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    José Marcio de Camargo
    Coluna

    José Marcio de Camargo

    PhD em Economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e economista chefe da Genial Investimentos

    OPINIÃO

    O Brasil é uma encrenca!

    A aprovação da PEC da Transição no final de 2022 que aumentou o teto dos gastos públicos em aproximadamente R$ 200 bilhões (2,0% do PIB), obrigou o Ministério da Fazenda a dedicar o ano de 2023 a aprovar projetos de aumento de impostos e de receitas para evitar um estouro do déficit primário e descontrole da dívida pública já no primeiro ano do novo governo.

    Após um relativo sucesso nesta tarefa, o envio ao Congresso da Medida Provisória (MP) 1202, que acabava com o programa de apoio ao setor de eventos (PERSE) e reonerava a folha de pagamentos de 17 setores e das prefeituras das cidades pequenas e médias já em 2024, foi considerado uma afronta pelos parlamentares. Estas medidas haviam sido aprovadas pelo Congresso, vetadas pelo Presidente e os vetos foram derrubados pelo Congresso.

    O Legislativo reagiu de forma dura, forçando o Executivo a substituir a MP por projetos de lei nos quais o fim do PERSE e a desoneração das folhas de pagamentos fossem feitas paulatinamente, com início em 2025.

    A reação do Executivo, ao aditar a MP 1227, que proibia a utilização de créditos de PIS/COFINS para pagar outros impostos, gerou forte reação entre os empresários, e forçou o Presidente do Congresso a retorná-la ao Executivo, sem colocá-la em votação.

    Neste interim, o presidente da Petrobras foi demitido, as metas de superavit primário foram afrouxadas, a reunião do Copom decidiu reduzir a SELIC em 0,25 pontos de porcentagem, com placar dividido (5 x 4) e com os quatro votos a favor de queda maior, de – 0,5 p.p., dados pelos membros do Copom indicados pelo governo atual, os vetos do Presidente da República foram rejeitados pelo Congresso e um veto do ex-presidente Bolsonaro que proibia a divulgação de fake news foi aprovado e o leilão de arroz importado foi cancelado por indícios de corrupção. Diante deste cenário, o Dólar voltou a ultrapassar o nível de R$ 5,50.

    O afrouxamento das metas de superavit primário gerou desconfiança quanto ao objetivo de perseguir as metas e perda de credibilidade da âncora fiscal. O resultado da reunião do Copom aumentou entre os investidores a avaliação de que a nova diretoria do Banco Central, que tomará posse em janeiro de 2025, poderá adotar uma política monetária menos comprometida em atingir a meta para a inflação de 3,0% ao ano e acentuou o processo de desancoragem das expectativas para a inflação. Desde o resultado da reunião do Copom, as expectativas para a inflação de 2024 e 2025 passaram de 3,72% para 3,96% e de 3,64% para 3,80% respectivamente. E este processo de desancoragem pode se aprofundar.

    A própria sustentabilidade do arcabouço fiscal passou a ser questionada. A tentativa fracassada de aprovar as MPs 1202 e 1227, mostra que a estratégia de aumentar impostos para financiar gastos já definidos pelo executivo se esgotou. E as vinculações do piso de remuneração da previdência social ao salário mínimo, combinado à política de aumento real do salário mínimo, e das despesas com saúde e educação às variações das receitas, faz com que os aumentos de gastos obrigatórios comprimam os gastos discricionários e inviabilizam o orçamento público.

    Com metas fiscais mais frouxas e menos críveis, arcabouço fiscal questionado e expectativas para a inflação desancoradas, nossas estimativas mostram que a taxa neutra de juros na economia brasileira, a taxa de juros que mantém a inflação constante, atingiu 5,8% ao ano. Com a inflação próxima a 4,0% ao ano, para manter a política monetária contracionista e levar a inflação para a meta, a taxa SELIC precisará permanecer em dois dígitos em 2024 e, provavelmente, em 2025, justificando decisão da última reunião do Copom que manteve a taxa SELIC em 10,50% ao ano.

    Sem âncoras fiscal e monetária e com os sinais de esgotamento da estratégia embutida no arcabouço fiscal, a deterioração do cenário foi imediata. Sem um projeto consistente de redução de gastos, a política econômica caminha para um impasse. Realmente, o Brasil está uma encrenca.