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Por O Globo, com agências internacionais — Moscou

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou nesta sexta-feira que está pronto para negociar o fim da guerra na Ucrânia e um acordo de paz, se Kiev retirar suas tropas das quatro regiões do país que foram parcialmente anexadas por Moscou e renunciar a qualquer possibilidade de se integrar à Otan — termos aos quais as autoridades ucranianas imediatamente classificaram como "farsa". O líder russo ainda exigiu o fim das sanções e o estabelecimento de um Estado ucraniano "neutro".

— Assim que Kiev começar a retirada efetiva das [suas] tropas [das regiões de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporíjia], e assim que notificar que abandona seus planos de ingressar na Otan, daremos imediatamente, nesse mesmo minuto, a ordem de cessar-fogo e iniciaremos as negociações — disse Putin, diante de funcionários do Ministério das Relações Exteriores do país.

Os termos indicados por Putin são similares aos mencionados em outros momentos do conflito, em que houve tentativa de mediação e de solução pela via diplomática. Contudo, chamou a atenção o nível de detalhamento apresentado pelo líder russo em seu longo discurso na Chancelaria: ao falar sobre os territórios que deveriam ser abandonados, pontuou que fala dos limites administrativos das quatro regiões. Hoje, os russos não controlam totalmente nenhuma delas, e no ano passado recuaram de posições centrais em Kherson, incluindo da capital regional.

— É claro que gostaríamos de esperar que tal decisão sobre a retirada das tropas, sobre o estatuto de não alinhado e sobre o início de um diálogo com a Rússia, do qual depende a futura existência da Ucrânia, seja tomada de forma independente em Kiev, [...] e não por ordens ocidentais, embora haja, claro, grandes dúvidas sobre isso — disse Putin, fazendo uma ameaça velada à própria condição da Ucrânia como país independente.

Apesar de ter dado a ordem para que seus tanques invadissem um país soberano em fevereiro de 2022, Putin disse que não foi a Rússia a iniciar o conflito, e que ele sugeriu, ainda no início das hostilidades, que poderia baixar as armas caso os ucranianos deixassem a região do Donbass (Leste) — a área está sob controle parcial russo desde 2014, quando estourou a guerra civil entre Kiev e milícias separatistas pró-Moscou.

— Posso dizer-lhes que houve contatos, dissemos imediatamente: tirem as tropas daí e tudo acabará. Essa proposta foi quase imediatamente rejeitada, simplesmente ignorada, embora tenha proporcionado uma oportunidade real para resolver a questão de forma pacífica — afirmou.

Ele relembrou os referendos realizados nas áreas ocupadas sobre a anexação delas pela Rússia, citando os resultados, majoritariamente favoráveis aos russos, como uma expressão do desejo popular. As votações, segundo organismos internacionais, não foram livres, e praticamente nenhum governo as considera legítimas.

Além da anexação de fato, repetindo o enredo da Crimeia em 2014, Putin exigiu que o "novo" Estado ucraniano seja neutro, não alinhado e livre de armas nucleares, e que os países ocidentais e seus aliados suspendam imediatamente as sanções impostas a Moscou. E fez uma ameaça.

— Hoje apresentamos outra proposta de paz concreta e real. Se em Kiev e nas capitais ocidentais, eles também a recusam, como antes, então, no final, é na sua conta, da sua responsabilidade política e moral, a continuação do derramamento de sangue — disse Putin. — Obviamente, as realidades no terreno, na linha de frente de combate, continuarão a mudar, não a favor do regime de Kiev. E as condições para iniciar as negociações serão diferentes.

Putin completou o discurso com uma alfinetada ao presidente Volodymyr Zelensky: ele lembrou que o mandato presidencial do ucraniano expirou em maio, mas Zelensky permaneceu no cargo — juristas locais dizem que, diante da situação do país e da declaração da Lei Marcial, que impede eleições em tempos de guerra, não há qualquer irregularidade.

— O mandato presidencial do chefe da Ucrânia anteriormente eleito expirou, juntamente com a sua legitimidade, que não pode ser restaurada por quaisquer truques — disse Putin, declarando por conta própria que a extensão dos mandatos através da Lei Marcial vale apenas para o Legislativo. — Em outras palavras, é a Verkhovna Rada [Parlamento] que é hoje um órgão legítimo, em contraste com o Poder Executivo.

Horas depois, em um evento com militares, Putin destacou que na chamada "zona de operação militar especial", que inclui as áreas ocupadas na Ucrânia e regiões de fronteira na Rússia e Bielorrússia, há cerca de 700 mil militares, sem detalhar os papéis desses grupamentos. O número é similar ao revelad pela inteligencia ucraniana, que estimava o contingente em 500 mil militares.

As autoridades ucranianas, anteriormente, negaram-se a aceitar baixar as armas ou de abrir mão de parte de seu território. A reação inicial de Kiev não foi diferente desta vez.

"Não há novas 'propostas de paz' da Rússia. A entidade Putin expressou apenas o 'conjunto padrão do agressor', que já foi ouvido muitas vezes. O seu conteúdo é bastante específico, altamente ofensivo ao direito internacional e fala de forma absolutamente eloquente sobre a incapacidade da atual liderança russa para avaliar adequadamente as realidades", escreveu Mykhailo Podolyak, conselheiro de Zelensky, nas redes sociais. "É tudo uma farsa completa. Portanto - mais uma vez - livrem-se das ilusões e parem de levar a sério as 'propostas da Rússia' que são ofensivas ao senso comum"

O chefe da Otan, Jens Stoltenberg, também criticou as condições estabelecidas por Putin, chamando-as de proposta para "mais agressão, mais ocupação".

— Essa não é uma proposta feita de boa fé — disse Stoltenberg aos repórteres após uma reunião de ministros da Defesa em Bruxelas. — Essa é uma proposta que, na verdade, significa que a Rússia deve alcançar seus objetivos de guerra, esperando que os ucranianos desistam de muito mais terras do que a Rússia conseguiu ocupar até agora.

Os comentários de Putin sobre um possível acordo de paz ocorrem no mesmo momento em que Kiev recebe uma nova onda de medidas destinadas por seus aliados ocidentais, incluindo um plano apoio continuado, com prazo de 10 anos, com os EUA, e um pacote de ajuda de U$ 50 bilhões (R$ 270 bilhões), financiado com juros provenientes de bens russos congelados no exterior.

Putin também se manifestou sobre o plano de financiamento anunciado durante a cúpula do G7, na conversa com os diplomatas, classificando como "roubo" a destinação dos ativos russos. Quando o plano começou a ser discutido pelos ocidentais — algo que ganhou espaço na agenda paralela ao encontro de ministros de Finanças do G20, em São Paulo — o ministro russo das Finanças, Anton Siluanov, chegou a afirmar que Moscou responderia com "medidas simétricas".

— Apesar de todas as trapaças, roubo continua sendo roubo e não ficará impune — disse Putin aos funcionários da chancelaria.

O acordo bilateral entre EUA e Ucrânia, anunciado à margem do G7, também entrou na mira russa. A diplomacia de Moscou, em um pronunciamento oficial, minimizou a parceria de dez anos assinada pelos presidentes Joe Biden e Volodymyr Zelensky. Com condições similares à parceria celebrada com Israel, os EUA comprometem-se com o treinamento do Exército ucraniano, fornecimento de armas e outros equipamentos de defesa, organização de exercícios e cooperação na indústria de defesa.

— O fato é que [estes acordos] são apenas pedaços de papel (...). Estes acordos não são nada, não têm valor jurídico —declarou a porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, citada pelas agências de notícias russas.

Embora autoridades americanas e ucranianas tenham celebrado a assinatura do acordo — em um comunicado, o governo americano chamou de "um poderoso sinal de nosso forte apoio à Ucrânia, agora e no futuro", enquanto Zelensky afirmou se tratar de uma "ponte" para o futuro na Otan —, há desconfiança sobre a manutenção do acordo, a depender do resultado das eleições americanas deste ano.

Autoridades da Alemanha, Canadá, França, Itália, EUA, Japão, Reino Unido e da União Europeia durante cúpula do G7. — Foto: LUDOVIC MARIN/AFP
Autoridades da Alemanha, Canadá, França, Itália, EUA, Japão, Reino Unido e da União Europeia durante cúpula do G7. — Foto: LUDOVIC MARIN/AFP

O pacto foi firmado em nível executivo, sem garantias de que outros presidentes seguirão seus termos, ao contrário do firmado com Israel, que foi discutido e aprovado pelo Congresso. Caso Donald Trump seja eleito em novembro, ele poderia rasgar o texto — como o fez com o acordo internacional sobre o programa nuclear do Irã, em 2018.

As tentativas para chegar à paz na Ucrânia, por via militar ou diplomática, falharam até o momento. O governo ucraniano convocou uma cúpula, chamada de Conferência para a Paz, que será realizada na Suíça a partir de amanhã, mas sem uma expectativa de avanço real, por não incluir uma delegação russa.

Em viagem à Europa, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, criticou a realização da conferência sem a presença da Rússia e acusou os dois líderes do Leste Europeu de estarem "gostando da guerra".

— Se o Zelensky diz que não tem conversa com o Putin, e o Putin diz que não quer conversa com o Zelensky... ou seja, é porque eles estão gostando da guerra. Porque, senão, já tinham sentado para conversar e tentar encontrar uma solução pacífica — disse Lula. (Com AFP)

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