Música
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Por — Rio de Janeiro

Moraes Moreira não vivia do passado. O que movia o cantor e compositor baiano, morto em 2020, eram as inspirações no tempo presente. Talvez por isso nunca tenha se preocupado com o fato de que muitos de seus discos não estavam disponíveis no streaming — lacuna que incomodava profundamente sua filha.

Como boa psicanalista, Cecilia Moraes é ligada na importância da memória. E toda vez que procurava um álbum do pai no Spotify para mostrar aos filhos e não encontrava, sentia desconforto. Chegou a se queixar com o próprio, que se irritava. “Isso aí já está feito, quero é mostrar que não estou aposentado”, costumava dizer.

Quando Moraes morreu, a ausência desses registros gritou ainda mais alto no peito de Ciça, como é chamada pela família. Então, a ficha caiu. E ela entendeu que não havia como escapar: a missão de cuidar do legado e espalhar a palavra do pai era sua e do irmão Davi, músico e parceiro de Moraes desde criança em shows e composições. Essa missão vem sendo cumprida há três anos e começa a dar frutos nesta sexta-feira, quando a discografia completa do artista estreia nas plataformas digitais.

— Junto com a obra, patrimônio maior de um artista, a gente herda o compromisso de colocá-la no mundo, de cuidar para que fique acessível. Me sinto comprometida — diz Ciça. — Concluir uma vida é um processo doido. Recuperando a memória, a gente consegue ressignificá-la.

Moraes Moreira: 'Quero mostrar que não estou aposentado', ele costumava dizer, sempre de olho no presente — Foto: Divulgação / Lita Cerqueira
Moraes Moreira: 'Quero mostrar que não estou aposentado', ele costumava dizer, sempre de olho no presente — Foto: Divulgação / Lita Cerqueira

A novidade chega acompanhada da retomada do perfil oficial do baiano no Instagram. Ele era administrado por alguém com quem os filhos não tinham contato. A senha de acesso ficou perdida. Foi recuperada graças ao trabalho de Marina Mattoso, à frente da agência de marketing digital Jangada Comunicação.

Outra boa notícia é a inauguração da exposição dedicada a vida e obra de Moraes e batizada com o nome de um de seus discos: “Mancha de dendê não sai”. Após atrair 25 mil pessoas em Salvador, a mostra aporta no Museu da Cidade, no Parque da Cidade, na Gávea, Zona Sul do Rio, no domingo. A escolha do lugar não foi à toa. Era naquele oásis verde, vizinho a sua casa, que Moraes dava seus rolés.

Exposição: uma das salas de 'Mancha de dendê não sai', mostra dedicada à vida e obra do cantor e compositor — Foto: Divulgação / Caio Lírio
Exposição: uma das salas de 'Mancha de dendê não sai', mostra dedicada à vida e obra do cantor e compositor — Foto: Divulgação / Caio Lírio

As novas luzes sobre a obra de Moraes não param por aí. Um documentário dirigido por Cecilia Amado está por vir. Há ainda um disco com frevos do compositor. A direção musical é de Davi e Pupillo, os arranjos de sopros, dos maestros Spok, Duda, Nilson Amarante e Henrique Albino mestres do gênero pernambucano. O álbum terá participações de Criolo, Maria Rita, Céu, Otto, Lenine, Agnes Nunes e outros.

— O disco mostra a forte relação do meu pai com Pernambuco. Ele tinha o diploma dado pelos frevistas que o respeitavam. Está vindo cada arranjo de arrepiar — adianta Davi.

Tudo isso sem falar no material inédito deixado por Moraes. No baú do artista, há frevo composto com o parceiro Fausto Nilo, letras e mais letras rascunhadas (uma delas em homenagem a João Nogueira), cordéis e poemas — 24 deles dedicados ao lado místico do artista, que jogava runas.

— Há um caderno lotado e músicas nossas que guardo na memória. Daí, podem surgir parcerias inéditas. Em nosso último telefonema, ele me pediu para musicar 15 poemas que tinha feito — lembra Davi.

Garimpo

Garimpar os discos do pai foi um processo intenso para Ciça. Com a ajuda da advogada especializada em direitos autorais Gabriela Lacombe, ela se dedicou à atualização dos contratos de Moraes, foi em busca da obra em acervos de gravadoras que nem existem mais. Encontrou as herdeiras desse acervo, negociou, organizou e agora o disponibiliza para o público. Burocracia insana, mas que veio carregada de descobertas que levantaram o astral da psicanalista após um período conturbado. Além do pai, ela havia vivido o baque da perda da mãe e a avó — todas no ingrato ano de 2020.

Olhar o legado de Moraes e constatar que ele viveu intensamente foi um conforto e tanto.

— Quando ele morreu, pensei: “Que vida esse cara teve”. Saiu de uma cidade com duas ruas, enfrentou muita coisa sozinho, deixou os Novos Baianos para fazer carreira do zero, encontrou Armadinho na construção dos trios elétricos. Muitas fases. Baiano do sertão, ligado à música nordestina, a Luiz Gonzaga, ao São João. São vários aspectos a explorar.

É justamente o que faz a exposição “Mancha de dendê não sai”. Realizada pela Maré, com produção de Fernanda Bezerra e cenografia de Renata Motta, a mostra, gratuita, propõe um passeio imersivo e sensorial pelo universo de Moraes. Destaque para depoimentos de parceiros e áudios do próprio artista recitando poemas.

Sintonia. O violão que Moraes tocou durante 40 anos é destaque na exposição, que estreia no Museu da Cidade, no Rio — Foto: Divulgação / Caio Lírio
Sintonia. O violão que Moraes tocou durante 40 anos é destaque na exposição, que estreia no Museu da Cidade, no Rio — Foto: Divulgação / Caio Lírio

Uma perola é o filme “A gente é isso”, de Pedro de Moraes, com imagens intimistas do icônico sítio dos Novos Baianos, em Vargem Grande. A retrospectiva destaca a versatilidade, o lado compositor, as parcerias, as incursões pela literatura e as raízes de Moraes, conectadas à Bahia.

Som. O visitante poderá ouvir depoimentos de parceiros e áudios de Moraes Moreira recitando poemas na mostra dedicada ao artista — Foto: Divulgação/ Caio Lírio
Som. O visitante poderá ouvir depoimentos de parceiros e áudios de Moraes Moreira recitando poemas na mostra dedicada ao artista — Foto: Divulgação/ Caio Lírio

O que os filhos sentiram quando visitaram a mostra?

— Foi uma experiência espiritual. Sentimos a presença do nosso pai. Bateu até um cansaço, como se estivéssemos saindo de um trio elétrico (risos). Nada é por acaso — define Davi.

Tesouro oitentista

Ao todo, são 14 álbuns de Moraes Moreira que passavam longe do streaming e estão disponíveis, a partir desta sexta, nas plataformas digitais. Praticamente todos pertencem à década de 1980, época das dobradinhas do cantor e compositor com o poeta Paulo Leminski e com o arranjador Lincoln Olivetti. São quatro coletâneas — uma com o parceiro de Novos Baianos, Pepeu Gomes —, dois compactos e oito discos de carreira solo. Entre eles, os antológicos “Coisa acesa” (1982), “Mancha de dendê não sai” (1984) e “Tocando a vida” (1985).

— São discos que a gente tem muita intimidade, sabe o valor, a importância. Eu e Davi morávamos com ele nessa época e o vimos trabalhando de perto. Agora, queremos dividir com o público, mostrar para outras gerações. Meus filhos têm os vinis, mas esse acesso digital é importante para chegar nos jovens — analisa Cecilia Moraes.

Davi também foi testemunha ocular das gravações de alguns desses álbuns. Além de assistir aos jogos do Flamengo no Maracanã com o pai, o hobby preferido dele quando menino era chegar da escola e acompanhá-lo ao estúdio. Não por acaso, se tornou músico. Aos 12 anos, subia no palco com Moraes, como quando participou do Rock in Rio, em 1985, tocando “Brasileirinho” a seu lado.

— No lendário estúdio Transamérica, eu via entrar músicos como Altamiro Carrilho, Cristóvão Bastos. Meu pai fez questão de me levar para a turnê de “Moraes e Pepeu” no Japão. Ali, eu estava ao lado dos meus mestres: o da vida (Moraes) e o da guitarra (Pepeu). Era o reencontro dos dois, que eram uma dupla nos Novos Baianos — lembra Davi. — Tinham um “que” de dupla sertaneja, com alma de roqueiro, pegada de trio elétrico e da coisa afro. Faziam shows até em feiras de gado em meio à cena da lambada, com Sidney Magal e Beto Barbosa.

Capa. Álbum 'Moraes Moreira, de 1981 — Foto: Reprodução
Capa. Álbum 'Moraes Moreira, de 1981 — Foto: Reprodução

'Era uma época que não tinha essa coisa de ser enaltecido por ser filho de Moraes, Caetano, Gil...'

Histórias saborosas como esta não vão faltar no canal oficial de Moraes, que Ciça acaba de abrir no YouTube. Ali, serão publicados vídeos com os filhos contando causos e parceiros comentando discos.

— São álbuns que merecem ser revistos e ouvidos. Vieram de uma época em que o rock nacional dominava o Brasil, e a MPB vivia certa baixa. Artistas chegavam a ser vaiados no Rock in Rio — recorda ela.

Muitos deles trazem canções de sucesso, mas foram ofuscados por esse momento do rock ao qual Ciça se refere.

— Não era como nos anos 1960, em que a MPB estava graçando em tudo. Um assunto que até converso com a Preta Gil é que não havia essa coisa de ser enaltecido por ser filho de Moraes, Caetano Veloso, Gilberto Gil. Na Zona Sul carioca, então...

Brilho. Capa do álbum 'Coisa acesa', de 1982 — Foto: Reprodução
Brilho. Capa do álbum 'Coisa acesa', de 1982 — Foto: Reprodução

Os filhos vão mexendo no baú e não para de sair coisa. O que resume o espírito workaholic de Moraes Moreira, segundo Davi.

— O trabalho era tudo para ele. Ali tinha lazer e diversão. Tanto que o cara continua agitando para caramba. Pegando carona no nome do disco, estamos sentindo mais do que nunca a coisa acesa. Isso dá uma alegria...

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