Em “Ainda temos o amanhã”, Paola Cortellesi contrasta a apresentação de um panorama sem retoques do pós-Segunda Guerra Mundial com momentos desconcertantes de suspensão do real. Logo na primeira cena, Delia (interpretada pela própria Cortellesi), ao acordar, leva um tapa do marido, Ivano (Valerio Mastandrea), e, como se nada tivesse acontecido, dá início às suas tarefas diárias em passagem marcada por música suave.
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Mais adiante, Delia é espancada por Ivano — numa sequência coreografada que, justamente por isso, gera estranhamento — e retorna ao trabalho doméstico. A cineasta não procura minimizar a tragédia de Delia, personagem que simboliza as muitas mulheres oprimidas e vítimas da violência imposta pelos homens, e sim chamar atenção para a banalização da brutalidade no cotidiano. Mas uma possibilidade de mudança surge no horizonte.
Nessa sua estreia como diretora, Cortellesi evoca o neorrealismo italiano e dialoga com gêneros diversos, casos do melodrama — no retrato da vida sacrificada de Delia — e da comédia, na inclusão de tipos pitorescos, como a da idosa desconhecida que reza ininterruptamente durante o velório. Apesar de eventuais inverossimilhanças (a exemplo da explosão da loja) e alguma concessão ao exagero (no esnobismo de Orietta, papel de Alessia Barela), o filme conta com ótima atuação de Cortellesi, bela fotografia em preto e branco (de Davide Leone) e trilha sonora surpreendente (de Lele Marchitelli). Repleto de qualidades, o resultado conquistou o público na Itália.
Bonequinho aplaude.