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Foi em 1938, na França, que o senegalês T. C. Elimani lançou seu único livro. “O labirinto do inumano” se tornou um sucesso imediato. A crítica logo enxergou no autor um “Rimbaud negro”, e o público aplaudiu. Foi tudo lindo... até Elimani ser acusado de plágio. A queda foi brutal. A editora quebrou, e ele sumiu no mundo, enquanto o livro se tornou objeto de desejo de entendidos em cultura africana. Oitenta anos depois, o também senegalês Diégane Faye tem acesso, meio por acaso, a um exemplar da obra. E fica fascinado. Encontra naquelas páginas a filosofia de vida que pretendia para si, além de discussões muito caras ao ofício da escrita no início do século XXI. Nesse momento, Faye é considerado “a mais nova promessa da literatura africana francófona”, como tantas que surgem ano após ano. Impactado pelo texto tão acachapante, ele decide revirar o planeta atrás do compatriota desaparecido há tantas décadas.

É a partir destes personagens ficcionais nasce “A mais recôndita memória dos homens”, do autor senegalês Mohamed Mbougar Sarr, de 33 anos. Com este romance, ele ganhou o prestigiado prêmio Goncourt em 2021, recebendo o que ele mesmo chama de “alcunha diabólica de mais nova promessa da literatura africana francófona”. Merece. Em 400 páginas, seu livro esconde várias novelas e temas, cada qual no seu devido lugar. Alternando vozes e gêneros narrativos, sem seguir a cronologia em linha reta, a confusão eventualmente gerada na cabeça do leitor faz parte do jogo de gato e rato que Sarr propõe desde o início.

Não é leitura para detetives preguiçosos — até porque não é nada fácil a tarefa de Faye. No seu labirinto, percorre cidades da França, do Senegal e outros cantos. Registra informações sobre Elimani, lida com amores estéreis e pessoas inesquecíveis, segue adiante espalhando reflexões e pistas que vão conduzir a prosa desde o passado aos dias de hoje. De certa forma, quase nada muda.

Sem perceber, o leitor se vê enfronhado em naturezas e sobrenaturezas, ditas e desditas da vida e da morte. Sem esquecer que nada é assim tão cartesiano e palpável, Faye encontrará interlocutores que lhe abrirão caminhos até que sua tarefa chegue ao fim. Conseguirá?

Não importa. O que importa é o caminho — é sempre aí que está a graça. Tanto que, a rigor, o conteúdo do livro de Elimani, peça que detona toda a narrativa, acaba ficando meio de lado. A busca pelo criador supera o interesse na criação.

Sem pressa de ser feliz, Sarr costura com tranquilidade assuntos cotidianos que tanto provocam reflexão: preconceitos, ódios, amores, sexos... Como quase todos os personagens têm origem africana, a questão histórica e social dos expatriados é um elemento forte (e óbvio) do romance, assim como todo o processo de colonização selvagem, diáspora e desmonte do continente original. É uma discussão bem atual e, no caso, nada.

Tudo está no seu contexto — como dizem por aí, Sarr tem lugar de fala e insere no seu discurso indignado um viés político indispensável e que muito diz sobre a literatura de hoje.

Quando vemos, por exemplo, a relação (fictícia, claro) de Elimani com escritores como os argentinos Jorge Luis Borges e Ernesto Sabato, as veias abertas da América Latina se entrelaçam às da África. Saar prega esse vínculo entre milhões que pagam um alto preço histórico pelo colonialismo.

mercado de boas causas<EP,1></header><ap3>Há também outro alvo importantíssimo na mira do senegalês: como capoeirista experiente, ele subitamente senta o sarrafo em literatos e afins encantados por sua ginga lúdica. É uma crítica necessária ao discurso “autodignificante” que cerca o mercado das letras — cada vez mais preocupado com o mercado, mas nem tanto com as letras.

É nessa linha que Sarr golpeia com elegância, por exemplo, os escritores que teimam em fazer literatura militante, com teses e manifestos disfarçados de histórias tão louváveis quanto ordinárias, em defesa de “boas causas morais”. Essa é uma mistura frequente que pode até dar certo durante um tempo, mas depois se esvazia. Torna-se inócua de tão repetitiva.

Eis aí uma boa cutucada em quem está apenas republicando “material embalsamado”, uma rebeldia oca devidamente consentida pelo mercado. Ou, se preferir, pelo colonizador. A continuar assim, apenas repetindo o passado, o que poderá a literatura fazer contra a herança colonialista?

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‘A mais recôndita memória dos homens’
Autor: Mohamed Mbougar Sarr. Tradutor: Diogo Cardoso. Editora: Fósforo. Páginas: 400. Preço: R$ 104,90. Avaliação: ótimo.

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