Arqueologia

Por Redação Galileu

O designer 3D brasileiro Cicero Moraes fez uma aproximação facial fascinante a partir do estudo estrutural do crânio de Piltdown, revelado em 1912 em Londres, na Inglaterra. A caixa craniana que se acreditava ser um "elo perdido entre os macacos e os humanos" foi revelada, 40 anos depois, como uma das ou talvez a maior fraude da história da ciência.

A reconstituição da face foi publicada por Moraes ao lado dos arqueólogos Luca e Alessandro Bezzi, do grupo Arc-Team, na Itália, em 1º de janeiro na revista OrtogOnLineMag.

Conforme Moraes contou em e-mail enviado à GALILEU, além de reconstruir a face, o trabalho contou a história do crânio de Piltdown em detalhes, recorrendo a dados da apresentação original e a artigos posteriores.

"Nós comparamos a mandíbula com outros primatas e descobrimos uma compatibilidade quase perfeita com uma orangotango fêmea e, unindo isso ao crânio com traços bastante delicados, podemos ter não um homem, mas uma Mulher de Piltdown", disse o designer.

Fraude elaborada

Durante uma reunião da Geological Society de Londres em 18 de dezembro de 1912, o advogado de profissão e geólogo amador Charles Dawson, junto com o paleontólogo Arthur Smith Woodward, apresentaram o achado do crânio de Piltdown.

Segundo Dawson, por volta de 1908, durante uma caminhada por uma estrada em Piltdown Commons, no condado britânico de Sussex, que tinha passado por manutenção, ele percebeu que haviam distribuído sobre ela cargas de pedras marrons, pouco comuns na região.

Após perguntar aos trabalhadores, descobriu que os objetos vinham de um leito de cascalho de uma fazenda próxima. O geólogo pediu aos funcionários do local que guardassem "fósseis" caso os encontrassem.

Depois, munido do que parecia ser uma porção de osso parietal e a região frontal de um crânio, Dawson foi até o Museu Britânico, onde apresentou os achados. Na primavera de 1912, mais buscas ocorreram entre os montes e entulhos de cascalho da fazenda.

Foi proposto mais tarde que a espécie de Piltdown fosse considerada parte de um novo gênero da família Hominidae, a ser denominado Eoanthropus dawnsoni, em homenagem ao seu descobridor. Apesar de levantar dúvidas anatômicas e de datação, a apresentação foi recebida com atenção e abraçada por um seleto grupo de cientistas.

Aproximação facial

Primeiro, Cicero Moraes e seus colegas fizeram uma deformação anatômica do crânio de Piltdown. Foram distribuídos pontos anatômicos na caixa craniana para servirem como referência a linhas de projeção de estruturas ósseas e do tecido mole baseadas em tomografias de indivíduos vivos de ancestralidades diferentes.

Deformação anatômica utilizando as tomografias de um Homo sapiens e um Pan troglodytes — Foto: Moraes et al
Deformação anatômica utilizando as tomografias de um Homo sapiens e um Pan troglodytes — Foto: Moraes et al

Em seguida, um processo de modelagem foi efetuado no software Blender 3D, rodando a extensão OrtogOnBlender e seu submódulo ForensicOnBlender. O resultado foram dois tipos de abordagem: uma aproximação facial objetiva, em escala de cinza, sem pelos e cabelos, e outra subjetiva destinada ao público geral (em cores, com mais detalhes).

Face objetiva da aproximação facial a partir do crânio de Piltdown — Foto: Moraes et al
Face objetiva da aproximação facial a partir do crânio de Piltdown — Foto: Moraes et al

Em uma comparação anatômica, quase todas as mandíbulas de orangotangos (Pongo pygmaeus) ficaram maiores do que a do crânio de Piltdown, principalmente as dos espécimes masculinos. Mas uma mandíbula de orangotango fêmea se assemelhou significativamente ao remanescente encontrado por Dawson e equipe em 1912.

Aproximação facial da orangotango do crânio de Piltdown — Foto: Moraes et al
Aproximação facial da orangotango do crânio de Piltdown — Foto: Moraes et al

Incoerências

Na época da apresentação do achado, muitos especialistas duvidaram da autenticidade da descoberta. O anatomista David Waterston, que participou da apresentação original foi bem franco e afirmou que “ter uma mandíbula inteiramente semelhante a de um chimpanzé, exceto por um côndilo semelhante ao humano, era como ter um pé semelhante ao de um chimpanzé sobre uma coxa e uma perna essencialmente humanas”.

Em junho de 1914, uma grande ferramenta de osso, chamada de taco de críquete por alguns, foi encontrada cerca de 30 cm abaixo do solo em Piltdown, sugerindo que alguém poderia ter plantado o taco para avisar o falsificador de que ele havia sido descoberto.

Após outras análises que colocavam em xeque a descoberta, em 2016 um amplo estudo revelou que os dentes molares do crânio tinham compatibilidade com o gênero Pongo. Já o canino era parecido com os de dois orangotangos subadultos.

Aproximação facial em cores — Foto: Moraes et al
Aproximação facial em cores — Foto: Moraes et al

Dawson não teve muito tempo para apreciar a repercussão gerada pelos seus achados, pois morreu em 1916. Uma análise filogenética revelou que o canino de Pitdown e o molar de Pitdown II (um espécime que veio à tona depois da morte de Dawson) pertenciam a um orangotango de Bornéu (Pongo pygmaeus), que provavelmente viveu ao oeste da ilha.

"Os pesquisadores identificaram a presença de massa restauradora nos alvéolos mandibulares e uma série de lesões causadas durante o processo de 'ajuste' da estrutura para o fim desejado pelo do falsificador. Em relação a abóbada, foram utilizados ossos de dois ou três humanos, possivelmente medievais", descreve o estudo.

Até hoje, não se sabe o que motivou a falsificação, mas o designer 3D tem uma teoria: "Especula-se que Charles Dawson sonhava se tornar Fellow da Royal Society, e vendo que seus esforços anteriores não surtiram efeito, pode ter utilizado os seus conhecimentos para falsificar o 'fóssil' do Homem de Piltdown".

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