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Albert Einstein (1879-1955) esteve apenas uma única vez no Brasil. A célebre visita do físico alemão ao Rio de Janeiro, em 1925, é sem dúvidas um dos maiores acontecimentos do nosso país no século XX. Mas isso não quer dizer que aquela foi uma viagem particularmente agradável para o cientista – pelo contrário.

“Foi muita agitação, sem nada de realmente interessante (…) Para achar a Europa agradável, é preciso visitar a América. As pessoas lá são mais livres de preconceitos, é verdade, mas, ao mesmo tempo, irracionais e desinteressantes, ainda mais que aqui”, escreveu Einstein em uma das várias cartas reunidas no novo livro "Os Diários de Viagem de Albert Einstein: América do Sul, 1925" – sob organização do australiano Ze’ev Rosenkranz, ex-diretor do projeto Einstein Papers, que se dedica a catalogar e arquivar documentos sobre o criador da Teoria da Relatividade.

A coletânea é lançada em momento oportuno. Cresce a cada instante o interesse pela trajetória de Einstein, principalmente por causa das produções audiovisuais de sucesso como a série Genius (2017), o blockbuster Oppenheimer (2023) e o documentário Einstein e a Bomba (2024) – estes dois últimos responsáveis por levantar debates acerca do papel do pai da física moderna na criação da poderosa arma nuclear, fato que a nova publicação não faz nenhum tipo de alusão.

Tudo começou quando Einstein foi convidado a visitar a Argentina por um grupo de proeminentes famílias judaicas do país que, com apoio de instituições acadêmicas e culturais, cobririam todos os custos da viagem, bem como lhe pagariam honorários de 4 mil dólares. Logo, Uruguai e Brasil também foram capazes de unir esforços entre as comunidades judaicas e científicas para atrair o cientista durante uma excursão de três meses pela região. No nosso caso, a iniciativa foi do rabino Isaiah Raffalovich, diretor da Associação Judaica de Colonização no Brasil.

Rosenkranz conta que o “sim” de Einstein, motivado por razões humanitárias e acadêmicas, poderia estar relacionado a temas amorosos, já que o físico vivia um romance extraconjugal com a secretária Betty Neumann e a viagem calhava em momento oportuno para dar um ponto final ao relacionamento.

O vencedor do Nobel da Física desembarcou no Rio, em 21 de março, para uma escala de um dia antes de seguir para Buenos Aires. As primeiras horas em solo carioca renderam elogios. “O Jardim Botânico supera os sonhos de As mil e uma noites (...) A miscelânia de povos nas ruas é deliciosa (…) Experiência fantástica!”, assinalou.

A irritação, porém, começou em Buenos Aires. “Estou meio morto em função dessa gentalha repulsiva (...) No geral, só o dinheiro e o poder importam aqui, como na América do Norte”, relatou, antes de descrever os habitantes como “índios envernizados, ceticamente cínicos, sem qualquer amor pela cultura, degenerados pela banha bovina”.

Em contraste, Einstein demonstrou maior apreço por Montevidéu, cidade “muito mais humana e prazerosa”, e classificou o Uruguai como “um paisinho feliz (...) Muito liberal, com o Estado completamente separado da Igreja. Constituição em alguns aspectos similar à Suíça”.

Albert Einstein durante visita ao Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, — Foto: Arquivo do Museu Nacional (UFRJ)
Albert Einstein durante visita ao Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, — Foto: Arquivo do Museu Nacional (UFRJ)

Ao retornar à Cidade Maravilhosa seis semanas após o período nos países vizinhos, Einstein se encantou com o passeio de teleférico no Pão de Açucar e chamou o Rio de “verdadeiro paraíso”, mas externou incômodo depois de uma palestra lotada no Clube dos Engenheiros. “Por razões acústicas, a comunicação era impossível. Pouco senso científico. Aqui sou uma espécie de elefante branco para eles, e eles são macacos para mim”, escreveu.

O uso da palavra “macacos” indica que Einstein tinha uma visão quase desumana dos brasileiros e uma percepção do Brasil como região indomada e primitiva. Para ele, os “mulatos” supostamente não possuíam “poder de resistência”. Em outro momento, se referiu aos residentes como “fofinhos”, expressando certo afeto pela população, na qual ele detectava progresso.

Durante a estadia de nove dias no Rio, Einstein também conheceu o presidente da República Artur Bernardes, visitou o Museu Nacional, o Instituto Oswaldo Cruz e o Observatório Nacional, além de participar de eventos da comunidade judaica.

Na mais ácida anotação de seus diários, ele explicita sua preferência pelo Velho Continente no que diz respeito à qualidade intelectual. “O europeu precisa de um estímulo metabólico mais intenso do que essa atmosfera eternamente mormacenta tem a oferecer. De que valem a beleza e a riqueza naturais nesse contexto? Acho que a vida de um escravo europeu ainda é mais rica e, acima de tudo, menos idílica e nebulosa”, escreveu.

Em suma, esta edição se prova essencial ao revelar que mesmo uma das mentes mais brilhantes da humanidade pode ter um lado sombrio e irascível. Tão interessantes quanto os relatos do cientista são os comentários de Rosenkranz, que contextualizam o cenário sob o apoio de fac-símiles dos originais, fotografias e cartões-postais, com intuito de aproximar até o leitor menos familiarizado ao tema.

Os Diários de Viagem de Albert Einstein: América do Sul, 1925

Autor: Ze’ev Rosenkranz. Tradução: Alessandra Bonrruquer. Editora: Record. Páginas: 288. Preço: R$ 79,90. Cotação: ótimo.

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