Moda
Publicidade

Por SARAH MOWER


Anna Harvey, fotografada para a Vogue UK em outubro de 1997 (Foto: Robin Derrick) — Foto: Vogue

A simples menção do nome Anna Harvey fazia as pessoas se endireitarem na cadeira e se recomporem. Trabalhei na Vogue britânica, no final dos anos 80, durante alguns dos anos em que Anna, discretamente, vestia a Princesa de Gales e enquanto também orquestrava sessões de alta costura que davam arrepios nas leitoras. Seu trabalho como editora de moda emanava da revista, definindo, deslumbrantemente, a cena glamour que deixaria jovens designers ofegantes hoje: Christy, Linda, Naomi, Cindy, entre outras, desfilando terninhos Chanel, balonês Lacroix, bolsas YSL, vestidos Ungaro, e cabelos altos.

A morte de Harvey, no mês passado (9.10), aos 74 anos, suscitou uma torrente de respeitosas e gratas lembranças de seus 40 anos de carreira na Condé Nast. Ela era a própria encarnação da tradicional reserva britânica, talentosa defensora dos bastidores, profundamente experiente – fria por fora, gentil por dentro –, cuja influência se tornou global ao virar Diretora Editorial de Novos Mercados, supervisionando novas edições na China, na Índia, na Rússia, entre outras. “Anna atuava como professora e consultora para os editores que faziam a Vogue pela primeira vez”, disse Jonathan Newhouse, CEO da Condé Nast International. Quando se aposentou, ela havia ajudado a criar mais da metade das edições internacionais. “Com uma mistura de paciência e firmeza, gentileza e frieza, ela instruía, exigia, transmitia conhecimento e trabalhava com inexperientes editores e diretores de arte para darem o melhor de si”, continuou Newhouse.

O carinho e o apego que inspirava, quando aprovava alguém, foram expressos pela Editora indiana da Vogue, Priya Tanna. “Ela logo virava a ‘Mummyji’, por ser a mais feroz defensora e líder de torcida da equipe editorial”, escreveu Tanna, na semana passada. As amizades de Harvey com muitos ex-protégés continuaram no Instagram, muito tempo depois de ela ter se aposentado.

O problema é que grande parte da trilha de influências de Anna Harvey é indetectável. Sua direção de brilhantes imagens – como a de Christy Turlington usando um chapéu de camadas e um terno Chanel de renda branca, em um movimentado café parisiense, com Arthur Elgort fotografando a reportagem, em 1988 – nunca foi creditada nas páginas da revista. Era a época em que o anonimato dos editores de moda ainda reinava.

E havia também seu caráter ultrarreservado. Desde 1980, Harvey guardou sua relação com a princesa Diana a sete chaves – seu firme comportamento diplomático significava que as designers de Diana sabiam que, se dissessem uma única palavra à imprensa, a dispensa do serviço seria imediata e irrevogável. Harvey somente veio a contar algumas histórias após a morte de Diana. Em um artigo para a Vogue britânica, ela escreveu sobre como viu uma garota sem estilo, aos 19 anos de idade, se transformar da jovem estereotipada na elegante Lady Di, até se tornar a superestrela da Versace. No começo, escreveu Harvey: “Ela não tinha nada no guarda-roupa – algumas blusas e saias Laura Ashley e alguns suéteres. Só isso.” Harvey ajudou-a com os vestidos de alta costura dos contos de fadas dos anos 80 – Bellville Sassoon, Bruce Oldfield, Victor Edelstein e Gina Fratini – que parecem tão inspiradores aos olhos de hoje. De fato, esses ecos repercutem em Gucci, Marc Jacobs, e além.

Tipicamente, Harvey desviava toda a iniciativa para Diana: “Ela queria usar britânico porque achava que era algo positivo que poderia fazer pela indústria da moda [britânica]. Diana era uma garota muito inglesa e o estilo romântico combinava com ela. Todos ficavam entusiasmados em

fazer coisas para ela; havia uma sensação de euforia que ali estava uma garota jovem e glamourosa que amava roupas.” Harvey também, delicadamente, apresentou-a a Sam McKnight. “Eu tinha medo de Anna, no começo, porque sabia que ela era austera, formidável”, admite o hairstylist. “O que ela tinha como editora era uma elegância clássica, mas nunca negligente. Quer dizer, a primeira vez que vi Diana, Anna a colocou sentada no chão, em um vestido branco, de Victor Edelstein, com uma tiara, para ser fotografada. Isso nunca havia sido feito antes. Cortei o cabelo dela depois de terminarmos aquele dia.”

Sarajane Hoare era uma jovem editora de moda da Vogue britânica na época – como eu me lembro, correndo para lá e para cá, de bermudas, jaquetas Principal Boy e sapatilhas de balé, enquanto editoras seniores percorriam os corredores em ternos de saia-lápis Chanel, meia-calça opaca e sapatos Manolo. “Anna sabia como fazer a alta costura parecer moderna”, disse Hoare. “Ela tinha aquele gosto inglês incrivelmente chique. Lembro-me de que ela podia ser fotografada em um vestido de borracha e ainda parecer elegante.” Igualmente, Hoare presenciou a inata bondade de Harvey. “Eu a achava a pessoa mais calorosa do escritório. Ela era puro bom senso e seu forte era encorajar os jovens. Isso fazia dela a mais perfeita parceira para Diana. Aprendi muito sobre aquele seu impecável estilo. Acho que foi isso o que ela fez por Diana. Ensinou-a e ainda disse: ‘Vá em frente – você consegue fazer isso!’”

O discreto dom de Harvey para relacionamentos pessoais, seu olho para a moda e os padrões de profissionalismo e etiqueta pelos quais ela viveu foram as qualidades que a tornaram a embaixadora ideal, quando a Vogue entrou em expansão internacional. “Eu considero o papel que Anna desempenhou como o papel editorial mais difícil na organização, mais desafiador do que editar a revista”, disse Newhouse. “Ela era brilhante.”

Por trás de seu exterior intimidador, Harvey era uma figura materna e coach de vida de duas gerações de jovens mulheres na Vogue da Grã-Bretanha e, depois, de todo o mundo. Ela demonstrava pelo exemplo – e, muitas vezes, por conselhos diretos – como era possível ter uma família, uma carreira que se ama, e uma vida privada para valorizar. Harvey deixa quatro filhos, o marido, Jonathan Harvey, seus adorados netos, e um legado que tocou mais pessoas do que ela, provavelmente, teria imaginado.

Curte o conteúdo da Vogue? Ele está no aplicativo Globo Mais. Nele você tem acesso a um conteúdo exclusivo em tempo real e às edições das melhores publicações do Brasil. Cadastre-se agora e experimente 30 dias grátis.

Mais do vogue