Artes visuais
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Por Nelson Gobbi


A cantora Adriana Calcanhotto diante de obras de Vânia Mignone, do acervo da Casa Roberto Marinho — Foto: Brenno Carvalho
A cantora Adriana Calcanhotto diante de obras de Vânia Mignone, do acervo da Casa Roberto Marinho — Foto: Brenno Carvalho

Muito antes de virar centro cultural, o casarão neocolonial do número 1.105 da Rua Cosme Velho recebia em seus salões um grupo tão diverso quanto inovador de criadores. Dos saraus comandados por Dorival Caymmi, Pixinguinha ou Tom Jobim às encenações teatrais, como a de “Um deus dormiu lá em casa” em 1949, com Paulo Autran e Tônia Carrero no elenco, passando por recepções que reuniam artistas visuais que viriam a integrar a coleção mantida hoje na Casa Roberto Marinho, a exemplo de Portinari, Di Cavalcanti e Djanira. Décadas antes de ter uma sala de cinema, suas dependências já recebiam projeções caseiras de clássicos do cinema nacional, de “Limite”, de Mário Peixoto, a “Deus e o diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha.

Desde 2018 aberta ao público, a antiga residência da família do jornalista retoma sua vocação como um polo aglutinador das diferentes expressões artísticas com a exposição “Alegria aqui é mato — 10 olhares sobre a Coleção Roberto Marinho”, que será inaugurada neste domingo, com curadoria de uma dezena de nomes de variadas áreas. Em espaços distintos, os cantores e compositores Paulinho da Viola e Adriana Calcanhotto, a atriz Fernanda Montenegro, o cineasta Antonio Carlos da Fontoura, o arquiteto Glauco Campello, o designer Victor Burton e os artistas visuais Marcos Chaves, Gabriela Machado, Walter Carvalho e José Damasceno criam diálogos entre alguns dos mais de 1.400 itens do acervo e, em alguns casos, com suas próprias criações.

No caso de Adriana Calcanhotto, a sala destaca a obra de artistas mulheres, de Anita Malfatti a Beatriz Milhazes, tendo na primeira parede um retrato seu, “Adrianas” (2022), de Leonora Weissmann, vindo de seu acervo pessoal para criar conexões com o da Casa. O título da sala, “Perigosas motoristas”, faz referência a um texto de 1957 do crítico Mário Pedrosa (1900-1981), sobre a escultora Maria Martins (também na seleção da cantora), no qual alfinetava: “Maria avança de olhos fechados e sem olhar os sinais. Perigosa motorista.”

Paulinho da Viola e tela sem título de Amilcar de Castro — Foto: Divulgação/Jaime Acioli
Paulinho da Viola e tela sem título de Amilcar de Castro — Foto: Divulgação/Jaime Acioli

— Mesmo Mário Pedrosa, que é um crítico que admiro muito, ainda era capaz de recorrer a argumentos deste tipo para analisar a obra de uma mulher — observa Adriana. — Reuni todas essas “perigosas motoristas”, essas mulheres superpoderosas, seguindo uma cronologia, para mostrar como cada uma influenciou outra e serviu como referência.

O título da exposição vem de uma foto do americano Hart Preston, de uma faixa com os dizeres “Tristeza aqui é mato”, exibida por um folião no carnaval carioca de 1942. Diretor da Casa Roberto Marinho e curador geral da exposição, Lauro Cavalcanti explica que a mudança de “tristeza” para “alegria” remete à expectativa por momentos mais abundantes.

— A mostra reflete tanto essa vitalidade da arte brasileira e a esperança de tempos melhores para a Cultura — comenta Cavalcanti, explicando a escolha dos curadores convidados. — Os critérios partiram tanto da minha admiração pessoal quanto de pessoas que tivessem esse olhar transversal para a arte. Isso traz um frescor, que seria mais raro numa curadoria tradicional.

Na tela do cinema

Cada um desses olhares possibilita novas conexões entre o acervo da Casa, outras obras e diferentes expressões artísticas. Como na sala de Antonio Carlos da Fontoura, “Ver ouvir”, que leva obras de nomes como Antonio Dias e Rubens Gerchman para junto do cinema da instituição, onde serão exibidos documentários do cineasta sobre artistas, como “Heitor dos Prazeres” (1966) e “Wanda Pimentel” (1972). Ou a de Fernanda Montenegro, “O ator e seu ofício”, na qual há apenas uma tela, de Genaro de Carvalho, “O equilibrista” (1949), exibida junto à projeção de um vídeo inédito gravado pela atriz para a mostra. Ou ainda a sala de Paulinho da Viola, guiada pela vibração das cores de obras assinadas por Iberê Camargo, Salvador Dalí, Heitor dos Prazeres e Antonio Bandeira, entre outros.

Na seleção para a sua sala, “Infraconjuntura — Luz e sombra”, José Damasceno relaciona pinturas de Milton Dacosta e Djanira e desenhos de Ismael Nery a esculturas de Victor Brecheret e de sua própria autoria (“A bela e a fera”, de 2022).

— Esta seleção vem das associações entre o espaço e as obras. Na medida em que você descobre cada trabalho, vai criando outras poéticas — reflete o escultor. — Por exemplo, uma abstração da Maria Helena Vieira da Silva, com uma trama quase geométrica, justaposta a uma cena da Djanira, gera uma relação surpreendente.

Já a pintora Gabriela Machado partiu de uma série de telas dos anos 1940, de naturezas mortas e paisagens assinadas por nomes como Lasar Segall, Guignard e Pancetti relacionando-as a suas criações, de pequena e grande escala.

— É uma abordagem do ofício do artista, de como a gente passa a vida fazendo o mesmo trabalho. É algo atemporal. Eu pintei o mar da mesma forma que o Pancetti pintou um dia, mas mesmo que fosse a mesma praia, a mesma pedra, cada um tem a sua poética — analisa Gabriela, que pediu à poeta portuguesa Matilde Campilho um pequeno texto para a sua seção. — Quando Matilde veio para o Rio, ficamos muito próximas, ela conhece bem meu trabalho. Pedi um texto e ela me mandou o poema que foi para a parede, e que considero mais uma obra da mostra.

Lauro Cavalcanti, diretor da Casa Roberto Marinho e curador geral da mostra — Foto: Brenno Carvalho
Lauro Cavalcanti, diretor da Casa Roberto Marinho e curador geral da mostra — Foto: Brenno Carvalho

Outra visão da coleção teve o designer Victor Burton, “Tempo livre”, relacionando obras que retratam momentos de lazer, do esporte às festas, como “Os músicos” (1943), de Burle Marx, “Noite de São João” (1961), de Guignard, e um registro fotográfico do futebol na Praia de Copacabana, feito por Thomaz Farkas em 1942.

— Pode até parecer um tema supérfluo, mas o tempo livro, não relacionado a nenhuma obrigação profissional, é, na verdade, o momento da criação — destaca Burton. — Quantas obras não foram criadas em bares, em encontros musicais, ou em simples conversas? E é um pouco do que a Casa também oferece, estar aqui numa exposição é uma forma de usufruir de seu tempo livre.

Onde: Casa Roberto Marinho — Rua Cosme Velho 1.105 (Tel: 3298-9449). Quando: Ter a dom, das 12h às 18h. Abertura no domingo. Até 19/3/23. Quanto: R$ 10 (grátis às quartas). Classificação: Livre.

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