Flip 2022
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Por Bolívar Torres — Paraty

Se tem uma figura que despertou a curiosidade dos leitores brasileiros em 2022, esta é a de Benjamín Labatut. Lançado este ano, o seu "Quando deixamos de entender o mundo" (Todavia) é um desses objetos não identificados que volta e meia cruzam o horizonte das livrarias: misturando ciência e história, ensaio e ficção, retrata a busca de cientistas pelo “núcleo escuro no centro das coisas”. Uma das principais atrações da 20ª Flip, o autor lança em Paraty seu mais novo título, "A pedra da loucura", com dois ensaios que complementam os temas explorados na obra anterior.

A vinda do chileno de 42 anos à cidade histórica é uma oportunidade de ver de perto este escritor que diz buscar a escuridão e o caos. Ao vivo, ele é exatamente o que seus livros deixam imaginar. Sentado em uma mesa perto da piscina da Pousada do Ouro, onde está hospedado, dispara frases de efeito a todo momento. O saldo da entrevista é amplo: "a literatura é um hábito das sombras"; "como todos os escritores, sou um mentiroso"; "qualquer idiota pode escrever em inglês e acho que sou um desses idiotas"...

Labatut veste um short e um kimono preto. Com uma tendência à performance, às vezes lembra um mágico explicando os seus truques. Ou uma espécie de profeta punk. Ele provavelmente não gostará de ler esses parágrafos, já que costuma se esquivar de assuntos pessoais. É, aliás, difícil de encontrar informações sobre sua vida e formação na internet.

— Sou a pessoa mais desinteressante do mundo — diz o autor, que na sexta-feira eletrizou o público de Paraty na Mesa 10, uma das melhores do evento. — Nada me entedia mais do que minha própria opinião. Odeio ouvir-me falar. Por isso evito falar de mim. As pessoas compartilham muitas coisas hoje em dia.

Mesmo correndo o risco de irritá-lo, vale a pena insistir em questões mais pessoais. Por que ele aparece quase sempre vestido de preto? Ele foi um adolescente gótico?

— É que eu fico bem de preto — diz, sorrindo. — Não fui gótico... Quer dizer, acho que tive uma fase, sim. Quando era jovem eu me comportava como um velho. Vivia cansado e achava que nunca passaria dos 30, porque tudo era muito intenso para mim. Mas tive sorte porque me apaixonei pela minha mulher. São essas coisas que nos mantém vivos.

Fato um tanto aleatório: Labatut gosta de bossa nova. Ele considera a tristeza do gênero musical uma forma de sabedoria. Por outro lado, vê um excesso de felicidade no Brasil.

— Vivo no Chile e, para nós, a tristeza é um tesouro nacional — diz.

O novo livro do autor, "A pedra da loucura", junta uma pintura do holandês Jerome Bosh, os pesadelos do escritor americano H.P. Lovecraft e as teorias de mundo paralelo de Philip K. Dick para falar de uma humanidade cada vez mais desconectada de uma realidade coletiva.

O nosso momento histórico, segundo o escritor, é único: nunca tivemos tanto conhecimento sobre tudo e, ao mesmo, nunca tivemos tanta dificuldade em amarrar todas as peças do quebra-cabeças. Ninguém sabe o que vai acontecer com o mundo, mesmo tendo essa intimação de que estamos muito perto de algo que vai alterar nossa espécie. Só há uma reação apropriada para isso, diz Labatut. O pânico.

— O problema é que sempre projetamos muito sentido no mundo, porque é preciso muita coragem para se estar perdido — diz ele. — Como não há mais sentido nas coisas, sobra o desespero. Temos que desenvolver uma melhor afinidade com o caos. Por isso me interessam as partes da ciência que são incognoscíveis. Isso nos aponta para a mais profunda sabedoria que existe, que é a incerteza.

Labatut diz ser aquele tipo de pessoa incrivelmente corajosa quando está com outras, e incrivelmente assustada quando está sozinha. Mas quais são as fontes desse medo?

— A escuridão. Há uma profunda escuridão que você pode sentir... — ele faz uma pausa e respira fundo. — No fundo de tudo, há uma aranha. É o tipo de coisa que a vida ensina para quem cava fundo. Se você procura por maravilhas, também vai encontrar monstros. No interior e no exterior. Eles são mais reais do que as pessoas pensam.

Para Labatut, a literatura tem um deus próprio: Loki, o senhor do caos. Não por acaso, há muitas dúvidas sobre como classificar os livros do chileno. Parece haver um consenso, porém, de que eles pertencem ao domínio da ficção. Alguns até se arriscam a chamá-los de romance — uma afirmação que o próprio autor contesta.

— Não gosto de romances — diz, enfático. — Não os leio. Odeio escrevê-los. Meu próximo livro provavelmente será considerado um romance, mas não vejo como um. Temos essa obsessão em nomear as coisas, colocá-las em categorias, porque assim paramos de pensar nelas. Quando converso com um escritor e ele me diz que está escrevendo um romance, sempre respondo: "mas como eles sabem que é um romance? Como você escreve sabendo o que está escrevendo antes mesmo de terminar?" Isso é ridículo.

Com o sucesso de “Quando deixamos de entender o mundo”, a sua editora brasileira pretende fazer um grande lançamento de seu novo título, “The Maniac”, que sairá simultaneamente em diversos países. Mais uma vez, ele junta as histórias de diversas figuras reais. Um deles é o físico austríaco Paul Ehrenfest, amigo próximo de Einstein, que Labatut diz ter sido responsável por moldar o século XX. O outro é o programador John Manoogian, que fez os primeiros modelos de inteligência artificial. Este tema, aliás, tem grande importância no livro.

— Eu não sei se as pessoas conseguem imaginar o quanto a inteligência artificial vai alterar nosso mundo — diz. — Sinto-me atraído por ela, porque é como a chegada de um novo deus. Você começa a escutar profetas delirando no deserto. Sempre que as pessoas começam a gritar coisas doidas no deserto, temos que ouvi-las. E nos preparar.

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