A mãe da vítima, a atriz Samara Felippo, quer a expulsão das agresssoras — e uma delas vai mudar de colégio por decisão dos pais, consternados. A diretora da Escola Vera Cruz, Regina Scarpa, é contra a medida e defende o diálogo entre as adolescentes envolvidas, que foram punidas com suspensão. A agressão racista que sofreu a filha de Samara na escola deixou dúvidas sobre o que fazer quando a educação para prevenir esse comportamento, como o colégio diz adotar, não é suficiente. O caderno da adolescente de 14 anos foi furtado, teve páginas rasgadas, e nele foi deixada uma frase racista, contou a atriz à polícia, que investiga o caso.
- Além do caso de filha de Samara Felippo: Escolas de elite de SP tiveram episódios recentes de discriminação
- 'Foi um susto': Pais de aluna acusada de racismo contra filha de Samara Felippo retiram adolescente da escola
Samara depôs ontem na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, e lembrou que não foi a primeira vez que a filha teria sofrido ataques:
— É recorrente desde o ano passado, desde que um carregador some e a acusada é a minha filha. São pequenas camadas do racismo por que crianças pretas passam todos os dias.
Para Regina, expulsar não é uma forma de eliminar o preconceito:
— Basta expulsar? Cada caso de racismo expulsa e pronto, e a gente prova que a relação interracial é impossível?
A professora da FGV Direito Rio e defensora pública Elisa Cruz e a especialista em educação do Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Ativista) Luciana Ribeiro concordam que é preciso diálogo para lidar com a situação. Mas punições mais graves, como a expulsão, não podem ser descartadas.
É importante conversar, acolher e não minimizar
- Como deve agir a escola?
A instituição de ensino deve reconhecer para que os casos são “extremamente graves” e que a vítima do ataque, ao precisar conviver com o agressor, pode desenvolver outros traumas e ter seu desempenho escolar comprometido. A escola precisa deixar claro para os alunos que o racismo é um crime, passível de punição, ressalta Luciana Ribeiro. São necessárias ações para proteger e acolher o aluno alvo de preconceito racial, defende Elisa Cruz.
- A expulsão é o ato mais indicado ou há outras medidas que podem ser tomadas?
A decisão de expulsar o autor do ataque pode ser tomada pela escola, se ficar entendido que houve uma violação do código de ética da instituição e o desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que propõe a educação em um ambiente livre de violência. Mas é preciso antes uma escuta de todas as partes envolvidas na situação. Mais do que ficar condenando quem cometeu o ato ou duvidar do relato da vítima, Cruz aponta ser necessário o acolhimento e escuta dos dois lados.
- Como a instituição pode promover um ambiente antirracista?
O trabalho é contínuo e para toda a vida escolar. O combate ao preconceito racial deve fazer parte do currículo, estar nos trabalhos em sala de aula e no material didático. O colégio deve também abordar o racismo na comunidade escolar, junto à equipe profissional que atua na instituição e ao corpo de alunos. Ribeiro destaca que casos de racismo acontecem diariamente nas escolas brasileiras e defende que este combate deve fazer parte do currículo escolar, para que este espaço se torne acolhedor, inclusivo e democrático a todos. Ela defende ações de letramento racial, mudanças na prática pedagógica e em outras abordagens junto aos alunos podem ajudar a tornar a escola um local antirracista.
- Como devem agir os responsáveis?
Um ato de racismo afeta não só a vida da vítima e do agressor, mas as famílias de todos os envolvidos no episódio. Quando uma situação como esta ocorre, é importante o envolvimento dos responsáveis legais para que o processo de educação antirracista não se encerre apenas dentro dos muros da escola. Elisa Cruz destaca o papel da participação desta “comunidade escolar ampliada” na resolução das situações.
- Como deve agir a família do agressor?
Neste caso, uma ajuda mais técnica, com terapeutas e outros profissionais da saúde, pode dar o amparo necessário para o processo de reflexão. Como crianças e adolescentes ainda estão em processo de desenvolvimento mental e social, as intervenções precisam ser pensadas para causarem impactos que ajudem o jovem a se desenvolver positivamente.
Cruz defende uma “conversa franca de acolhimento e compreensão” com a família do agressor. Ela aponta que, por meio de técnicas educacionais, é possível levar o jovem a compreender os erros da conduta adotada.
Para Ribeiro, a família do agressor deve ouvir o que aconteceu “sem querer minimizar o ato ou falar que o filho não é racista porque tem pessoas negras na família ou no grupo de amigos”. Os responsáveis devem avaliar como a família se comporta em casa e na rua, de modo a refletir criticamente sobre suas ações e atitudes, antes de presumir que o ocorrido foi uma “brincadeira”.
- De que maneira famílias não-negras podem ensinar práticas antirracistas?
Ao ficar claro para essas famílias que o racismo é um crime, e não apenas um aspecto de uma briga de adolescentes, pode-se evitar que outros estudantes sofram atos que podem pesar em sua formação psicológica. Ribeiro aponta que famílias não-negras devem se informar para poderem reconhecer que o racismo é estrutural, e faz parte de um sistema de poder que privilegia um grupo social em detrimento de outros. Além disso, a especialista recomenda que os responsáveis busquem ler livros escritos por autores negros.
- Como cuidar das vítimas?
O acolhimento é o principal caminho para auxiliar a vítima de racismo. Para isso, é preciso haver estímulo a participação escolar da criança, sem que haja ridicularização do agressor. Não se pode combater violência com violência, lembra Cruz.
Ribeiro aponta que não há outro caminho para o acolhimento destas crianças que fuja da educação e do reconhecimento que vivemos em um país racista. É preciso haver um trabalho de empoderamento e combate ao preconceito, sendo este um movimento coletivo, presente em locais nas escolas e dentro de casa.
- Quais os limites da exposição do caso e como estimular o aluno na volta às aulas?
Preservar a vítima é essencial. Em muitos casos, o agressor recebe maior atenção e a criança que sofreu acaba sendo esquecida. Esta atitude é danosa para a resolução do episódio e pode estimular outros casos.
A melhor maneira de realizar esse estímulo é mostrar a vítima que a escola respondeu prontamente e de forma pedagógica em relação ao caso. Por isso, é tão importante que a criança não seja novamente uma vítima, como ocorre quando o que ela passou é banalizado pelos adultos.
Uma maneira de incentivar a participação da criança é ajudá-la a relembrar outros momentos escolares positivos. O objetivo é fazer que ela entenda que sua participação no colégio não se resume ao episódio de violência racial sofrida.
- Como a família da vítima pode buscar ajuda?
Elisa Cruz afirma que os responsáveis pelo aluno vitimado devem avaliar fazer o registro de ocorrência, já que racismo é crime. A defensora pública destaca que, desde o ano passado, qualquer pessoa pode denunciar esses casos à polícia e ao Ministério Público. A família também pode buscar por medidas de responsabilidade civil contra o agressor e os pais dele.
Ribeiro defende que os pais “estão no direito” de notificar a polícia se entenderem que o filho sofreu de uma ação racista.
Inscreva-se na Newsletter: Jogo Político