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Por Janaína Figueiredo


Líder mapuche Elisa Loncon assume como presidente da Convenção Constitucional chilena, que abriu os trabalhos hoje em Santiago JAVIER TORRES/AFP — Foto:
Líder mapuche Elisa Loncon assume como presidente da Convenção Constitucional chilena, que abriu os trabalhos hoje em Santiago JAVIER TORRES/AFP — Foto:

Com 96 votos a favor, de um total de 155, a chilena Elisa Loncon, uma professora respeitada no mundo acadêmico e militante ativa da comunidade mapuche, foi eleita neste domingo presidente da Convenção Constitucional do Chile, numa decisão que, segundo analistas ouvidos pelo GLOBO, reflete um momento político e social inédito na História do país.

Aos 58 anos, esta mulher, que participou intensamente da onda de manifestações sociais que começou em outubro de 2019 e levou o governo do presidente conservador Sebastián Piñera a defender a necessidade de que o Chile tivesse uma nova Constituição — e derrubasse, assim, a herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) — conseguiu o apoio de amplos setores que integram a Constituinte, principalmente da esquerda e congressistas independentes.

Na segunda tentativa para eleger quem presidiria a Convenção, o direitista Harry Jürgensen, da aliança governista Chile Vamos, conseguiu 36 votos, exatamente a mesma quantidade obtida por ele na primeira votação. Já Loncon passou de 58 para 96 votos, ficando com o total dos 35 votos alcançados pela congressista independente Alicia Godoy na primeira votação. Com os votos de Godoy, mais o respaldo de outros aliados, a professora mapuche venceu a disputa. Horas mais tarde, o congressista Jaime Bassa, da esquerdista Frente Ampla, foi eleito vice-presidente.

— Quero agradecer que estamos instalando aqui uma maneira de ser plural, democrática e participativa. Por isso, esta Convenção vai transformar o Chile num Chile plurinacional, multicultural, que não atente contra os direitos das mulheres, das que cuidam da mãe terra, que também limpam as águas, contra toda dominação. Este sonho se torna realidade, é possível refundar o Chile — disse Loncon, em seu discurso de posse, feito em espanhol e mapudungun, idioma mapuche.

— Estamos instalando uma nova forma de ser democráticos — frisou.

A nova presidente da Convenção Constitucional chilena nasceu numa família humilde — sete irmãos e um pai que nunca teve condições de estudar — na região conhecida como Araucanía, onde as comunidades mapuches são uma força social de peso. Permanentes tensões pela propriedade de terras, no passado tirada dos mapuches pelo Estado, causam confrontos, em alguns casos, violentos. Isso explica, entre outras razões, porque nas últimas décadas a direita se impôs na grande maioria das eleições, municipais e presidenciais, na região.

Uma das bandeiras mais defendidas por Loncon é justamente a devolução das terras perdidas na segunda metade do século XIX pelos mapuches. Quando é perguntada pela agressividade de setores indígenas, costuma responder que "a violência do Estado contra os mapuches é maior". Em recente entrevista ao jornal La Tercera, Loncon afirmou que "é possível dialogar conosco, não tenham medo". A professora assegura que "o Estado chileno aplicou uma política genocida" contra as comunidades mapuches, e defende "algum tipo de reparação, como o fizeram no Canadá, Austrália e Nova Zelândia".

— Há alguns anos, teria sido impossível imaginar a eleição de uma mulher mapuche como presidente de uma Convenção Constitucional no Chile. O país já teve uma presidente (Michelle Bachelet), mas a etnia é uma questão crucial no país — aponta David Altman, professor da Universidade Católica do Chile.

Na parte da manhã, o primeiro dia de atividades da Constituinte foi suspenso durante algumas horas por distúrbios organizados por grupos minoritários e identificados como anárquicos até mesmo por representantes da esquerda, e que foram reprimidos pela polícia com jatos d´água e gás lacrimogêneo.

Segundo explicaram analistas locais, a ação destes grupos não foi validada pelos membros da Convenção que, uma vez retomada a cerimônia de abertura dos trabalhos, deixaram claro que não estavam de acordo com qualquer tipo de protestos que ofuscassem um dia importante para todos os chilenos.

— Loncon é uma defensora da causa mapuche, de comunidades que sempre foram tratadas com desprezo e discriminação. A Convenção e sua eleição são um reconhecimento desse erro e a expressão do desejo de uma mudança — afirma Marco Moreno, da Universidade do Chile.

Para Moreno, "a presidente da Convenção é um retrato do Chile de hoje, um país diverso".

— Este não é um país dividido entre esquerdas e direitas, e os partidos políticos deixaram de ser centrais. Loncon é o Chile real — frisa o analista.

A presidente da Constituinte nasceu na comunidade mapuche Lefwelan, na província de Malleco. Com muito esforço, Loncon se formou como professora e realizou estudos de pós-graduação (mestrado e doutorado) no México, Canadá e Holanda. Atualmente, é professora de Letras na Universidade de Santiago, além de coordenar a Rede pelos Direitos Educacionais e Linguísticos dos Povos Originários do Chile.

— Agradecemos o apoio de todos os que depositaram seu sonho na convocatória de uma nação mapuche, para votar por uma mulher mapuche, para mudar a História deste país — declarou a nova presidente da Convenção.

Sua eleição teve impacto imediato na região. No Peru, a ex-candidata presidencial Verónika Mendoza, aliada do presidente eleito Pedro Castillo, afirmou que “o Chile vive um dia histórico”. O presidente da Bolívia, Luis Arce, parabenizou Loncon em mensagem publicada na rede social Twitter. Em Santiago, o presidente Piñera desejou "sabedoria, prudência e fortaleza" à presidente da Convenção.

Os trabalhos para redigir uma nova Constituição estão apenas começando e vão exigir, destacou Guillermo Holzmann, professor da Universidade de Valparaíso, "um enorme esforço de diálogo e busca de consenso".

— Dentro da Convenção estão muitos dos que estiveram nas ruas protestando a partir de 2019. Loncon é uma dessas pessoas. Ela terá, agora, o desafio de conciliar posições, e não será fácil. Esta é a primeira vez que todos os setores da sociedade chilena estão juntos num mesmo espaço de decisão — concluiu Holzmann.

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