Ele está fazendo seu segundo filme como diretor. Vira a madrugada gravando, dorme poucas horas e se levanta já pensando no trabalho. Faz exercícios todos os dias. Quando não está filmando, joga futebol e não descarta uma resenha entre amigos. No set, demonstra empolgação, chegando a, literalmente, pular cercas que surgem pelo caminho. Este homem é Antônio Pitanga, 83 anos.
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Baiano de Salvador, o ator é um dos grandes nomes da história do cinema brasileiro, tendo participado de clássicos como “O pagador de promessas” (1962), único longa nacional a conquistar a Palma de Ouro em Cannes. Ao longo de mais de seis décadas de carreira, trabalhou em 80 filmes, além de muitas peças e telenovelas. Em 1978, estreou como diretor de cinema em “Na boca do mundo”, estrelado por ele, Norma Bengell e Milton Gonçalves.
Inspiração
Agora, está à frente de “Malês”, que retrata a maior revolta de escravizados da História do Brasil, que em 1835 mobilizou a população negra de Salvador e foi reprimida com violência pelo Estado.
— Quando fiz “A idade da terra”, em 1980, com Glauber (Rocha), ele me chamou para voltarmos à Bahia e produzirmos “Malês”. Mas ele se foi (em 1981, aos 42 anos) e deixei de lado. Quando vi “Amistad” (1997), do Steven Spielberg, o filme veio inteiro na minha cabeça — conta Pitanga, por telefone, direto das filmagens em Cachoeira, na Bahia.
Com estreia prevista para 2024, o projeto antigo tem um forte envolvimento familiar: Pitanga, que também atua na obra como um dos líderes do levante, convocou os filhos, Camila e Rocco, para o elenco. É a primeira vez em que os três trabalham juntos. Participando da mesma ligação telefônica, Camila é só elogios ao pai ator no papel de diretor:
— Ter um set conduzido por Antônio Pitanga é ter um set extremamente eficiente e profissional. Ele cumpre o plano de filmagens todos os dias, está muito por dentro do orçamento e faz o que precisa fazer. Mas sem perder a ternura e o sorriso — diz a atriz, de 45 anos, que faz no filme o papel de Sabina, personagem casada com um dos líderes da revolta e é praticante de umbanda. — Quando temos a figura de um diretor negro, podemos contar histórias que a História não conta. A versão oficial teima em retratar negros subservientes, como se não fossem sujeitos de seu tempo.
Rocco, de 42 anos, faz Dessalu, um muçulmano capturado na África no dia de seu casamento. Ele também destaca o papel do pai:
— É incrível poder contribuir com o sonho dele. E um presente poder olhar para nosso pai como um colega de trabalho.
Depois daquela sessão de “Amistad”, Pitanga passou anos correndo atrás de financiamento, até que em 2011 o projeto ganhou força com a entrada de Flávio Ramos Tambellini na produção e Manuela Dias no roteiro. Ainda assim, foi necessária ainda mais de uma década para iniciar o trabalho, que tem coprodução da Globo Filmes.
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O filme pensado quando Pitanga chegava aos 40 anos vai estrear quando ele já tiver quase 85, o que lhe faz pensar. Em dado momento da conversa, reflete sobre ele, como “um senhor de idade”, acha “bonito ver a juventude se entregando ao projeto”. Mas é prontamente interrompido por Camila:
— Ah, pai, não vai colar! Meu pai é mais jovem do que eu e do que meu irmão. Passou a madrugada filmando e já está aqui. Joga futebol toda semana. É um atleta.
Um furacão
Camila Pitanga se emociona ao falar do trabalho:
— Foram tantos obstáculos para este filme acontecer, para ver meu pai no set gritando “ação”. As pessoas tendem a achar que quem tem mais de 80 está no fechamento. Mas meu pai está fazendo filme, novela, peça de teatro. É muito lindo ver ele tão feliz. Tão dono da sua vida.
Pai coruja, Antônio Pitanga celebra a oportunidade de trabalhar com os dois filhos e diz que Camila também é responsável pelo atual momento bem ativo de sua carreira — para o ator, diretamente relacionado ao lançamento do documentário “Pitanga” (2017), dirigido pela filha e por Beto Brant.
Rocco lembra que os três sempre foram cobrados para fazer um projeto juntos, mas nunca tinham conseguido tempo para realmente pôr a ideia em prática. O ator já havia dividido os palcos com o pai na peça “Embarque imediado”, cuja temporada está suspensa devido à produção do longa:
— Meu pai é tudo, é um furacão, é uma nuvem calma. É um sujeito com bastante energia para apaziguar um set tenso e para eletrizar uma equipe e não deixar a peteca cair.
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Apesar de se derreter com a presença dos filhos, Pitanga faz questão de citar vários outros membros do elenco e da equipe da produção, ressaltando que todos fazem parte da “família cinema”. O filme conta ainda com as participações de Bukassa Kabengele, Wilson Rabelo, Rodrigo dos Santos, Samira Carvalho, Nando Cunha e Patricia Pillar no elenco, além de ter trilha sonora de Antônio Pinto e Carlinhos Brown.
— Estou há 12 anos lutando para levantar o filme, e o Pitanga, há mais de 30. Não é um projeto de orçamento baixo. É de época, tem batalhas, e traz um tema que não se enquadra no que tem funcionado mais no cinema brasileiro, que são as comédias — diz Tambellini. — Mas acho que esse tempo de maturação foi favorável ao filme. O roteiro foi trabalhado e retrabalhado. Acho que “Malês” vai surpreender. Não é um filme que é só reflexivo, ele também traz muita ação. Estou muito otimista.