajudando muitas garotas que não veem muitas garotas negras e gordas [na mídia]”, disse Steward, a modelo de 23 anos e ativista do corpo positivo, à Teen Vogue em agosto de 2019. "Geralmente, meninas plus-size que vestem acima do tamanho G em geral, não são muito vistas por aí." Desde que sua campanha de 2018 pelo Universal Standard (Padrão Universal) se tornou viral, Steward tem usado sua plataforma para falar sobre inclusão na indústria da moda.

Lizzo (Foto: Rex Features)

Lizzo (Foto: Rex Features)

Há também a Lizzo. Em 2019, seu ano foi um furacão absoluto, incluindo uma capa solo na Vogue britânica e sua transformação em garota-propaganda global a favor do extremo amor-próprio e do corpo positivo. Ela também expressou frustração com a mercantilização do corpo positivo. "Qualquer um que use o corpo positivo para vender algo está utilizando isso para seu ganho pessoal", disse ela à Vogue americana na sua entrevista de capa. "Não estávamos vendendo nada no começo. Estávamos apenas nos vendendo.” Para muitas de nós, Lizzo simboliza mudanças na sociedade e na maneira como os corpos gordos são vistos, especialmente corpos negros - ver mulheres negras e gordas na mídia confiantes e seguras de sua sexualidade com autonomia própria sempre foi uma raridade extrema. Mas isso não é suficiente.

Body Positivity (Foto: Craig McDean)

Body Positivity (Foto: Craig McDean)

Criando um espaço seguro para ser bem-sucedida
O movimento do corpo positivo ainda tem um longo caminho a seguir. Até chegarmos a um lugar em que pessoas plus-size, de todos os tamanhos e etnias, possam mais uma vez ver o movimento como um espaço seguro para celebrarmos nossos corpos e vivermos pacificamente sem o desrespeito, a trollagem e crueldade dos outros, ainda veremos exemplos de gordofobia exibida de forma desenfreada. Veja o que aconteceu recentemente com a cantora britânica Adele, onde as pessoas a elogiaram por sua perda de peso, quando isso não deveria nem estar em discussão.

Então, como mudamos isso? Uma grande coisa que pode ajudar o movimento é a aliança. As pessoas que existem dentro de corpos privilegiados e menores podem fazer parte do movimento do corpo positivo, usando suas plataformas e vozes para elevar, retuitar e reblogar os pensamentos, opiniões e perspectivas de vozes que de outra forma não seriam ouvidas, devido à aparência que têm. Com a ajuda deles, podemos desconstruir narrativas perigosas e prejudiciais sobre o peso criadas pela mídia e pela indústria da dieta.

A mudança também precisa acontecer nos bastidores. De diretores e agentes a RPs e profissionais de marketing, um aumento na diversidade física de funcionários pode causar uma mudança profunda nos tipos de respostas que recebemos da mídia. Mas a mudança está acontecendo lentamente, e as pessoas de poder estão aumentando em número. O movimento só precisa de mais apoio e responsabilidade em todos os sentidos, caso possa chegar a um lugar onde todos os corpos sejam tratados como iguais.

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Fattily Ever After: The Fat, Black Girls 'Guide to Living Life Unapologetically (Para sempre gorda: o guia de meninas negras e gordas para viver sem pena, tradução livre) de Stephanie Yeboah (Hardie Grant Books) já está disponível