Cultura
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Por , O GLOBO — Rio de Janeiro

Pai, pai, pai. Como vemos na matéria acima, não faltam ótimos livros de escritores falando de seus papais — enquanto suas mamães ficam na retaguarda, meio como coadjuvantes (e eis aí algo muito simbólico). Por essas e por outras, Silvana Tavano acerta em cheio com “Ressuscitar mamutes”, uma novela em que a mãe da narradora é o centro de uma história engenhosa e bastante tocante.

A narrativa se inicia mansamente, como um bate-papo à toa, e logo mostra seu poder. Silvana conta como cientistas planejam trazer de volta à vida espécies animais extintas há milênios em regiões do planeta hoje inóspitas, quase estéreis. O Polo Ártico, por exemplo.

O que interessa aqui é o tempo, claro. A autora mergulha fundo ao explorar o conceito de tempo — que é sempre presente, como ensina Santo Agostinho em suas “Confissões”: “O presente do passado é a memória, o presente do presente é a contemplação, e o presente do futuro é a expectativa”.

Assim, a narradora nos leva a viver o tal “presente do passado” abrindo sua convivência com a mãe desde a infância, entre carinhos e conflitos, dores de crescimento, coisas da vida.

Mas o problema é que as mamães teimam em morrer, e o vazio que elas deixam nem sempre é facilmente preenchido.

A narradora de Silvana apresenta então, via Contardo Calligaris, a ideia de pentimento, palavra que designa, em um quadro, esboços encobertos pela versão final da obra: “restos do passado que, escondidos e não apagados, transparecem no presente, como potencialidades que não foram realizadas, mas que, mesmo assim, integram a nossa história”.

Ou seja: mesmo que seu botox esteja em dia, as marcas interiores deixadas pelo tempo continuam latejando sob a camada química. “Na nossa tela mental, quadros do passado podem ter sido falsificados pela tinta fresca do presente. Mas em algum lugar, dentro de nós, restam traços do original”, resume a narradora.

É nesse ponto que Silvana maneja habilmente a literatura para sublimar tristezas e derrotas. Sua narradora simplesmente traz a mãe de volta, mas agora reconstruindo sua história, subvertendo o tempo e dando a ela outros rumos, presenteando-lhe com outras realidades, abrindo novos caminhos e futuros. Silvana ensina que, se é para fazer tudo de novo, que seja para fazer bem feito.

Eternidade

A narradora nitidamente escreve em busca de conforto. Pela palavra honesta, exorciza dores e tenta descobrir “ao menos um esboço” do que a mãe poderia ter sido. E já que a trouxe de volta, essa memória reinventada serve também para imortalizá-la. A partir daí, a narradora larga o tempo cartesiano a que estamos presos, mira no “presente do futuro” e dá à mãe a eternidade que ela merece.

Almas implicantes, dessas que tanto desdenham da criação artística, dirão que essa é uma impossibilidade. Mas a narradora já havia alertado, desde o início, que “restituir os mamutes à vida soa como ficção, como pareciam ser os foguetes espaciais (...), a internet, o celular, o mapeamento genético do DNA”. E olha que nada disso, lembremos, está no campo da criação... Cada vez mais, tudo pode ser objeto do delírio, escreveu Philipe Pinel no século XIX.

Mais não se diz aqui, para evitar spoilers. Mas a novela merece ser conferida — entre outros motivos, como exemplo de concisão. Em cem páginas de texto, a autora reforça sua rara sensibilidade entre a atual safra de escritores brasileiros. Ela joga seu jogo, faz o gol e segue adiante, sem exigir prorrogação.

Nada mais inteligente, um exercício sutil que revigora o talento apresentado em obras anteriores de Silvana, que renderam a ela um Jabuti de Livro Infantil, em 2021 (“Sonhozzz”, Editora Salamandra), e uma indicação como finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2023 (“O último sábado de julho amanhece quieto”, Autêntica Contemporânea).

Pelo jeito, outros prêmios virão.

‘Ressuscitar mamutes’

Autor: Silvana Tavano. Editora: Autêntica Contemporânea. Páginas: 120. Preço: R$ 59,90. Cotação: bom

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