Morreu nesta quarta-feira, 15, aos 94 anos, no Rio de Janeiro, o escritor Rubem Fonseca . De acordo com a coluna de Lauro Jardim, ele sofreu um infarto na hora do almoço , em sua casa, no Leblon, Zona Sul da cidade. Levado às pressas para o Hospital Samaritano, em Botafogo, não resistiu.
Autor de alguns dos livros mais emblemáticos da literatura brasileira , como " Agosto " e " Feliz ano novo ", ele completaria 95 anos em maio ( Leia aqui material especial sobre os 90 anos do escritor ).
Zuenir Ventura: Rubem Fonseca e o seu medo de virar celebridade
Nascido em 1925, em Juiz de Fora (Minas Gerais), Fonseca se mudou para o Rio ainda na infância. No início dos anos 1950, tornou-se comissário em um Distrito Policial do bairro de São Cristovão. Embora fosse essencialmente um funcionário de gabinete e não frequentasse a rua, a vivência na polícia foi matéria prima essencial para as suas primeiras narrativas.
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A partir dos anos 1960, consolidou-se como um observador da violência urbana e da miséria humana. Sua estreia, a coletânea de contos “Os prisioneiros” (1963), foi saudada como “revelação do ano” pelo “Jornal do Brasil”, inaugurando o que o crítico Alfredo Bosi chamaria de corrente “brutalista”. O autor reinventou a narrativa policial, colocando os efeitos das rápidas e brutais transformações das grandes metrópoles brasileiras no centro de seus livros.
Rubem Fonseca, gigante pelos livros e não pelo marketing : mania de reclusão gerou histórias engraçadas com os fãs pelas ruas
Em 1975, lançou "Feliz ano novo", um best-seller instantâneo que chegou a ser proibido pela ditadura militar. Reconhecido como um dos melhores contistas da história da literatura brasileira, Fonseca também deixou romances marcantes. O histórico "Agosto" (1990), que tem o suicídio de Getúlio Vargas como pano de fundo, é um dos seus maiores sucessos.
Para muitos, ele foi o responsável por trazer uma mentalidade urbana para a literatura brasileira. Embora tenha iniciado a carreira nos anos 1960, sua obra continuava sendo uma influência maior para autores contemporâneos. “É um escritor que, de certa maneira, organizou a literatura brasileira, sobretudo nos primeiros livros de contos. São obras-primas. Eu releio ‘A coleira do cão’ e falo: não é possível, ele escreveu e publicou isso em 62!", observou o escritor Marçal Aquino.
Paralelamente ao sucesso comercial, Fonseca colecionou prêmios, culminando com o Camões, o mais importante da língua portuguesa, em 2003. Também ganhou nada menos do que seis Jabutis (1969, 1983, 1996, 2002, 2003, 2014) em diferentes categorias (romance e contos). E recebeu um Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional pelo conjunto da obra, em 2014.
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Rubem Fonseca não concedia entrevistas há mais de 50 anos. Muito antes do isolamento social causado pelo surto de Covid-19, a reclusão do autor se tornou folclórica na cena literária e também na cultura popular. Virou um personagem folclórico no imaginário do Rio. Mas também em outros países; afinal, era um dos escritores brasileiros mais conhecidos e traduzidos no exterior.
O jornalista Zuenir Ventura lembrava que o amigo tinha "medo de virar celebridade". Em 2000, Zuenir presenciou as comemoração dos 70 anos de Fonseca em Havana, onde foi recebido com bolo, velinhas e “parabéns pra você” e chamado de "comandante" pelos amigos cubanos. Chegou a ser recebido no palácio presidencial por Fidel Castro, que disse "já ter ouvido falar" no escritor.
Na capital cubana, Fonseca virou outra pessoa. Extrovertido e animado, leu trechos de seus livros para uma plateia de cem pessoas — uma cena impensável no Brasil. Também na cidade, teve uma queda de pressão na rua e, para não cair, sentou-se no meio-fio. Zuenir recorda que uma pedestre local passou e o reconheceu. O que fez o escritor imaginá-la comentando com as amigas: “‘Encontrei o Rubem Fonseca bêbado, numa sarjeta’. Isso é que é desagradável. Não sou recluso, a celebridade é que me chateia”.
Segundo a sua filha, Bia Correa do Lago, a presença limitada na mídia lhe permitia circular mais à vontade pelas ruas do Leblon.
— Meu pai diz que a vantagem de não ser uma pessoa conhecida é poder olhar as coisas sem ser incomodado. Para ele, o escritor tem que observar, não ser observado — disse ela em uma entrevista de 2015, quando o pai completou 90 anos.
O escritor continuou com uma produção ativa no fim da vida. Tanto que publicou cinco livros de contos nos ultimos dez anos: "Axilas e outras histórias indecorosas" (2011), "Amálgama" (2013), "Histórias curtas" (2015), "Calibre 22" (2017), e "Carne crua" (2018), sua obra derradeira.