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Por , O Globo — Teerã

Em uma reviravolta eleitoral no Irã, o candidato reformista, que defende políticas moderadas e melhores relações com o Ocidente, venceu o segundo turno presidencial contra seu rival linha-dura, garantindo um mandato de quatro anos. O cirurgião Masoud Pezeshkian, de 69 anos, obteve 16,3 milhões de votos e derrotou Saeed Jalili, que recebeu 13,5 milhões — um resultado que representa um duro golpe para a ala conservadora do país e abre espaço para a ala reformista, marginalizada nos últimos anos.

Neste sábado, no mausoléu do aiatolá Ruhollah Khomeini, fundador da República Islâmica, o “doutor”, como é chamado pela imprensa local, fez um discurso agradecendo a seus apoiadores, e disse que que seus votos “deram esperança a uma sociedade mergulhada em uma atmosfera de insatisfação”.

— Eu não fiz promessas falsas nesta eleição — disse, ao lado do ex-ministro das Relações Exteriores Mohammad Javad Zarif. — Eu não disse nada que não seria capaz de cumprir amanhã.

A taxa de participação eleitoral no segundo turno foi de cerca de 50%, 10 pontos percentuais a mais do que no primeiro, que teve a pior adesão eleitoral desde 1979. A perspectiva de um governo linha-dura que intensificaria as regras sociais já rígidas no país — incluindo a imposição obrigatória do hijab para as mulheres —, e que permaneceria sem realizar negociações internacionais para aliviar as sanções econômicas, parece ter motivado mais iranianos a votar.

O pleito foi organizado às pressas após a morte do presidente Ebrahim Raisi (1960-2024) num acidente de helicóptero, em maio — um ultraconservador conhecido por condenar milhares de iranianos à morte por enforcamento nos anos 1980. E embora o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, detenha grande parte do poder, a nova Presidência pode definir políticas domésticas e ajudar a moldar a política externa do país.

— Um presidente reformista, apesar de todas as limitações e fracassos do passado, ainda é significativamente melhor. De maneira importante, ele colocaria alguma restrição ao autoritarismo da República Islâmica — disse à AFP Nader Hashemi, professor de estudos do Oriente Médio na Universidade George Washington.

Desafios internos

Os dois candidatos no segundo turno, de extremos opostos dentro do espectro político restrito do Irã, representavam diferentes visões para o país. Nos dias anteriores à votação, políticos e clérigos proeminentes chamaram Jalili de “delirante”, e o compararam ao Talibã no Afeganistão, alertando que uma possível Presidência colocaria o país em rota de colisão com os EUA e Israel. Muitos conservadores, inclusive, cruzaram as linhas partidárias e votaram em Pezeshkian, porque acreditavam que seu rival aprofundaria as tensões internamente.

— Jalili não pode unir os iranianos — afirmou Saeed Hajati, um conservador que declarou voto em Pezeshkian. — Ele nos dividiria ainda mais, e precisamos de alguém que possa superar essas divisões.

O presidente eleito tentou concorrer outras duas vezes: em 2013, quando desistiu no início da disputa, e em 2021, quando não foi aprovado pelo Conselho dos Guardiões, responsável por autorizar as candidaturas. Veterano da guerra contra o Iraque, ele é um velho conhecido da política iraniana: serviu no Parlamento por 16 anos, incluindo um período como vice-presidente do órgão, e como ministro da Saúde por quatro anos. Após a morte de sua esposa em um acidente de carro, ele criou seus filhos sozinho e nunca se casou novamente. Isso, e sua identidade como azeri, uma das minorias étnicas do Irã, cativaram muitos eleitores.

Agora, há uma lista de desafios que o aguardam: uma economia debilitada por anos de sanções econômicas internacionais, um eleitorado frustrado e armadilhas geopolíticas que levaram o Irã à beira de uma guerra duas vezes este ano.

Internamente, também terá que lidar com uma população jovem insatisfeita e ansiosa por mudanças. Nos últimos anos, uma onda de protestos pediu o fim do governo da República Islâmica — incluindo um levante, em 2022, liderado por mulheres após a morte de Mahsa Amini, jovem de 22 anos detida sob a acusação de não usar o hijab de maneira adequada.

O governo Raisi reprimiu brutalmente a dissidência, matando mais de 500 pessoas e prendendo dezenas de milhares de manifestantes. Já Pezeshkian é crítico das políticas sobre o uso do véu, e apoiou os protestos iniciados após a morte de Amini.

“Para Khamanei, Pezeshkian pode ser útil justamente para tentar reduzir a pressão interna contra o super impopular regime, especialmente entre os jovens. Com o governo reformista e a redução da repressão, a pressão interna pode diminuir”, avalia o jornalista Guga Chacra, em sua coluna. “O presidente eleito também ficará responsável pela situação econômica. Se melhorar, ótimo para o regime. Se piorar, o ônus ficará com ele e não com o regime”.

Programa nuclear

Outro tema chave em seu novo governo será o acordo nuclear iraniano, assinado em 2015 com EUA, China, Rússia, França, Alemanha e Reino Unido. Conhecido como JCPOA, o pacto deveria regular as atividades atômicas do Irã em troca da retirada de sanções internacionais. Mas, desde a saída unilateral de Washington do acordo, em 2018, durante a gestão do ex-presidente Donald Trump, o Irã gradualmente se desfez de seus compromissos.

Embora Teerã negue querer adquirir armas nucleares, seu programa continuou a crescer sob comando de Raisi. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ele é hoje o único país não-nuclear a enriquecer urânio a 60%, perto dos 90% necessários para construir uma bomba, e acumular grandes estoques.

Diplomatas ocidentais avaliam que uma vitória de Jalili teria paralisado ainda mais a questão, descrevendo-o como um “linha-dura” que fez “discursos ideológicos” durante as negociações. Pezeshkian, por sua vez, defende o acordo internacional e um dos arquitetos do plano, o ex-chanceler Javad Zarif, esteve ao seu lado ontem, em seu discurso a apoiadores, e é cotado como futuro chanceler. Mesmo assim, alguns analistas são céticos de que um governo de Pezeshkian mude o status atual.

— Restaurar o acordo nuclear de 2015 não é mais uma opção realista, pois os fatos no terreno mudaram fundamentalmente — disse à AFP Ali Vaez, diretor do projeto Irã no International Crisis Group. — O programa nuclear do país agora está muito avançado, as sanções provaram ser muito persistentes, a confiança está no ponto mais baixo de todos os tempos e as potências mundiais não estão mais na mesma página.

Reação internacional

Horas após Pezeshkian vencer o segundo turno, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, parabenizou o candidato reformista e disse esperar que seu mandato como novo chefe de Estado “contribua para o esforço de cooperação bilateral construtiva entre nossos povos amigos”. Os dois países, alvos de severas sanções ocidentais, podem “coordenar esforços para resolver questões internacionais de maneira construtiva”, afirmou em comunicado.

Países do Golfo, incluindo a Arábia Saudita, que restabeleceu os laços com Teerã ano passado após uma ruptura de anos, também felicitaram o novo presidente eleito. Segundo a Agência de Imprensa Saudita oficial (SPA), o rei Salman al-Saud expressou esperança pelo “desenvolvimento contínuo das relações qeu unem nossos dois países e nossos dois povos irmãos”. Ele também declarou seu desejo de maior “coordenação e diálogo para fortalecer a paz e segurança regional e internacional”.

Da Índia, o primeiro-ministro Narendra Modi disse estar “ansioso para trabalhar de perto” com Pazeshkian e fortalecer “ainda mais nosso relacionamento bilateral caloroso e de longa data em benefício de nossos povos e da região”. Os dois países mantêm fortes laços. Em maio, assinaram um contrato para desenvolver e equipar o projeto de porto de Chabahar, no Irã, e Washington advertiu que empresas indianas que trabalhavam no projeto corriam o risco de sanções.

O líder chinês, Xi Jinping, por sua vez, disse dar “grande importância ao desenvolvimento das relações China-Irã” e afirmou estar “disposto a trabalhar com o presidente para conduzir a parceria estratégica abrangente a um avanço mais profundo”. Os dois, continuou, “têm uma longa história de intercâmbios amigáveis, e as relações bilaterais mantiveram um desenvolvimento saudável e estável por mais de meio século”. Ele acrescentou que, “diante de situações regionais e internacionais complexas, China e Irã sempre se apoiaram, trabalharam juntos e continuaram a consolidar a confiança mútua estratégica”. (Com AFP e New York Times)

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