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Por — Rio de Janeiro

Fernando Sabino completaria 100 anos nesta quinta-feira (12), e a celebração talvez lhe agradasse: discreta, muito mineira — é o homenageado da Feira Literária de Tiradentes, do dia 25 a 29 de outubro — e atenta à sua obra-prima, “O encontro marcado”, que o consagrou na literatura brasileira e ganha edição comemorativa pela Record. Tudo seguro e previsível demais, então talvez seja hora de repensar o legado deste grande escritor menor.

Nascido em Belo Horizonte, Sabino teve uma carreira longa: estreou com “Os grilos não cantam mais”, em 1941, e seguiu produzindo até perto de sua morte, em 2004. Fiel à prosa, variou dentro dela, com crônicas (de que é um dos grandes nomes, ao lado de Rubem Braga e Paulo Mendes Campos), contos, novelas, romances, relatos de viagens. Foi editor na Sabiá e até cineasta, produzindo com David Neves vários curtas sobre escritores, como seus ídolos Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.

Em todas as empreitadas, a literatura foi a constante. Por ela enviou seu livro de estreia a Mário de Andrade, dando início a uma correspondência que, sem exagero, tornou-o quem é: o autor de “Macunaíma” lhe sugeriu que assinasse apenas “Fernando Sabino”, suprimindo o nome do meio, “Tavares”. Batizado pela literatura, obcecado por ela ao longo da vida.

Tanto que fez um gesto raro hoje, e impensável à época. Em meio à boa vendagem de “O encontro marcado”, a muitas colaborações para a imprensa e a um processo de desquite, devolveu o cartório que o casamento e a proximidade com figurões da política nacional lhe renderam. A aposta não se pagou, ainda mais numa economia tão sujeita a oscilações violentas como a nossa. Mas se compreende o otimismo: Sabino tinha acabado de escrever sua obra-prima.

Em retrospecto, é fácil ver por que “O encontro marcado” chegou a mais de cem edições desde o lançamento, em 1956. A rapidez e a clareza da prosa logo põem o leitor na pele de Eduardo Marciano. Seguem, de modo vertiginoso, as descobertas do protagonista: o mundo inesgotável da infância; a amizade adolescente regada a literatura; os desencontros amorosos com Antonieta, filha de ministro e futura esposa; a morte do pai, seu Marciano; os próprios pontos cegos, com que Eduardo afasta uma a uma todas as pessoas queridas; e o elusivo sentido da vida. “Elusivo”, de fato — na clareza, persiste uma opacidade.

Ela está no centro do romance. De mudança para o Rio de Janeiro, casado com Antonieta, Eduardo interroga o futuro. Na seção seguinte, nós o encontramos meio fascinado, meio nauseado, e todo frustração. Destaque para a elipse: o rapaz inquieto, campeão de natação e aspirante a romancista ficou no meio do caminho, sem que se saiba onde ou por quê. A narração de Sabino preserva o mistério; o leitor que conclua.

Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino (sentados), Paulo Mendes Campos, José Carlos Oliveira e Sérgio Porto (em pé) no jardim da casa de Rubem Braga, em Ipanema, 1967 — Foto: Reprodução Instituto Moreira Salles
Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino (sentados), Paulo Mendes Campos, José Carlos Oliveira e Sérgio Porto (em pé) no jardim da casa de Rubem Braga, em Ipanema, 1967 — Foto: Reprodução Instituto Moreira Salles

O romance parece ter antecipado tendências. Afinal, não faltam livros de inspiração autobiográfica, ambientação urbana e jogos metalinguísticos, estrelando um escritor com problemas existenciais, amorosos e/ou familiares.

Mas o Sabino romancista parece o ângulo menos interessante do autor. O mais convencional. Embora ele mesmo privilegiasse essa faceta, ela representa só uma fração de sua escrita.

Uma fração, aliás, que parece ainda menor ao lado de contemporâneos seus como Guimarães Rosa ou Clarice Lispector, com romances bem mais poderosos e inesgotáveis. O Sabino da prosa longa tem, ainda por cima, uma mácula: “Zélia, uma paixão” (1991), biografia romanceada sobre a vida amorosa de Zélia Cardoso de Mello, então ministra da Fazenda — sim, a do confisco das poupanças. A carreira de Sabino nunca se recuperou depois disso. Não sem razão.

Mas há outro Sabino por descobrir em profundidade: o da prosa curta, de crônicas, contos e textos híbridos. O Sabino que na crônica, por exemplo, opõe energia, humor e vivacidade à nostalgia meditabunda de Rubem Braga. Falta uma leitura aprofundada do Sabino de “O homem nu”, “Anjo brasileiro”, “Macacos me mordam” e muitas histórias tão divertidas quanto surpreendentemente críticas. Elas parecem afinadas com as propostas de outro autor que faria 100 anos, Italo Calvino, que defendia a rapidez, a exatidão, a leveza e a visibilidade. Por aí, Sabino talvez nos aparecesse renovado: não um escritor menor de textos grandes, mas um grande escritor de textos menores.

Henrique Balbi é escritor e professor de Literatura

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