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Em 2013, Cassi Abranches se viu diante de uma decisão nem sempre fácil para quem dança. Após 12 anos viajando pelo mundo como bailarina do aclamado Grupo Corpo, havia chegado a hora de se aposentar. O fim de uma carreira, no entanto, significava o início de outra: a de coreógrafa.

Em pouco tempo, a artista paulistana se consolidaria como uma das personalidades mais quentes da dança contemporânea brasileira, concebendo trabalhos para o próprio Grupo Corpo, a São Paulo Companhia de Dança (SPCD), o filme “Rio, eu te amo” e a abertura da Paralimpíada do Rio, em 2016.

Dez anos depois de mudar de rota, chegou a vez de seu nome figurar também no repertório de grandes companhias internacionais. No início de novembro, o Ballet Nacional Chileno estreou “Me despido”, sua mais recente criação. E, em outubro, o Birmingham Royal Ballet realizou em Londres o lançamento da superprodução “Black Sabbath — The Ballet”, com um ato inteiramente assinado por Cassi e temporada de casa cheia — os ingressos se esgotaram assim que o projeto foi anunciado, em abril.

— Cheguei a me questionar se o resultado seria pop demais, mas eu amo rock and roll e tinha muita curiosidade de coreografar para outros corpos não brasileiros — justifica a paulistana de 49 anos.

Cassi chegou ao projeto a convite do sueco Pontus Lidberg, responsável por chefiar a coreografia do espetáculo — que, dadas as proporções, precisou ainda ser dividida com um terceiro artista, o cubano Raúl Reinoso.

A ele coube contextualizar o momento de surgimento do Black Sabbath, no fim dos anos 1960, enquanto Lidberg preparou o ato final, sobre os fãs e o legado deixado pela banda. Cassi ficou com o bloco intermediário e o privilégio de, nele, explorar a trajetória dos músicos, elaborando cenas a partir de versões orquestrais de faixas como “Sabbath Bloody Sabbath”, “Orchid”, “Planet Caravan” e “Black Sabbath”, além de áudios com entrevistas dos artistas.

Solos de guitarra

Um desses trechos narra o episódio no qual um ainda adolescente Tony Iommi perde a ponta dos dedos em um acidente, determinando um jeito único de tocar guitarra que influenciou o heavy metal.

— Parece inacreditável, mas eu tinha o Tony dentro do estúdio. E ele é um barato! — lembra

Envolvido com o projeto, o guitarrista fez uma aparição surpresa na estreia e tocou no palco, arrebatando um público de apaixonados por balé, metaleiros em seu primeiro espetáculo de dança e, também, muitas lendas da música.

— Robert Plant (do Led Zeppelin) e Brian May (do Queen) sentaram duas fileiras atrás de mim e Sharon Osbourne (mulher do vocalista Ozzy) estava logo ao lado. Acho que nunca tive uma plateia tão estrelada quanto aquela — diz

Com uma movimentação vigorosa, orientada por pulsações e ondulações do corpo, o ato dela é um contraponto à estética mais clássica proposta pelos dois colegas e bastante enraizada no DNA da companhia britânica.

É uma provocação que leva os bailarinos a se desafiarem, trocando as sapatilhas por tênis e vestindo roupas dos anos 1970 garimpadas em brechós em vez de saias de tule. Uma das artistas foi instada a soltar os cabelos afro durante um solo baseado em Ozzy, enquanto um dos rapazes cantou em cena, arrancando elogios da crítica inglesa.

— Fiquei entusiasmado com a energia, inquietude e extrema musicalidade que a coreografia de Cassi trouxe para o Black Sabbath. Mal posso acreditar que somos a primeira companhia fora da América Latina a apresentar seu talento único para nossas plateias — afirma o cubano Carlos Acosta, diretor do Birmingham Royal Ballet.

“Black Sabbath — The Ballet” e “Me Despido” são os primeiros frutos de um desejo esboçado em 2019, quando a coreógrafa passou a ser agenciada pela portuguesa Assis Carreiro por indicação de Iracity Cardoso, ex-diretora do Ballet Gulbenkian e do Balé da Cidade de São Paulo.

Nos dois anos seguintes, Cassi produziu um vídeo em parceria com a companhia americana Jacob Jonas e montou um duo para o programa Bolshoi Ballet, uma versão do “Dança dos famosos” da TV russa com bailarinos profissionais. Por conta das restrições impostas pelo isolamento durante a pandemia, todo o processo foi realizado via Zoom diretamente de um sítio em Minas Gerais.

Outros caminhos

Se por um lado a Covid-19 deixou planos em suspenso, por outro permitiu a Cassi esquentar o currículo com muitos outros trabalhos, incluindo uma nova coreografia para a SPCD, outra para a abertura do “Fantástico”, da TV Globo, e mais uma para o clipe “Girl from Rio”, de Anitta — vídeo que soma mais de 48 milhões de visualizações no YouTube.

Além disso, em outubro de 2021, Cassi assumiu a direção do tradicional Balé da Cidade de São Paulo. Durante a gestão, conquistou seu segundo prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, pela autoria de “Motriz”, e o Prêmio Governador do Estado de São Paulo na categoria Grupos, Companhias e Corpos Estáveis. Em junho deste ano, desligou-se da instituição.

O fim do contrato permitiu um mergulho intensivo nas produções internacionais. Na mais recente delas, se inspirou na escritora Isabel Allende para falar de despedidas e mesclou compositores brasileiros a uma nova geração de músicos chilenos como sua trilha sonora.

— Meus companheiros nunca tinham trabalhado com uma movimentação assim. Foi lindo ver o elenco se desafiando todos os dias e o êxito deles em chegar ao que ela pedia — diz o brasileiro Morvan Teixeira, bailarino do Ballet Nacional Chileno.

Em “Me Despido”, Cassi pôde estar ao lado da equipe que a acompanha desde os primeiros passos como coreógrafa, incluindo a figurinista e bailarina Janaína Castro, com quem dançou no Grupo Corpo, e o iluminador Gabriel Pederneiras, seu parceiro de vida — e filho de Rodrigo Pederneiras, coreógrafo do Corpo e responsável por algumas das obras de dança mais emblemáticas da cultura brasileira, como “21”, “Parabelo” e “Gira”.

Desse legado, Cassi herdou uma profunda relação com a música, que a levou a trabalhar com expoentes como Samuel Rosa, Marcelo Jeneci, Sebastián Piracés-Ugarte e o BaianaSystem, além do apreço por lidar com grupos numerosos de bailarinos e uma vocação especial à criação de um tipo de dança interessada em dialogar com um público amplo, do leigo ao especializado.

— Ela é capaz de organizar o caos com uma esperteza rara. Sinto uma honestidade grande na forma dela criar, seguindo mais a intuição do que tendências. Isso tem uma força muito grande. Não é por menos que todos os olhos estão se voltando para a “lôra” — afirma Pederneiras, referindo-se à nora.

Cassi segue em movimento. Com um sorriso largo, pavimenta agora os próximos passos da carreira:

— Faço o que eu acredito. E faço com toda a minha energia.

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